Foto: Sarah Teófilo

O impasse burguês e a confusão na classe dominante

Editorial da 9ª Edição do jornal Tempo de RevoluçãoFaça sua assinatura e receba no seu e-mail!

Em todos os veículos de comunicação burgueses fala-se sobre ameaças golpistas, desrespeito à institucionalidade e conjectura-se sobre os planos obscuros do presidente da República. William Bonner utiliza o Jornal Nacional como uma tribuna política para acusar Bolsonaro de crimes. O presidente da CUT, Sérgio Nobre, faz uma live por ocasião dos 38 anos da central e convoca à defesa da democracia. A plenária estadual da CUT-SP aprova resolução para defender eleições democráticas em 2022. Estabeleceu-se de fato uma frente única em torno da defesa da democracia neste país, unindo desde militantes do MBL aos sindicalistas cutistas.

Como consequência política dessa curiosa articulação, temos um cenário em que 13 partidos se uniram à “Campanha Fora Bolsonaro” na convocação dos atos marcados para 2 de outubro, contemplando pelo menos 152 parlamentares federais. Os trabalhadores precisam se questionar a quem serve um tal arco de alianças com partidos burgueses. Esta “frente ampla” é a tentativa de avançar em uma frente eleitoral para a candidatura Lula 2022 e de conduzir as massas a repetirem a experiência com as urnas, a procurarem soluções para seus problemas por dentro das instituições. A crise política que atravessa o Brasil, entretanto, consiste justamente na agonia desta democracia em particular, uma democracia dos ricos e para os ricos, no esgotamento de sua credibilidade e na busca das massas por outra forma de fazer política.

O fenômeno Bolsonaro expressa esse processo, a decadência senil deste regime político, a incapacidade da República de 1988 em manter a luta social dentro dos limites estabelecidos pelo Estado brasileiro, expressos por sua Constituição e suas instituições. Foi principalmente por sua retórica antissistema que Bolsonaro conseguiu eleger-se para a presidência da República. Dessa forma, ele conectou-se com o profundo descontentamento popular em amadurecimento desde as Jornadas de Junho de 2013. Enquanto todos os partidos e candidatos uniam-se para se apresentar como bons gestores do sistema, de uma falsa democracia, Bolsonaro explorou demagogicamente a ideia contrária, opondo-se ao bloco pró-sistema. Que suas demais ideias encontraram eco se pode compreender por se basearem nos preconceitos mais profundos e degenerados da ideologia dominante, expressos na forma do senso comum.

Seu governo, entretanto, tem sido um governo para essencialmente aplicar as reformas, as privatizações e a gestão da coisa pública segundo os interesses de diversos setores da burguesia, expressos pelo Ministro da Economia Paulo Guedes. Um governo para governar para o capital, como Bolsonaro deixou claro em seu discurso na Assembleia Geral da ONU. Sua condução delinquente da pandemia de Covid-19 teve, por trás de todo discurso negacionista, um caráter fundamentalmente de classe ao garantir a circulação da força de trabalho e o funcionamento da economia, ainda que ao custo de 600 mil vidas humanas.

Acontece que, embora a consciência dos trabalhadores tenha a tendência geral a andar atrás dos acontecimentos, no final é a vida concreta que se impõe e determina a consciência. Esse é o elemento por trás dos péssimos níveis de aprovação governamental. Vão compor essas estatísticas as condições concretas de vida das massas, a inflação na casa dos dois dígitos, os acordos salariais sendo fechados abaixo no índice inflacionário, o arrocho crescente das massas, o retorno da fome, o número gigante de trabalhadores informais, o nível recorde de desemprego e as milhões de famílias impactadas pela perda desnecessária para a Covid-19 de seus filhos, pais, parentes e amigos. Tudo condicionado pela dificuldade da economia mundial, e dos EUA em especial, para retomar a acumulação de capital aos índices pré-pandemia e evitarem a próxima crise.

Incapaz de responder aos problemas reais dos explorados, Bolsonaro lança mão de mais demagogia antissistema. Acuado pelas facções dominantes da burguesia, ele ataca e denuncia o STF e seus ministros. Coloca, assim, dinamite no Poder Judiciário, a instituição que tem concentrado o caráter de mediador da República e de garantidor final dos interesses dominantes da burguesia. Por meio dessa dinâmica conflituosa e inusitada, vemos uma simbiose social, em que a crise política alimenta a crise econômica, convertendo-se esta última, por sua vez, em mais instabilidade política.

