Última parte, de um total de 4, de uma análise marxista do governo que toma posse neste dia 1º de janeiro.
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4ª Parte
O movimento operário tem as forças intactas e vai se chocar com a política do governo, apesar dos dirigentes
A direção da CUT, que apóia o governo, mas deve responder às suas bases sindicais, e por isso aprova em 17 de novembro de 2010, a seguinte resolução (trechos):
“As eleições brasileiras apresentaram um resultado histórico. A eleição de Dilma Rousseff, a primeira mulher que ocupará a Presidência da República significou a reafirmação da vontade do povo brasileiro em dar continuidade às mudanças, em um projeto democrático popular expresso no desenvolvimento sustentável com valorização do trabalho, distribuição de renda e inclusão social.
A aliança demotucana e sua plataforma neoliberal de privatização, arrocho e precarização de direitos, foram derrotadas, nas urnas, pelo povo brasileiro.
Mas, a exemplo de 2002 e 2006, quando também a direita foi derrotada pelo voto popular, reapresentam à sociedade, a pretexto de enfrentar o ambiente de crise internacional, uma pauta de medidas inspiradas nos “planos de ajuste” do FMI, baseada na redução dos investimentos sociais, diminuição dos gastos públicos, desregulamentação e redução dos direitos trabalhistas. Utilizando-se da velha mídia, transformada em verdadeiro “partido da direita”, reverberam propostas que significam mais do mesmo, uma marcha à ré em direção às verdadeiras causas da crise internacional iniciada em 2008.
Frente a esse embate, a Executiva Nacional da CUT reafirma que as mudanças em curso necessitam ser aprofundadas. Entendemos que o caminho do crescimento econômico sustentável se dará pelo atendimento das reivindicações da classe trabalhadora, com o respeito à política de valorização do salário mínimo – com aumento real de salário em 2011, a redução da jornada de trabalho para 40 horas, o fim do fator previdenciário sem aumento na idade mínima da aposentadoria, a reforma agrária com atualização dos índices de produtividade da terra, a utilização no desenvolvimento social dos recursos obtidos no pré-sal, o fortalecimento da organização sindical e a democratização das relações de trabalho.
E mais: somos contrários a qualquer tipo de desoneração da folha de pagamentos que implique em redução dos valores destinados à Previdência e à Educação. Ao mesmo tempo, a CUT defende a instituição de um imposto sobre movimentação financeira com destinação específica à Saúde e a correção anual da tabela do Imposto de Renda, de acordo com a inflação e garantindo a reposição integral das perdas”. (CEN CUT, 17/11/2010).(grifos nossos)
Mesmo apoiando o governo e apontando como saída para a classe trabalhadora medidas que não vão além de reformas ou de políticas keynesianas, a CUT como central operária é obrigada a pôr o pé na porta do programa do novo governo Dilma/Temer. Se efetivamente a direção da CUT vai ou não se mover pelo que anuncia é outra questão e não se pode daí esperar muita coisa.
Mas o fato de que estabeleça um contraponto imediato ao que anuncia o governo tem uma enorme importância para o movimento operário. E permite aos marxistas desenvolver uma ousada política de Frente Única em Defesa da Previdência Pública e Solidária, Pelo Fim do Fator Previdenciário, Pela Revogação das Reformas da Previdência de FHC e de Lula, em defesa dos direitos, das conquistas e das reivindicações, em especial da jornada de trabalho de 40 horas semanais.
Esse é o centro tático da luta no próximo período e é com ele que a Esquerda Marxista se constrói como uma organização de quadros, de militantes que, intervindo na luta de classes, se preparam para o momento em que as massas entrarão no jogo e tomarão as ruas.
Perspectivas
Agora é o tempo de reforçar as fortalezas, aprofundar as trincheiras e desenvolver as armas políticas e teóricas aproveitando o período de relativa calma que se desenrola no Brasil.
Ao mesmo tempo a busca de ampliar as relações no movimento operário com todos aqueles que se colocam de fato em ruptura com a burguesia. Isso significa que os marxistas não se deixam levar pelo canto fácil das sereias reformistas que sonham com um mundo de harmonia ou de coexistência pacífica entre capital e trabalho. Da mesma forma nada interessa aos que se propõem construir uma verdadeira organização operária marxista revolucionária, perder tempo com as seitas auto-proclamatórias. Essas seitas que se denominam das mais variadas formas nada têm de útil para oferecer na construção de um partido operário revolucionário a não ser botar a perder uma certa quantidade de jovens e pequeno-burgueses radicalizados pela dor causada pelo sistema capitalista e pela traição dos dirigentes reformistas.
