Segunda parte de artigos de fundo sobre a situação econômica e política no Brasil e no Mundo.
Continuamos aqui a publicação de uma série de 5 artigos da Esquerda Marxista sobre a situação econômica e política do Brasil e do mundo, com o objetivo de ajudar na compreensão da época em que vivemos e as decorrentes tarefas dos revolucionários. Escritos em Janeiro de 2008, estes artigos continuam absolutamente atuais e, como poderá se comprovar, estão plenamente confirmados pela marcha dos acontecimentos.
II: LULA E O PAC: TRABALHANDO DURO PARA OS CAPITALISTAS
A situação econômica de conjunto (ver artigo anterior “Um período convulsivo”) permite a Lula um fôlego extra já que antes tudo o que se arrecadava ia para a Dívida Pública. O extraordinário arrocho conhecido como Superávit Fiscal Primário, que Lula e Pallocci fizeram maior do que o pedido pelo FMI, resultou numa aceleração do pagamento da Dívida Externa do país. Nos quatros primeiros anos do governo Lula, o endividamento do país caiu de US$ 210,711 bilhões do final de 2002 para US$ 168,867 bilhões, uma queda de 19,9%.
Mas não foi só isso que diminuiu a Dívida Externa. Frente a conhecida e previsível queda do valor do dólar, o governo, como verdadeiro capacho do sistema financeiro internacional, “nacionalizou” a Dívida trocando-a por papéis “internos” que pagam os juros mais altos do mundo. Ou seja, como o valor da Dívida ia cair com o dólar baixando, o governo garantiu um aumento da Dívida transformando-a em Reais e pagando juros muito acima da inflação. Isto permitiu a transformação da impagável Dívida Externa numa ainda mais monstruosa e impagável Dívida Interna, que hoje já ultrapassa 1 trilhão e meio de reais.
E este movimento de salvação do “livre mercado” com o dinheiro público continua, como conta com satisfação, em 24/09/2007, o jornal Valor: “Depois de ficar de fora do mercado durante a turbulência gerada pela crise no crédito imobiliário americano, o Banco Central (BC) volta a realizar amanhã leilão de 46,6 mil contratos de swap cambial com posição ativa em variação do câmbio e passiva em taxas de juros. O anúncio foi feito há pouco, após pesquisa sobre a demanda por esses papéis com dealers no mercado. A operação ocorre das 12 horas às 13 horas e o resultado será conhecido a partir das 14h30”. Um verdadeiro escândalo!
O swap é um acordo para troca de rentabilidade dos ativos financeiros. Com o swap cambial reverso, a autoridade monetária dá às instituições financeiras a variação da taxa de juros (Selic) e recebe, em contrapartida, a variação do dólar.
Explicando: Como os “dealers” (negociantes) desejavam cair fora de papéis em dólar por causa da queda de valor desta moeda, o gentil BC brasileiro troca os títulos em dólar dos ansiosos negociantes por papéis do Tesouro Brasileiro que pagam os juros mais altos do mundo. Ou seja, o BC vai pagar juros altíssimos para os especuladores e o prejuízo da queda do dólar fica com o BC. E o BC já havia feito isso antes, em Junho, salvando a módica quantia de US$ 1,5 bilhão dos angustiados “dealers”. Não é uma emocionante preocupação social deste governo?
Um importante mecanismo de estabilidade
Atualmente, portanto, o aumento da arrecadação – apesar da queda da CPMF que garantia R$40 bilhões anuais, já que o aumento de arrecadação sem a CPMF foi de quase 64 bilhões de dólares – garante o pagamento das Dívidas e sobra dinheiro para financiar as obras de infra-estrutura que depois serão privatizadas. E ainda permite ampliar as Bolsas-Família para atingir 36 milhões de pessoas distribuindo um dólar por dia.
Mas, o governo não conta só com isso. Afinal, o tom da luta de classes é dado principalmente pelas categorias organizadas. Por isso é preciso também levar em conta que existe uma enorme máquina dedicada a corromper dirigentes operários através de medidas diretas do aparelho de Estado. Esta burocracia sindical “lulista” é que provoca a atual situação do movimento operário e suas dificuldades para se mobilizar. A política de colaboração de classes do Lulismo (que não é mais do que adesão ideológica ao capitalismo) se expressa no apoio ao governo de coalizão e na integração da CUT aos Fóruns e Conselhos Tripartites.
