O ministro é novo, o currículo é novo, mas a política é antiga

O novo ministro da Educação é Cid Gomes (PROS), ex-governador do Ceará que reprimiu greves de professores e, para não conceder reajuste à categoria, declarou que professor da rede pública deveria trabalhar por amor e não por dinheiro. Neste artigo, buscamos analisar as opiniões do novo ministro de Dilma sobre a Reforma Curricular.

Nos últimos anos, muito tem se comentado sobre a “Reforma Curricular”. Os governantes declaram querer o melhor para a educação. No entanto, as necessidades básicas de um professor não são assistidas. Por exemplo, a reivindicação de menos alunos por sala de aula (hoje, turmas chegam a ter mais de 45 alunos), ou um salário compatível com a formação que os professores possuem, o que permitiria aos educadores não precisarem trabalhar em tantas escolas, proporcionando condições para um ganho na qualidade das aulas e na própria vida desses profissionais.

Nos debates para as eleições presidenciais ficou claro que ninguém ali entendia nada de educação. E pior, nem estavam interessados em consultar quem entende do assunto, no caso, os próprios profissionais da educação.

A presidente Dilma disse que “um curriculum com 12 matérias não atrai um jovem”, “sugerindo” tirar Filosofia e Sociologia das grades curriculares. (ver a entrevista em: http://oglobo.globo.com/brasil/reforma-de-curriculo-proposta-por-dilma-gera-polemica-nas-redes-sociais-14011499).

Se a presidente não deixar clara as suas propostas (e seus objetivos), abre brechas pra muitas interpretações, vale lembrar que a Filosofia foi uma disciplina arrancada das grades curriculares durante a Ditadura Militar. No caso da ditadura, a intenção foi bem clara: reprimir qualquer tipo de posicionamento questionador, considerado como “subversivo”, e perseguir os que estimulavam uma leitura mais crítica da sociedade.

No Rio de Janeiro, nós, profissionais da educação, fizemos greves nos últimos anos. E após muitos atos, panfletagens, sol na cabeça, bombas de efeito moral, agressões físicas por parte da polícia, demissões em massa, descontos salariais e todo tipo de repressão e perseguição política, conseguimos um mero reajuste de 9 %. É necessária tanta repressão assim para uma categoria conseguir uma vida mais digna?

Dilma já nomeou seu novo Ministro da Educação, Cid Gomes (foto ao lado), aquele que era governador do Ceará (PROS) e que reprimiu duramente a última greve dos professores, além de ser acusado de afirmar, durante a greve de 2011, que professor de escola pública deve trabalhar por amor e não por dinheiro (ver em: Professor deve trabalhar por amor, não por dinheiro, diz Cid).

Essa semana, esse mesmo sujeito, está se esforçando pra cumprir os planos da presidente, inclusive afirmando que acredita ser possível fazer essa reforma nos próximos quatro anos. Segue sua afirmação, dada em entrevista:

“Se o jovem tem vocação mais para a área tecnológica, aprofundar matemática, física; se tem vocação mais para a área de humanas, pode ter sociologia, filosofia. Não forçar todos a terem tudo, como é hoje, que se obriga todos os alunos do ensino médio a terem conhecimento sobre todas as áreas. Como é uma novidade, vai de encontro à tradição de pelo menos 40 anos no país, deve ser precedido de uma grande discussão, vamos ouvir experiências de outros países, tem diversos modelos, mas acho que é possível mudar em quatro anos.” (entrevista completa em : http://oglobo.globo.com/brasil/cid-gomes-defende-curriculo-dividido-por-area-do-conhecimento-para-alunos-do-ensino-medio-14918193#ixzz3NCnw0WtL )

Algumas questões precisam ser elucidadas

Aparentemente, esta é uma solução interessante, afinal, em outros países já é assim que funciona. Mas há algumas questões que devem ser refletidas, antes de aceitarmos de cara essa decisão:

– Como será feita a “escolha” da área de atuação? Será feito um teste vocacional para definir qual área os estudantes do ensino fundamental tem mais inclinação (assim como acontece em países da Europa, por exemplo), ou esta será uma escolha do aluno, ou será uma escolha do responsável? Nada disso está claro.
Caso seja uma decisão do aluno, baseado em que ele fará essa escolha? Afinal, se já é muito complexo pra um jovem que termina o Ensino Médio saber qual área ele tem mais interesse, imagine para um adolescente (com cerca de 13-14 anos de idade), que acabou de sair do Fundamental e que terá de escolher estudar disciplinas que nunca teve acesso, como, por exemplo, Química ou Filosofia.