É inevitável que a política dos dirigentes reformistas do capitalismo provoque e amplie as crises no interior do PT e da CUT. Como já se viu durante a campanha eleitoral ou durante a preparação do CONCUT, militantes, correntes e organizações se desprendem dos aparatos buscando continuar fiéis à sua própria classe e à luta pelo socialismo. Os marxistas combatem sobre a base de seu programa para construir a corrente revolucionária de massas e a Internacional Operária Revolucionária e consideram que as aquisições políticas, teóricas e de método do legado de Marx, Engels, Lenin, Rosa e Trotsky são os fundamentos desta construção. Por isso mesmo estão inteiramente abertos a desenvolver atividades práticas e discussões com todo aquele militante, corrente ou setor do movimento de massas que esteja disposto a combater em unidade na linha da Frente Única como definido pelos 3º e 4º Congressos da Internacional Comunista.
É sobre essa base que se podem e devem desenvolver os caminhos para a construção de uma verdadeira corrente marxista com influência de massas. Se é absolutamente necessário e fundamental ganhar para o marxismo todo e cada militante que se destaca no combate, é preciso compreender, entretanto, que uma Internacional revolucionária digna desse nome, com partidos operários revolucionários de massas, só se construirá com grandes acontecimentos, crises e desprendimentos no interior dos velhos partidos operários que a classe reconhece como seus. Toda a história do movimento operário comprova isso.
Construir seriamente uma corrente marxista com influência de massas exige um trabalho profissional e paciente no interior do movimento operário. E não proclamações – justas ou não – à margem do caminho. Para atravessar o deserto é preciso ir em caravana. E os marxistas carregados com seu programa e suas bandeiras que derivam diretamente das necessidades imediatas e históricas da classe trabalhadora enfrentam esta jornada com uma larga perspectiva histórica.
Ruptura com os partidos burgueses e o imperialismo. Governo Socialista dos Trabalhadores
Vivemos uma situação de equilíbrio precário que pode ser rompido a qualquer momento por razões completamente fora do controle de qualquer um.
Aquilo que é o centro tático neste momento para a classe trabalhadora, a saber, enfrentar a austeridade governamental e a voracidade patronal exige, entretanto dos marxistas que o façam explicando as perspectivas políticas para que um dia as classes oprimidas se livrem de vez da dominação burguesa.
É preciso explicar pacientemente aos trabalhadores e à juventude que a Defesa da Previdência Pública e Solidária, a luta pelo Fim do Fator Previdenciário, pela Revogação das Reformas da Previdência de FHC e de Lula, a defesa dos direitos, das conquistas, das reivindicações e da jornada de trabalho de 40 horas semanais exigirão uma enorme luta onde os trabalhadores só podem realmente contar com suas próprias forças, mobilização e organização.
E que nesta luta não poderão avançar contando com um governo que eles consideram seu, mas que de fato está a serviço do capitalismo e dos privilégios de classe da burguesia. Um governo de colaboração de classes que desarma os operários para as lutas necessárias e delega para um futuro longínquo e inalcançável uma mudança real na sociedade e a construção do socialismo.
Por isso é de primeira importância que para avançar na luta de nossa classe contra a classe dominante, o PT se separe dos partidos da classe inimiga rompendo a coalizão com os partidos capitalistas e entre na via da ruptura com o imperialismo. Só assim se pode iniciar de fato a Reforma Agrária, estatizar o Sistema Financeiro, reestatizar as empresas e serviços públicos privatizados, elevar os salários e garantir Previdência Pública e Solidária, Educação pública e Saúde, gratuitas e de qualidade. Este é o caminho para construir um governo socialista dos trabalhadores.
20/12/2010
Nota de última hora
Dois dias após a conclusão deste texto, o jornal Valor Econômico publicava a matéria abaixo. As declarações do Comitê de Basiléia são uma confirmação total das análises feitas neste texto sobre a apresentação da construção de um falso paraíso no Brasil. E uma bofetada nos falsos economistas, e dirigentes de esquerda, transformados em propagandistas do crescimento baseado em bolhas de todos os tipos. Leia a íntegra da matéria:
“Um alerta sobre bolha no crédito
O crédito bancário cresce acima da média histórica no Brasil e isso exige que os bancos brasileiros tenham um colchão de capital maior para enfrentar incertezas e cobrir eventuais perdas quando a economia desacelerar. É o que recomenda o Comitê de Basileia em documento sobre regras prudenciais para evitar nova crise bancária mundial. O Comitê examinou o crédito nas 26 principais economias do mundo e concluiu que o Brasil é um dos países com maior aquecimento no mercado de crédito, junto com Coreia do Sul e Cingapura.