Através do aparato de Estado se distribuem fartos orçamentos para ONGs e para as cúpulas do movimento operário, e sindical em particular, através de “programas” e milionários “jetons” em diretorias de estatais. É isto que permite entender a defesa cínica dos “avanços do governo Lula” pelos que se beneficiam diretamente. A lista é imensa dos meios utilizados. Vai de jetons a salários e doações, diretorias de estatais, contratações, assessorias e consultorias diversas, empregos em agencias reguladoras, contratos comerciais com empresas feitas de encomenda e outros meios, lícitos ou ilícitos, todos condenáveis política e moralmente pelos socialistas. Isto não quer dizer que não existam muitos militantes honestos que repitam estas tolices sobre avanços acreditando em seus dirigentes e se deixando levar pela máquina de propaganda. Por isso é preciso antes de tudo explicar pacientemente para estes ativistas e para os trabalhadores o que se passa realmente na morada oculta da economia.
Uma fúria privatizadora toma conta do Governo de Coalizão
O governo Lula de coalizão começa 2007 anunciando o Governo de Coalizão com PMDB, PP, PTB, etc., e o PAC. E nos dias seguintes ao III Congresso do PT uma avalanche de privatizações e de Reformas foi enviada ao Congresso Nacional pelo governo e seus íntimos aliados.
O PAC foi apresentado como um plano de desenvolvimento nacional. De fato é um plano de desmonte de conquistas sociais, de entrega e privatização do patrimônio público, de transformação do Brasil numa plataforma de exportação agro-mineral, aprofundando a dependência e o controle do imperialismo sobre a nação oprimida, seus recursos e seu povo trabalhador. O que prevê o PAC:
1. Investimento público
1.1. Elevação do PPI (Programa Piloto de Investimentos) de 0,2% do PIB (R$ 4,9 bilhões) para 0,5% (cerca de R 11 bilhões neste ano). No PPI entram os projetos em que o governo investe, prepara o terreno e depois entregará à iniciativa privada através de licitação. Exemplo: usinas hidrelétricas, estradas, portos, etc.
2. Ajuste fiscal
2.1. Engessamento do reajuste do salário mínimo até 2023. A partir de 2008, o aumento levará em conta a inflação mais o PIB de dois anos antes.
2.2. Teto para o aumento do salário dos servidores públicos. O limite será a variação da inflação mais um teto de 1,5% de aumento real. Isto na prática significa congelamento salarial.
2.3. Medidas de preparação da privatização do INSS chamadas de “Medidas de gestão na Previdência Social”, apresentada com o objetivo de “reduzir o déficit”, inexistente, assim como reduzir e limitar o valor do auxílio-doença.
2.4. Privatização da Previdência dos Servidores Públicos através da “Regulamentação do regime de previdência complementar dos servidores públicos”. São os dois PLs enviados em 9 e 16 de setembro pelo governo ao Congresso.
2.5. Preparação da privatização do INSS através da “Criação de um Fórum Nacional da Previdência Social para debater o regime previdenciário com trabalhadores, governo e beneficiários”.
3. Isenções de impostos para empresários
3.1. Alíquotas zero para diversas contribuições sociais e mesmo isenção de impostos para os empresários nas áreas de informática, componentes eletrônicos, eletro-eletrônicos e telecomunicações.
3.2. Estas três medidas na área de informática, eletrônica e telecomunicações visam ampliar a base para a instalação no país da economia de plataforma subcontinental integrada pelo PAC, que prevê a construção de infra-estruturas bancadas pelo dinheiro público para um funcionamento mais integrado e “competitivo” das novas instalações das multinacionais que se apropriam da nova plataforma de exportação agro-mineral.
4. Construção civil
4.1. “Ampliação, com os recursos do FGTS, do programa de compra da casa própria pela população de baixa renda”. Aqui não se trata de um programa governamental de construção de casas para a população de “baixa renda”, mas de medida de ampliação do crédito imobiliário para ampliar os negócios das incorporadoras e construtoras. Como esta medida não é decorrente de ampliação da renda e nem de uma expansão significativa do nível de emprego, significa que é uma medida muito semelhante as que acabaram por gerar, no médio prazo, a crise da “Bolha imobiliária” dos EUA.
4.2. “Suspensão da exigibilidade de PIS e Cofins na compra de insumos e serviços vinculados a novos projetos de infra-estrutura de longo prazo nos setores de transportes, portos, energia e saneamento básicos”. Esta medida é para baratear os investimentos da “Plataforma” e o estabelecimento de uma gama de empresas diretamente ligadas a ela nestas regiões.
4.3. Isenção de tributos em fundos de investimento em infra-estrutura. Os rendimentos desses fundos serão isentos do IR na fonte e da declaração da pessoa física após transcorridos cinco anos da data de aquisição da cota.
4.4. Apropriação do dinheiro dos trabalhadores para a criação de “fundo em infra-estrutura que contará com R$ 5 bilhões do FGTS. O limite poderá ser elevado para até 80% do patrimônio líquido do fundo, de cerca de R$ 20 bilhões. Além disso, os trabalhadores poderão aplicar até 10% do saldo de suas contas nesse fundo”. Este Fundo tem como objetivo financiar as privatizações, as PPPs (Parcerias Público-Privadas) e ainda tentar atrair os trabalhadores para o mercado especulativo “engatando-os” ao funcionamento do capitalismo e da especulação.
