O Fascismo como instrumentalização do Outro

Nota do Editor: O artigo a seguir apresenta opiniões exclusivas de seu autor. Caracterizamos o governo Bolsonaro como aspirante ao tipo de governo bonapartista. Sobre o assunto, indicamos a análise da Esquerda Marxista “Declaração da Esquerda Marxista: Organizar a resistência e o combate contra o governo Bolsonaro” e o artigo “O que é o fascismo? Ele é uma ameaça iminente hoje?“.

O avanço do fascismo é um reflexo do controle burguês. Sua sombra surge em momentos de enfrentamento direto e, na atual situação, forma-se por grupelhos que, estimulados pelo aparato do capital, atuam como cães de guarda da burguesia. O atual governo não tem medo de demonstrar suas intenções mais cruéis. A pandemia somada à crise estrutural da sociedade capitalista evidencia nossas desigualdades e transforma a luta de classes em uma verdadeira luta pela sobrevivência, deixando cair as máscaras do grupo asqueroso que habita o poder.

Como disse Bertolt Brecht, a cadela do fascismo sempre está no cio e nesse novo paradigma de instabilidade prolongada seus filhotes nunca foram tão reais. 

Esse movimento pautado na violência visa a destruição do Outro, assenta suas bases na aniquilação daquilo que é visto como resistência ao projeto de poder visado e que, tem na destruição física do proletariado sua materialização. O governo Bolsonaro, embora politicamente cada vez mais isolado, possui o apoio de pequenos grupos protofascistas que almejam a supressão da classe trabalhadora e a negação de sua humanidade, contudo, essa postura descabida já enfrenta resistência entre as fileiras do proletariado.

Esses grupos radicais tomados pela paranoia, objetivam criar falsas identidades aos seus adversários. Por meio da calúnia, destituem os dissidentes de sua real concretude e atribuem a eles qualidades descoladas da realidade.

O fascismo não é um epifenômeno da sociedade liberal, não é uma anomalia sem razão de ser. É fruto de sua condição histórica, fruto das próprias contradições do sistema. Não é possível falar em fascismo sem pensar o capitalismo.¹

Nesse sentido, o fascismo se mostra como aprofundamento da lógica burguesa de destruição. É sua manifestação clara como eliminação dos trabalhadores e de seus intelectuais.

A razão instrumental própria da dinâmica capitalista imprime sua mais vil personalidade sob o fascismo, evidencia de maneira brutal “o caráter repressivo da sociedade que se autoaliena”.²

Essa racionalidade técnica elevada ao status de método de destruição e aniquilamento atinge a subjetividade e invade a consciência da classe trabalhadora. Essa, condicionada a esse padrão, absorve uma nova forma de ver o mundo e enxerga o Outro não como: “um ser que implica o ser do outro em meu ser”³, mas como um simples objeto, reduzido a um em-si que pode ser instrumentalizado e utilizado por aqueles que detém os meios cabíveis.

No entanto, faz-se necessário ressaltar que esse estado amórfico da consciência da classe trabalhadora já não é tão vivo quanto antes. O proletariado tem despertado os olhos para a conjuntura que se forma e o governo passa a ser reduzido a uma esdrúxula condição de puro isolamento.

O grupo que toma o aparato do poder possuiu o apoio do grande capital – representados por Paulo Guedes –  que por um curto período possibilitou um controle dos meios ideológicos de propagação. Esses meios foram inicialmente usados para atingir diretamente uma parcela da população, que captados pelos apelos antisistêmicos do governo apoiaram-no e que agora reconhecem sua insanidade.

Nessa situação, a classe trabalhadora, sob a influência desse sofisticado aparato, atua contra seu próprio horizonte. Não reconhece sua situação enquanto classe, sendo desvinculadas das lutas inexoráveis do proletariado.

As instituições burguesas, constituídas na base da repressão e no controle social, são então movidas para dar cabo a esse processo que visa a supressão do Outro, entendido aqui como os proletários, que são atacados em detrimento do pleno desenvolvimento da barbárie fascista.

Seu aparato de polícia, próprio da democracia burguesa, constituem a clássica forma de repressão social. A movimentação reacionária de alguns poucos fornece uma pequena base de apoio ao governo e mesmo com uma aparente confusão entre o Exército e o Executivo é notável a sintonia de seus discursos.

O absurdo é normatizado, tido como regra. Não há espanto nessa completa situação de estranhamento de si e do outro. O discurso visto como mera verborragia não impele a oposição a uma ação concreta. O aparente horror às declarações de Bolsonaro é seguido de uma condescendência pífia.

O ovo da serpente está em processo de gestação. É necessário frear esse avanço e livrar-se do preconceito burguês de confiança cega as inertes instituições. Como dizia Marx, deve-se ir a raiz do problema, é preciso lutar contra o governo e seus apoiadores dentro de uma perspectiva anticapitalista que vise a supressão das condições objetivas que possibilitam a existência do mesmo. Trazer o humanismo só é possível sob a abolição do Estado burguês e é tarefa histórica dos trabalhadores organizados.

[1] Max Horkheimer, “Die Juden und Europa”, Zeitschrift für Sozialforschung, n. 8, 1939, p. 115.

[2] HORKHEIMER, Max & ADORNO, Theodor. A indústria cultural: o iluminismo como mistificação de massas, p. 3

[3] (SARTRE, 1997, P.303).