Imagem: Anthony Quintano, Wikimedia Commons

O Metaverso não salvará o capitalismo

Em meio a críticas generalizadas da opinião pública, o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, renomeou sua empresa como “Meta”. O suposto objetivo dessa mudança seria melhor alinhar e representar os objetivos do então chamado projeto “Metaverso”.

O conceito de Metaverso não é novo. O termo foi formulado em 1992 pelo escritor de ficção científica Neal Stephenson. Muitas empresas de tecnologia vêm trabalhando com esse conceito por anos, criando plataformas no mundo virtual como Second Life e video games populares como Fortnite e GTA Online. Esses metaversos, ou mundos virtuais, têm seus próprios espaços virtuais e mesmo economias virtuais em pequena escala.

O real motivo para a mudança no direcionamento de Zuckerberg não é difícil de enxergar. O novo nome evoca uma imagem futurista, e mesmo visionária, para o problemático gigante tecnológico. Mais importante, coloca a empresa de Zuckerberg nos noticiários por algo além do que mineração de dados.

No entanto, o próprio projeto de Metaverso não deve ser completamente descartado meramente devido às cínicas manobras dos capitalistas da tecnologia. Em seu anúncio, Zuckerberg declarou entusiasticamente sua intenção de construir um universo virtual em uma escala muito maior do que qualquer um dos seus predecessores. Com seu principal produto ficando cada vez mais obsoleto, ele e seus acionistas estão desesperados para encontrar a próxima grande novidade. Além disso, enquanto talvez tudo isso possa aparentar ser apenas outro produto para se vender, alguns setores mais fantasiosos da burguesia veem a realidade virtual como uma escapatória potencial – não apenas do tédio – mas das contradições do próprio capitalismo.

Quando despido de sua retórica, o Metaverso essencialmente se resume a uma plataforma virtual de mídia social. Um espaço virtual em que a esperança tecnologicamente intoxicada pode sustentar uma economia virtual. A palestra de Zuckerberg apresentou reuniões de trabalho virtuais, shows, jogos virtuais com os amigos, e, ainda mais importante, uma grande gama de produtos virtuais para vender, de roupas a até mobílias.

O Metaverso poderia permitir hipoteticamente que os usuários peguem objetos físicos do mundo real e os digitalizem no mundo virtual. Você não pode comprar uma casa no mundo real? Não se preocupe; você pode pagar por um apartamento na cobertura no Metaverso, se você se apressar!

Por outro lado, o Metaverso também poderia permitir que os usuários peguem objetos virtuais e os tragam ao mundo real. Ou ao menos projetá-los no mundo real à la Pokémon Go ou alguns filtros de smartphones. As implicações comerciais potenciais do Metaverso são óbvias. Anunciantes seriam capazes de formular anúncios para o dia a dia dos consumidores de formas antes impossíveis.

Porém, a Meta também pode lucrar de sua nova plataforma de maneiras mais criativas. Bens físicos podem facilmente ser compensados com recompensas virtuais. Uma vez que uma plataforma como o Metaverso estiver difundida, produtos virtuais podem constituir uma “economia” própria.

Commodities digitais são extremamente atrativas da perspectiva capitalista. Embora os trabalhadores continuem precisando projetar e desenvolver os produtos em questão, uma commodity virtual pode ser copiada mais ou menos até o infinito, sem um acréscimo proporcional do trabalho humano.

É claro, o mundo virtual não existe como um reino puramente abstrato. Como o resto da internet, a infraestrutura que o Metaverso necessita para sustentá-lo tem uma qualidade física impossível de se escapar. Mesmo assim, os bens virtuais se comportam como qualquer outro software. Uma vez projetados e desenvolvidos, cada interação subsequente do produto pode levar potencialmente a uma proporção de mais valia ainda maior para os capitalistas.

Mesmo se nós formos assumir que projetar e desenvolver um bloco para a construção de prédios comerciais exija uma quantidade igual de trabalho tanto no mundo físico quanto no Metaverso, no segundo esse prédio comercial é facilmente e repetidamente reproduzido. Contudo, o Metaverso não pode escapar do mundo real. Continuam sendo os trabalhadores que produzirão e os capitalistas que irão se apropriar da mais valia como lucro.

Interesses ainda mais amplos da classe dominante também estão sendo expressos no Metaverso. Alguns executivos do Vale do Silício veem a realidade virtual como uma maneira mágica de escapar das contradições do capitalismo.