Nos atos bolsonaristas de 7 de setembro, Bolsonaro avançou sua orientação aventureira. Percebendo um cenário perdido para uma reeleição em 2022, o presidente e seus aliados buscaram coesionar uma base de apoio para os próximos embates. Após o naufrágio do plano de formar um partido próprio, a Aliança pelo Brasil, seus alvos agora são principalmente os policiais militares, a caserna das Forças Armadas e outras forças de repressão do Estado. Isso pode ser constatado pela articulação ativa de comandantes convocando os soldados para os atos, pelas medidas governamentais que beneficiam justamente esse segmento e pelo apoio a uma repressão social mais agressiva e com mais liberdade para os agentes repressivos.

Bolsonaro, entretanto, não dispõe hoje dessas tropas de ação que almeja articular. Ele e seu núcleo sabem disso. Por isso que, diante da resposta dura da burguesia contra os atos e declarações de Bolsonaro no 7 de Setembro, os bolsonaristas propõem uma trégua com as demais facções burguesas, expressa pela carta elaborada por Michel Temer. O que segue por parte da burguesia é uma tática do desgaste de Bolsonaro para tirá-lo nas eleições ou antes, ao invés de ir para o confronto direto, o que levaria à derrubada do governo. A burguesia sabe que um cenário como esse poderia trazer maiores instabilidades políticas.

Hoje a orientação proposta por Bolsonaro, de autoritarismo, ditadura bonapartista e uso da repressão aberta e total contra as massas, além de não ter uma base social capaz de sustentá-la, não é a linha que a maioria da burguesia brasileira e internacional entende ser a adequada para conduzir seus negócios e interesses de dominação. Por isso, a imprensa brasileira e internacional critica as intenções, as declarações e as articulações do presidente da República. Isso não quer dizer, porém, que diante do prolongamento e aprofundamento das crises política e econômica essa orientação não possa mudar. Se Bolsonaro se apresenta como uma força viável diante do caos geral, a burguesia pode mais uma vez jogar no lixo sua fraseologia democrática e abraçar novamente formas de governo autoritárias.

Estamos assistindo assim à agonia do regime político pactuado em 1988. Trata-se em outras palavras de uma crise de dominação das classes dominantes, que elas buscam solucionar desta ou daquela maneira. Vemos diante de nossos olhos o desenvolvimento do impasse burguês e a confusão resultante da classe dominante. Essa é uma das condições fundamentais para a vitória de uma revolução proletária, como assinalado por Leon Trotsky no “Manifesto de Alarme”. Falta, porém, a coincidência das demais condições estabelecidas pela experiência histórica e esclarecidas pela teoria de que falava o revolucionário russo.

Outra das condições chaves para uma revolução vitoriosa é a questão da direção do proletariado. Como destacamos na página 6 desta edição do Tempo de Revolução, a atual orientação da CUT e dos sindicatos cutistas prolonga a agonia deste regime político. Desperdiçam o momento de confusão no andar de cima, ao buscarem gerenciar um mundo capitalista que não tem saída e reduzirem toda luta a uma campanha eleitoral antecipada. A situação se prolongando até as eleições, interviremos nelas orientando-nos pela independência de classe e pelos interesses gerais dos trabalhadores.

Neste momento, porém, toda a situação política se concentra na necessidade de pôr abaixo este governo e auto-organizar os trabalhadores. Essa é a única forma de apontar no momento uma solução radical para os problemas das massas, uma solução radical porque vai à raiz da conjuntura. O caráter convulsivo da atual democracia – essa democracia burguesa que querem salvar Lula, o PT, o PSOL e toda esquerda oportunista – reside no fato dos trabalhadores precisarem, no movimento para derrubar este governo, reconstruir um partido para chamar de seu. E neste processo estabelecer uma liderança firme e com um programa claro sobre as medidas para solucionar seus problemas.

Essa é a melhor contribuição que pode ser dada pela vanguarda militante de nossa classe para abreviar o sofrimento popular e abrir caminho para superação do mundo capitalista e sua barbárie. Esse é o sentido da construção da Esquerda Marxista e dos Comitês de Ação Abaixo Bolsonaro Já. É fundamental construir um partido revolucionário que possa servir aos trabalhadores como instrumento para eles próprios tomarem o poder e estabelecerem a sua própria democracia, uma democracia dos trabalhadores e para os trabalhadores. Armados com tal partido e com tal liderança, as massas, imbuídas do sentimento antissistema, encontrarão quem o expresse em fatos e não apenas em palavras.