4.5. Na área de obras públicas, o governo federal decidiu “priorizar até 2010 os investimentos em logística (rodovias, ferrovias, portos), energia e saneamento”. O governo quer “resolver os possíveis ‘gargalos’ para o crescimento e a competitividade”. O governo anunciou que serão, junto com estatais e iniciativa privada, R$ 503,9 bilhões até 2010.
4.5.1. Este é o coração do PAC com suas PPPs, as modernizações privatizadoras, o dinheiro público para garantir a “competitividade internacional” (leia-se baixa de custos de produção em relação a outros mercados) a garantia de energia e de saneamento para as multinacionais se instalarem.
4.6. Projeto de lei para regulamentar o artigo 23 da Constituição. O objetivo é deixar liberar a responsabilidade pelo licenciamento ambiental de uma determinada obra para governos estaduais e municípios. Ou seja, abrir a porteira para os coronéis e corruptos governadores e prefeitos organizarem a farra das multinacionais e outras empresas amigas.
5. Arrecadação
5.1. Aprimoramento das ações da Receita no combate à fraude e arrecadação, com a implementação do sistema público de escrituração digital e da nota fiscal eletrônica. Nenhuma grande empresa sobrevive se usar a sonegação de impostos como método, pois seus acionistas perderiam completamente o controle para os gerentes, supervisores, compradores e vendedores, etc. Quem se utiliza da sonegação são as empresas micro, pequenas e médias, onde o olho e a mão dos proprietários é que guiam as ações da empresa. As grandes vivem da legislação aprovada (exemplo, a Lei Kandir para os exportadores, etc.) e de grandes negociatas que dificilmente caem nas malhas da Receita. O objetivo da Receita Federal é impedir uma “concorrência desleal” das pequenas com as grandes através da sonegação dos impostos, ou seja, “normalizar” o mercado.
6. Capital de Giro com o chapéu alheio
6.1. Aumento do prazo de recolhimento das contribuições para a Previdência, do dia 2 para o dia 10, e do PIS e Cofins, do dia 15 para o dia 20. O objetivo cínico é com o dinheiro retido dos trabalhadores “aumentar o fluxo de caixa das empresas”. Este “capital de giro” concedido com o dinheiro dos trabalhadores e dos impostos vai aumentar o espaço para fraudes e apropriação indébita, que já são monstruosas no Brasil. E são grandes exatamente porque o governo não amplia a fiscalização, não cobra as dívidas e nem pune a apropriação indébita realizada pelos empresários.
7. Outras medidas previstas ou já adotadas:
– Redução da TJLP, hoje em 6,5%
– Redução dos spreads do BNDES para infra-estrutura e desenvolvimento urbano
– Marco legal para as agências reguladoras
– Lei do Gás
– Reestruturação do sistema de defesa da concorrência
– Aprovação do marco regulatório do saneamento
– Abertura do mercado de resseguros
– Recriação da Sudam e Sudene
– Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas
– Reajuste da tabela do IR em 4,5% até 2010
– Reforma Tributária
– Aprimorar o sistema de compras públicas
– Extinção das estatais Rede Ferroviária Nacional e Frenave
Estas são as medidas previstas pelo PAC. Este é um plano para transformação do Brasil em uma gigantesca plataforma de exportação agro-mineral inteiramente controlada pelo capital internacional.
Apresentar este plano como “desenvolvimentista” ou de “aceleração de crescimento” é uma fraude total. O governo de coalizão de Lula com os capitalistas é mesmo incapaz de apresentar e realizar um plano do tipo Getúlio Vargas, nem mesmo de tentar desenvolver um capitalismo nacional de acordo com suas próprias disparatadas teorias reformistas. O PAC é o plano mais entreguista já proposto por um governo brasileiro em toda a história da república. Ele prepara uma catástrofe econômica tentando fazer regredir o país para as condições de colônia exportadora de matérias primas e monoculturas. Jamais um país se desenvolveu desta maneira.
A ilusão criada pela enxurrada de dinheiro investido nesta maracutaia será desfeita pela explosão da crise de superprodução que se aproxima vindo dos EUA e da China. Hoje, no mundo a burguesia está em pânico e o capital financeiro se debate em sua própria teia. Eles não sabem mais o que fazer. E o Brasil vai sentir fundo a dor do golpe desferido pela mão peluda do imperialismo quando se descobrir que não há “capitalismo em um só país” e que era mentira a tal “blindagem” e “aceleração de crescimento”.
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