É bem verdade que nem tudo que aprendemos na escola utilizamos em nosso dia-a-dia, porém, o currículo foi construído assim por entender que é a melhor forma desse jovem ter um acesso mínimo a um grupo de conhecimentos, para então, ele ter oportunidade de escolher qual sua área de maior interesse.

Não podemos pegar um sistema curricular de um país europeu e implantar no Brasil, que é um país com muitas dificuldades no ensino, e achar que vai dar certo. A questão aqui não é rejeitar as mudanças, mas, pensá-las com bases concretas, e não apenas ilusões.

– Depois que o aluno escolhe sua “área de atuação”, como será construída a grade horária dos alunos? Por exemplo, hoje um aluno do primeiro ano possui 2 tempos de física e apenas 1 de filosofia, de 50 minutos cada. Os estudantes que escolherem a área de humanas deixarão de ter física para ter mais tempos de Filosofia? Isso também não está claro.

Uma possibilidade seria as escolas serem em tempo integral, assim os alunos teriam todas as disciplinas básicas e, no contra turno, cada aluno escolheria estudar as disciplinas que mais tem afinidade ou interesse. Essa seria uma boa alternativa, assim mais funcionários públicos seriam contratados, para suprir essa demanda. Mas não parece ser esse tipo de “Ensino Integral” que os governantes têm planejado para o Brasil. Ao que tudo indica, os turnos duplos serão oferecidos com atividades geridas por ONGs, como já acontece em casos como “Mais Educação”, “Mais Cultura”, “PRONATEC”, entre outros projetos que na verdade terceirizam o ensino e os deixam nas mãos de instituições privadas (para saber mais leia nosso artigo: As escolas são Públicas, mas quase tudo nessas está privatizado – disponível em : https://www.marxismo.org.br/blog/2014/12/27/escolas-sao-publicas-mas-quase-tudo-nelas-esta-privatizado )

– Como ficará a grade horária dos professores se poucos alunos escolherem suas áreas?  Hoje, um professor do Rio de Janeiro com uma matrícula de 16 horas, cumpre 12 horas em sala e 4 horas em planejamento (planejando aulas, lendo trabalhos e provas, lançando notas, preenchendo diários, etc.). Desse modo um professor de matemática, que possui 6 tempos por semana, consegue preencher sua carga horária com duas turmas. Já um professor de Filosofia possui apenas um tempo de aula por semana (No 1° e 2° anos), o que implica ele ter que dar aula pra 12 turmas para conseguir cumprir sua carga horária. Se cada turma tiver 40 alunos (algumas tem mais), quer dizer que ele dá aula pra cerca de 480 alunos. Logo, são 480 provas pra corrigir por bimestre, 480 trabalhos pra ler por bimestre, 480 notas e presenças pra anotar no diário físico e depois tudo de novo no diário online, etc. Ou seja, um tempo muito grande é gasto com atividades administrativas, que poderiam ser feitas por um secretário, e perde-se um tempo que poderia ser dedicado à preparação das aulas, aperfeiçoamento profissional e outras atividades pedagógicas.

Ou seja, esse professor que já tem um tempo muito reduzido em sala de aula, talvez tenha que cumprir seus 12 tempos em outra escola (ou outras), tendo em vista que os alunos podem não escolher fazer essa disciplina, afinal, além deles nunca terem ouvido falar de Filosofia, já existe um estigma (nada gratuito) de que essa disciplina “não serve pra nada”, “é coisa de maluco”, “não vai dar dinheiro”, etc.

