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O Judiciário e o candidato a Bonaparte

Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. (Karl Marx, 18 de Brumário de Luiz Bonaparte)

Nesses últimos dias a Justiça Eleitoral foi tomada por uma fúria contra universidades e escolas e resolveu barrar, por mandado escrito e, em alguns casos, por “mandados verbais” a realização de aulas, debates, cursos e outras atividades que tivessem como tema o fascismo. Faixas contra o fascismo foram retiradas pela PM e, no Rio de Janeiro, inclusive uma faixa pedindo Justiça para Marielle (vereadora do PSOL assassinada no início do ano) foi apreendida por ser “propaganda eleitoral”.

A fúria, os raios e trovões desencadeados pela justiça eleitoral tem um fundamento legal, exposto em um despacho (Fonte: O Globo):

“O juiz Horácio Ferreira de Melo Júnior usou como base para autorizar as buscas o artigo 37 da Lei das Eleições que veda a propaganda nos bens que pertençam ao poder público, como os equipamentos da universidade: “Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do poder público, ou que a ele pertençam, e nos bens de uso comum, inclusive postes de iluminação pública, sinalização de tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus e outros equipamentos urbanos, é vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta e exposição de placas, estandartes, faixas, cavaletes, bonecos e assemelhados.”

Assim, a própria Lei eleitoral impede qualquer tipo de propaganda utilizando bens, cessões ou permissões do poder público. Apesar de “parecer” que os autores da lei quisessem impedir a pichação de ruas e postes, assim como a fixação de cartazes (o que já impede uma boa parte da democracia, expor seus candidatos a todos), o texto concreto da lei pode inclusive impedir que uma discussão política se conduza em uma rua (construída pelo poder público e a ela pertencente). Pode inclusive, aplicado de forma mais ampla, impedir a realização de qualquer comício eleitoral que não seja em local fechado privado (e, mesmo assim, se não forem fruto de concessões).

Como chegamos a isso?

Antes de revisar rapidamente alguns aspectos históricos, lembremos que o deputado filho de Bolsonaro, Eduardo (deputado federal mais votado por São Paulo), notabilizou-se nas redes sociais ao explicar que um soldado e um cabo poderiam fechar o STF. Apesar dos manifestos indignados da “sociedade democrática”, dos jornais, dos ministros do STF, a verdade nua e crua é que o STF tenta “intimar” o deputado a prestar depoimentos por ter ameaçado uma jornalista no dia 2 de outubro (antes do primeiro turno das eleições – Estado de São Paulo, 26 de outubro, pag. 4, coluna do Estadão). E, surpresa, um deputado que está na crista da onda, que foi o mais votado, que registra presença na Câmara dos Deputados, não consegue ser “encontrado” pela Justiça.

Em outras palavras, a Justiça funciona – e bem – do lado de lá da corda, contra os operários, os trabalhadores, os professores e estudantes. Para estes, como explica um candidato do Rio que se apresenta como “Juiz” por já ter ocupado essa função (e se saiu não é mais juiz), se propõe fuzilamento sumário de quem porte fuzil. Em outras palavras, o Juiz propõe que se aplique no Rio de Janeiro a pena de morte, com suporte legal.

Mera retórica? No Rio já foi fuzilado um garçom porque confundiram um guarda-chuva com um fuzil, um mecânico em uma moto porque confundiram uma peça de carro que ele carregava com um fuzil, um morador que usava uma furadeira no telhado de sua casa (em um bairro operário, é claro)… Sim, os responsáveis não estão presos, afinal, a Justiça tem lado, são denunciados, respondem a processo etc. Agora, com o “Juiz” (de nome, não de fato) como governador, a ordem será matar todos esses e averiguar depois.

Pura digressão? Pois as aparências enganam, é verdade, mas as vezes se precisa ligar fatos isolados para ver a realidade. A aparência é que o Judiciário se torna cada vez mais poderoso e anti-democrático. A realidade é que os juízes parecem estar mortos de medo de Bolsonaro e resolvem, antes dele, aplicar aquilo que um governo bonapartista com tintas militares aplica – a repressão pura e simples.

E para aqueles que lembram que em ditadura não se deve temer somente os atos organizados do Estado, mas o guarda da esquina que se sente autorizado a fazer qualquer coisa, lembramos a reportagem da Folha de São Paulo:

“No Pará, PMs entraram armados na tarde de quarta (24) em um campus da UEPA (Universidade do Estado do Pará) para averiguar o teor ideológico de uma aula e ameaçaram de prisão um professor. A polícia foi chamada por uma das alunas, que é filha de um policial, após o docente ter feito uma menção à produção de fake news.

O professor Mário Brasil Xavier, coordenador do Curso de Ciências Sociais da UEPA, conta que realizava um curso e, em tom de brincadeira com outra aluna, sugeriu que a divulgação dos slides da aula não gerasse fake news. Uma das alunas se sentiu ofendida e chamou o pai policial.”

Na verdade, o que precisamos explicar é que não estamos frente a uma “ameaça fascista”, apesar da existência de alguns grupos fascistoides mais “animados” com as falas de Bolsonaro. O que temos pela frente, e esse episódio de ações da PM (autorizadas ou não pela Justiça Eleitoral) mostra que é do Estado burguês, com sua justiça e sua polícia que virão as ameaças imediatas. A unidade em todas as universidades, dos trabalhadores, dos ativistas, dos estudantes, discutindo em todas as salas de aula sobre a verdadeira situação, sobre o que é fascismo e explicando que estamos frente à ameaça de um bonapartismo, de um “governo forte” apoiado no aparelho de repressão militar e policial é que permitirá criar as condições para a resistência. Nenhum passo atrás, vamos discutir, debater e nos manifestar!