John Carmack, ex-executivo de uma subsidiária de Realidade Virtual da Meta, deixou claro que ele vê essa tecnologia como uma maneira de suavizar a insatisfação popular contra a desigualdade social. De acordo com Carmack, “A promessa da Realidade Virtual é fazer o mundo que você queira. Não é possível, na Terra, dar a todos tudo que eles querem… As pessoas reagem negativamente a qualquer conversa sobre economia, mas isso é sobre alocação de recursos. Você tem que tomar decisões sobre aonde as coisas irão. Economicamente, você pode entregar muito mais valor para muitas pessoas no sentido virtual”.

Em outras palavras, a classe capitalista não tem intenções de entregar nem mesmo uma fração da sua riqueza material. A classe trabalhadora precisa aprender a se satisfazer com substitutos digitais para os luxos que estão permanentemente fora de seu alcance no mundo físico. Quando perguntada sobre o que fazer quando as massas não têm pão, a classe dominante responderá da mesma maneira que sempre respondeu: “Pois que comam brioches (virtuais)!

Infelizmente para bilionários da tecnologia como Zuckerberg, o capitalismo não pode superar suas contradições orgânicas através de soluções tecnológicas. Todos nós vivemos em uma realidade material, em que até mesmo bens virtuais requerem uma base de trabalho físico para que possam ser entregues. Comidas virtuais não podem alimentar seus filhos, e dinheiro virtual não pode ajudar você a pagar seu aluguel.

Hoje em dia, apenas uma parcela muito pequena da população tem acesso a equipamentos de Realidade Virtual. E não importa quão elaborados e atrativos a Meta faça seus parques temáticos virtuais, eles serão inúteis a qualquer um que não tenha esse equipamento. Fazer com que tais equipamentos se tornem amplamente acessíveis exigirá uma extração intensa de minerais, fabricação de componentes complexos, montagem, entrega aos consumidores, manutenção e, é claro, substituição. Afinal, a maioria dos produtos tecnológicos tem uma vida útil deliberadamente curta.

Essa tendência à substituição constante – seja impulsionada pela obsolescência programada ou pela competição entre os fabricantes – requer uma quantidade impressionante de trabalho humano – particularmente quando se leva em consideração as cadeias de suprimentos globais cada vez mais instáveis.

A contradição fundamental do capitalismo é de que, para produzir lucro, os capitalistas precisam pagar para a classe trabalhadora como um todo menos do que o valor que eles criaram. Mesmo se a tecnologia tender a ficar cada vez mais barata, como sugere a chamada lei de Moore, muitos trabalhadores nunca serão capazes de comprar aparelhos de Realidade Virtual.

Essa contradição do capitalismo impossibilita a solução do problema fundamental que Carmack imagina poder resolver através da Realidade Virtual: a distribuição desigual de riquezas. Sob o capitalismo, o abismo entre a riqueza dos trabalhadores e a riqueza dos capitalistas se torna cada vez maior. Isso significa que os trabalhadores têm cada vez menos dinheiro para gastar nesses aparelhos, e isso sem contar todas as roupas, artes e construções digitais que Zuckerberg e companhia desejam vender para eles!

Também o tempo e o espaço devem ser levados em consideração. Para muitos trabalhadores, a jornada diária de trabalho está ficando cada vez mais longa, mesmo com os salários reais caindo, deixando os hipotéticos consumidores do Metaverso com menos tempo para aproveitar a utopia virtual da Meta. Muitos trabalhadores são forçados a viver em locais extremamente apertados, onde a Realidade Virtual não é muito viável. Poucas pessoas irão querer pagar por um palácio virtual espaçoso em que eles não podem dar dois passos sem trombar com suas paredes, móveis e colegas do mundo real. É claro, essas preocupações mundanas e materiais são pouco conhecidas pela classe dominante, que tem tempo de sobra para explorar paisagens digitais no conforto de suas mansões do mundo real.

Essa obsessão dos capitalistas por realidade virtual não é nada nova. O idealismo e a promessa de uma existência mais feliz no pós-vida foram por muito tempo o último refúgio de uma classe dominante decadente. A crença de que nós podemos coletivamente nos retirar para um mundo inteiramente artificial é apenas a última versão dessa temática utópica. Em troca de investir nesse novo esquema, Zuckerberg promete realizar aos nossos governantes sua fantasia mais absurda, porém persistente: a ideia de que eles podem sobreviver sem nós.

Contudo, os capitalistas estão presos em uma contradição insolúvel: a necessidade de pagar aos seus trabalhadores o mínimo possível enquanto tentam levar as pessoas a continuar comprando seus produtos. Não pode haver nenhuma solução tecnológica para esse problema. Apenas uma revolução social que acabe por abolir totalmente os lucros poderá nos permitir escapar verdadeiramente das misérias de nossa realidade atual.

TRADUÇÃO DE JOÃO LUCAS BRANDÃO.
PUBLICADO EM SOCIALISTREVOLUTION.ORG