O que pode provocar uma preferência por disciplinas que coincidentemente (ou não) são mais ligadas ao mercado de trabalho, em especial, à mão de obra barata.

Até agora a categoria não foi consultada. Quem deve decidir sobre esses aspectos são aqueles que se formaram para atuar na área e que estão diariamente no exercício da função e, portanto, são os mais capacitados para pensar esse novo currículo. As decisões não podem ser tomadas de cima para baixo. Jogando uma bomba na mão dos profissionais da educação.

Essa tentativa de dividir a educação em “áreas” não é nova, já faz alguns anos que o governo vem trabalhando nesse sentido. Para citar exemplos: as provas do Saerj e ENEM, a criação dos bacharéis interdisciplinares, as disciplinas do antigo “Autonomia”, e agora essa fala do novo Ministro da Educação.

Esse é um debate que deve ser feito. A questão é que deve ser apresentado com clareza, debatido e decidido coletivamente com os professores essas modificação, para que a escola não se reduza a uma máquina de criar “especialistas”.

A educação deve sempre se esforçar para que os indivíduos se tornem cada vez mais múltiplos, mais plenos do conhecimento acumulado pela humanidade. Nunca o contrário. Um aluno que só estude exatas, durante seu ensino médio, pode ser um ótimo profissional técnico, mas provavelmente vai perder as habilidades que disciplinas como Filosofia e Sociologia podem oferecer, tais como, reflexão crítica, argumentação e defesas de seus pontos de vista, pluralidade em suas perspectivas de mundo, análises radicais (que vão à raiz), entre muitas outras características que não apenas são úteis para um profissional técnico, mas para qualquer cidadão.

O caso contrário também é valido. Imaginemos um aluno que estuda apenas a área de humanas, mas que despreze a matemática, a física, a química, etc. Esse caso também não é uma boa alternativa, a não ser que o objetivo seja simplesmente criar mão de obra para o mercado de trabalho.

A própria Constituição Brasileira de 1988, em seu Artigo 205, não entende a educação como uma atuação meramente de formação profissional (ou intelectual), vejamos:

“A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. (grifo nosso).

A Constituição nos deixa claro: a educação é direito de todos, não se esgota nos espaço escolar, deve garantir um desenvolvimento pleno dos indivíduos e não apenas fragmentado, deve também nos tornar aptos com nossas obrigações enquanto cidadãos, ou seja, tem relações claras com nossa atuação política na sociedade e, ainda, afirma que serve para estarmos aptos a termos condições para garantimos nossa subsistência.

Aí, observamos que o objetivo da escola não é somente “formar mão de obra”. Essa, na verdade, nem deveria ser sua tarefa principal, ainda que o modelo escolar atual insista em nos induzir a essa conclusão. Vide as propagandas do governo.

Imagem escolhida pela prefeitura do Rio de janeiro para divulgar um de seus “projetos pedagógicos”. Publicada no Jornal O Globo, do dia 7 de Dezembro de 2014.

Qualquer comparação com a música “Another Brick in the Wall”, da banda Pink Floyd não é forçosa.

Nós, seguimos defendendo uma Educação Pública, Gratuita e para Todos. Essa educação deve se dar em todos os níveis. Os profissionais da educação devem receber um salário condizente com sua formação e que garanta condições dignas de vida.

Por isso tudo, nesse debate, os professores não podem ser excluídos. O assunto não deve ser tratado apenas como mais uma pauta burocrática, como se nossos alunos e educadores fossem apenas números que precisam ser apresentados. Com os filhos e filhas da classe trabalhadora sendo tratados como estatísticas, e não como gente, que sua muito pra construir esse país. Sugerimos assistir ao clipe de Pink Floyd, é uma ótima crítica à escola que reproduz a concepção burguesa de educação. Este é o link do clipe com legendas em português:

https://www.youtube.com/watch?v=vrC8i7qyZ2w

*Felipe Araujo é professor de Filosofia na rede pública do Rio de Janeiro e pós-graduando em Educação.