Se a recomendação do Comitê for obedecida ao pé da letra, o Brasil terá de impor uma exigência extra de capital aos bancos equivalente a 2,5% dos ativos ponderados pelo risco. Hoje, o padrão internacional é de 8% e, no Brasil, de 11%, valores que estão sendo revistos.
O documento adiciona mais um ingrediente ao debate sobre o eventual superaquecimento do mercado de crédito no Brasil, que poderia levar à criação de bolhas. Nos últimos cinco anos, o crédito bancário ao setor privado saltou de 26,6% do PIB para 45,3%.
Segundo o Comitê, cabe a cada país fazer um exame de sua realidade para determinar o volume de capital para lidar com riscos cíclicos, mas usando os cálculos do Comitê como ponto de partida. O Banco Central do Brasil entende que a metodologia do Comitê não é suficiente para analisar um mercado de crédito que passa por transformação estrutural, como o brasileiro.
O Comitê de Basileia é um organismo que cria regras para manter a solidez do sistema bancário mundial. Era um clube restrito aos países ricos até que a crise bancária levou à admissão de novos sócios, incluindo o Brasil. Nos últimos anos, a instituição discute novas regras para fortalecer o sistema bancário, conhecidas como Acordo de Basileia 3. Os acordos anteriores, Basileia 1 e Basileia 2, não foram suficientes para evitar que os bancos assumissem riscos excessivos que levaram à crise. Em geral, os bancos expandem muito o crédito quando as economias crescem e acabam negligenciando os riscos da desaceleração.
Na quinta-feira, o Comitê divulgou documento que aponta quanto o crédito em cada país está aquecido, para então determinar o capital extra que os países deverão manter para enfrentar o risco de recessão. No caso brasileiro, em 2009 o volume de crédito estava cerca de 14% do PIB acima do que era de se esperar se os empréstimos seguissem sua tendência histórica” (Alex Ribeiro, de Washington, Valor Econômico, 22/12/2010).
Tentando minimizar a declaração e suas consequências o BC emite uma nota que diz que “O Banco Central do Brasil reconhece que o crédito bancário vem crescendo fortemente, como apontado pelo Comitê de Basileia, mas pondera que o Brasil passa por uma transformação estrutural nos últimos anos que faz com que o baixo volume de empréstimos se aproxime mais dos padrões internacionais”.
Essa nota não só não consegue negar os fatos, mas reconhece e confirma de forma enfática outra afirmação deste texto. A saber, que o governo Lula conduziu e conduz uma mudança de pele da economia brasileira, ou como diz a nota do BC, “uma transformação estrutural”. Só que a afirmação do BC continua na linha da propaganda enganosa que tenta mostrar a adaptação do Brasil às novas condições da economia imperialista como uma mudança “estrutural” a favor do povo brasileiro.
O que tudo isso diz realmente é que atrás da bateria e da nuvem de fumaça da escola de samba do governo e seus apoiadores vem o Kraken, este monstro de cem braços e fúria destruidora que habita as cavernas submersas nas profundezas do oceano capitalista e emerge para destruir tudo à sua volta.
Fim da 4ª Parte
* Serge Goulart é membro do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores e dirigente da corrente Esquerda Marxista.
Sumário
1ª Parte clique aqui
- Perspectivas e tarefas
- A guerra que importa ao imperialismo: a guerra comercial sem quartel
- A China e os Estados Unidos
- O berço do capitalismo se arruinando
- A situação de organização da classe trabalhadora
- A cenoura, o porrete e a criminalização
2ª Parte clique aqui
- Como se forja um falso paraíso
- A realidade que tira o sono de capitalistas e reformistas
- Brasil, país dominado pelo imperialismo
- O desenvolvimento desigual e combinado do Brasil e as diferentes formas em que se apresenta a dominação imperialista
- Mudança de pele na economia brasileira, adequação às novas necessidades do capital internacional
3ª Parte clique aqui
- A crise internacional continua e ameaça o Brasil
- A situação da burguesia e a crise dos partidos burgueses
- A política de colaboração de classes e suas consequências no movimento operário
- O que é o governo Dilma/Temer e quais são as perspectivas
- A orientação fundamental do governo Dilma/Temer
- “Nova equipe econômica defende austeridade”
4ª Parte
- O movimento operário tem as forças intactas e vai se chocar com a política do governo apesar dos dirigentes
- Perspectivas
- Ruptura com os partidos burgueses e o imperialismo. Governo Socialista dos Trabalhadores