Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

O “novo” Bolsonaro

Editorial do jornal Foice&Martelo Especial nº 11, de 23 de julho de 2020. Confira outros editoriais aqui. Você também pode conhecer nosso jornal eletrônico quinzenal e assinar por este link.

Em entrevista para o jornal O Globo, o Senador Flávio Bolsonaro explicita a nova postura que o presidente adotou, coincidentemente, a partir do momento em que é diagnosticado como tendo Covid-19:

— Essa postura de distensionamento não vai ser provisória. Vai ser permanente. Eu não confio muito em pesquisas, mas essa subida na imagem do governo em levantamentos recentes é efeito do distensionamento. O presidente está consciente de que isso é importante e quer manter um diálogo aberto com todos. Menos atritos com o STF, com o Legislativo… Rusgas são muito ruins. Ninguém quer uma ruptura.

— Quando não há polêmica para a mídia repercutir, acaba que as realizações do governo se sobressaem. A agenda positiva do Brasil fica em evidência — disse.

E, fruto desta nova “postura” de Bolsonaro, a imprensa burguesa mudou seu comportamento. Depois de flertar abertamente com a derrubada de Bolsonaro, ela agora volta à sua postura anterior de pressão para um comportamento “civilizado” dentro da política brasileira e também da “comunidade internacional”. 

Em uma linguagem mais direta, o que a burguesia cobra é que Bolsonaro cumpra aquilo que o capital financeiro (os bancos e a grande burguesia imperialista) mandam. 

Assim, a imprensa elogia o comportamento do presidente ao realizar o acordo com o “centrão” — esse amontoado amorfo de partidos sem definição ideológica. De partidos na verdade só têm o nome, pois reúnem parlamentares que vivem das sobras da mesa do orçamento que caem após o banquete feito pelos “investidores” que são “remunerados” através do pagamento dos juros e serviços da dívida. 

Assim, é notícia esta semana quando o dinheiro finalmente distribuído para estados e municípios (R$ 5 bilhões, de mais de R$ 30 bilhões orçados) não foi suficientemente “carimbado” para permitir o “apadrinhamento” pelos deputados que são dos estados e municípios. Depois de um breve estranhamento, o problema é resolvido através da distribuição de mais R$ 1 bilhão, este devidamente “carimbado” e “apadrinhado”. 

Quando o número de mortos ultrapassa 80 mil e, no ritmo atual, em duas ou três semanas deveremos chegar a mais de 100 mil mortos, a preocupação do governo e dos dignos “parlamentares” é o “carimbo” das verbas e não as medidas concretas que podem frear a pandemia enquanto a vacina não vem. As previsões mais realistas são para julho de 2021, apesar do alarde nos jornais de que elas poderiam estar disponíveis até o final deste ano.

Sim, enquanto a população dos bairros proletários sofre com a falta de água até para lavar as mãos, prevenção elementar para evitar a proliferação do vírus, quando estes mesmos sofrem para garantir o arroz e o feijão de vez em quando e a “mistura” (alguma fonte de proteína animal, como carne bovina, frango ou ovos) rareia e normalmente nem uma vez por semana se consegue, os “políticos” estão preocupados com o “carimbo” de verbas para fazerem outdoors vistosos com seus nomes e sobrenomes para a eleição de prefeitos deste final de ano.

E nesse caminho também envereda o PSOL, onde o problema é ter “candidaturas competitivas” e, se for o caso, não lançar candidatos e fazer acordos com outros partidos.

A burguesia, penhorada, agradece, e o Congresso, que acabou de fazer acordo com Bolsonaro, aprova o novo Fundeb, que não passa de uma manobra contábil que não garante nada de educação – lembrando: tudo isso quando os governos estaduais querem reabrir escolas sem garantia de não transmissão do vírus. Ao mesmo tempo, as aulas “por internet” no ensino público (e na maioria das escolas privadas) são uma farsa onde se faz tudo menos ensinar, onde a maioria dos alunos não têm condições de acesso. 

Sim, dinheiro do orçamento, todos querem o seu naco. Propaganda, todos querem o seu naco. E o presidente faz a sua parte e segue impávido propagandeando a cloroquina enquanto seu terceiro exame dá positivo e as mortes se acumulam. 

O Congresso, este continua a trabalhar, deixa para trás a fase de “lutar contra a pandemia”. Agora o novo cavalo de batalha é a reforma tributária. 

Vendida como a grande solução para o país, a “unificação” de tributos carrega na verdade um “roubo” orçamentário sobre a previdência e o salário desemprego. Apesar das manobras parlamentares e da propaganda tanto do governo quanto dos deputados, todos declaram ser a favor da “desoneração” da folha de pagamentos1 e o fim de contribuições como o PIS/PASEP e o FINSOCIAL, que têm destinação “carimbada”, no bom sentido, para a Previdência e Assistência Social. 

De quebra, Paulo Guedes propõe a redução da tributação do Cofins de 15% (25% em tempos de emergência, como agora) dos bancos para 5,38% (ganha um doce quem souber o motivo dos 0,38% nesta conta) e o aumento da alíquota do imposto sobre serviços de dois ou três por cento, dependendo do setor, para 12%. Realmente, a pequena burguesia e o proletariado vão pagar a conta da reforma! E os bancos ganham. 

Tudo isso segue em diante, com sorrisos, atos, todos sem máscara como seu mestre (o presidente Bolsonaro) mandou durante a entrega da proposta do governo. Sim, a burguesia está adorando o “novo” Bolsonaro que, conforme explicou o senador Flávio, não entra em “conflitos” e permite mostrar a agenda positiva. 

Aos revolucionários, à juventude a quem tudo isso só causa asco, segue a necessidade do combate para pôr para fora Bolsonaro e toda a sua trupe, de construir um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais. Esse é o combate da Esquerda Marxista e dos comitês pelo Fora Bolsonaro que impulsionamos em todo o país. 

Nota:

1 Na verdade, os tributos sobre a folha de pagamentos constituem um salário indireto. O fim destes tributos significa, na prática um rebaixamento salarial.