A Nova República — iniciada com o fim da ditadura militar, em um grande acordo entre setores da burguesia — chega ao fim com a eleição de Bolsonaro. O pleito de 2018 representou o esgotamento de um sistema político que frustrou as expectativas de uma vida melhor para a classe trabalhadora. Um dos fenômenos que caracterizou esta fase terminal da Nova República foi o protagonismo do Poder Judiciário, principalmente pela atuação da Operação Lava Jato e pelo destaque dado ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Contudo, o punitivismo demagógico da Lava Jato acabou por ser ofuscado pelas denúncias do site The Intercept, pelo ingresso de Sérgio Moro no governo Bolsonaro e pela sua posterior demissão. Já o STF foi ora aplaudido, ora atacado pelos grupos fanáticos que apoiam Bolsonaro. Mas, de uma forma ou de outra, o judiciário passou a gozar de uma audiência inédita na história do país.
A operação Lava Jato demonstrou que os agentes do Estado burguês ignoram suas próprias regras se assim for conveniente. Entre os vários escândalos, o mais recente foi a descoberta de uma conexão entre os procuradores da Lava Jato e o FBI (a polícia federal estadunidense) de forma paralegal. Assim o FBI teria acessado informações inerentes àquela investigação, em total desrespeito à soberania nacional.
Os últimos capítulos da novela judicial brasileira vêm expondo ainda mais as relações da família Bolsonaro com o submundo do crime, especialmente com as milícias do Rio de Janeiro. A prisão de Fabrício Queiroz (ex-assessor de Flávio Bolsonaro) na residência do advogado de confiança dos “Bolsonaros” escancara a podridão da casta que comanda o país.
E assim várias questões políticas chegam ao judiciário, tais como a possibilidade ou não de declarar foro privilegiado para Flávio Bolsonaro, a possível delação de Queiroz, além dos processos que tramitam no STF e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a respeito das fake news, que poderiam, em tese, levar à cassação da chapa Bolsonaro-Mourão.
Os marxistas precisam explicar para o conjunto da classe trabalhadora que é impossível criar ilusões dentro do sistema. Como afirmado no editorial do Foice & Martelo Especial nº 09: “O STF pretende ser ‘o governo dos sábios’, mas só pode ser o governo dos ‘não-eleitos’”. É totalmente fora de propósito criar ilusões no poder judiciário.
Este poder é parte do Estado, e o Estado nada mais é do que a forma política do capitalismo; ou, como disseram Marx e Engels no Manifesto Comunista: “O governo moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa”. E assim agem os juízes. Mesmo que com uma ou outra decisão tragam algum benefício aos trabalhadores, ou atuem com rigor contra um ou outro membro da burguesia — como vimos em alguns momentos da operação Lava Jato —, na essência os juízes sempre vão operar para manter as atuais relações de poder.
Exemplo gritante do que é o poder judiciário a serviço da burguesia está na recente decisão do STF que julgou constitucional a Lei 13.429/2017, que permite a terceirização da mão de obra praticamente de forma irrestrita. A Lei da Terceirização, junto à Reforma Trabalhista (Lei 13.467, de 2017), representam os maiores retrocessos em matéria de direitos trabalhistas da história do país. O relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade, ministro Gilmar Mendes, escancarou o caráter de classe do poder judiciário em seu voto, que buscou sustentar com argumentos fora do campo jurídico. Diz o Ministro:
“Inicialmente, é preciso destacar que o tema em questão encerra múltiplas facetas, fazendo com que o problema seja, em grande medida, muito mais sociológico do que jurídico.”
E a sociologia do ministro é a sociologia do capital. Preocupado com as amarras que as normas trabalhistas impõem às empresas, defende que não podemos escapar das formas descentralizadas de organização do trabalho. Assim, normaliza as novas formas de organização que se constituem na ampliação de um modelo de superexploração:
“Para admitirmos que os ares socioeconômicos são completamente diversos daqueles em que se assentaram as bases principiológicas do Direito do Trabalho, basta observar que a maior empresa de transportes do mundo não tem um carro sequer, e a maior empresa de hospedagem do mundo também não dispõe de um único apartamento. Refiro-me aos paradigmáticos Uber e Air B&B, ambos fundados em economia colaborativa e na descentralização da atividade econômica entre diversos agentes mercadológicos.”
Citando economistas liberais, o voto do ministro mais parece a palestra de um CEO de multinacional, destes que falam de modernidade para levar as relações de trabalho aos níveis de exploração do século 19. O STF atua mais ou menos como atua boa parte da classe dominante: critica as falas e os gestos repulsivos de Bolsonaro, mas apoia a implementação das políticas liberais de Guedes, que aprofundam a exploração da classe trabalhadora e ampliam a concentração de capital.
Assim, diante da desmoralização da classe política tradicional, a burguesia tem no Poder Judiciário um dos pilares de sustentação do sistema. Do mesmo modo que chancela as reformas que retiram direitos dos trabalhadores, o STF poderá também chancelar meios repressivos contra a classe trabalhadora a partir do momento que ela se insurja contra os ataques da burguesia. Este papel do STF já era evidenciado em resolução da Esquerda Marxista publicada em maio de 2016:
“Em meio a essa profunda crise, o Poder Judiciário tomou para si prerrogativas bonapartistas, oligárquicas, utilizando-se da condição de única instituição burguesa que ainda não se desmoralizou frente às massas trabalhadoras e jovens. Não falamos da maioria da vanguarda que sabe bem quem é o inimigo. Essa mudança dentro da República foi gradual e vem de longa data, sendo acelerada pela situação econômica e suas consequências políticas. A criminalização crescente dos movimentos sociais faz parte deste sinistro desenvolvimento.”
Por isso a luta pelo “Fora Bolsonaro” deve passar longe da defesa das instituições. As instituições burguesas estão aí para gerenciar os negócios dos capitalistas e chancelar o regime de exploração.