O novo ministro da Saúde, Nelson Teich / Foto: Marcelo Casal Jr., Agência Brasil

O novo ministro da Saúde Nelson “mata velhinhos” Teich

A vida, já disseram, imita a arte. E a semelhança notória de Nelson “mata velhinhos” Teich com o Canceroso, o vilão da série Arquivo X (“a verdade está lá fora”) é incrível. O vilão, tinha uma canaleta na traqueia por causa do câncer e fumava um cigarro atrás do outro. Teich é médico especializado em câncer. Semelhança e contraste, o vilão não se importava em matar milhares desde que os segredos do complexo industrial-militar dos EUA fossem preservados, Teich declara que segue a orientação de Bolsonaro e que economia e saúde têm que andar juntas.

Nelson Teich (E) e o Canceroso, personagem de Arquivo X

O ministro é sincero. Declarou que já foi médico e que agora é um administrador e consultor na área de saúde. Já foi dono de uma empresa de saúde que vendeu a um dos grandes grupos empresariais e agora dirige uma empresa de consultoria. Mas, além das semelhanças artísticas, impressiona a forma como o “mata velhinhos” explica abertamente a sua política, ao contrário do Canceroso,  que fazia de tudo para escondê-la:

“E, se tem uma outra coisa que é fundamental, é que, como você tem dinheiro limitado, você vai ter que fazer escolhas. Então, você vai ter que definir onde você vai investir. Então, sei lá, eu tenho uma pessoa que é uma pessoa mais idosa, que tem uma doença crônica, avançada, e ela teve uma complicação. Para ela melhorar, eu vou gastar praticamente o mesmo dinheiro que eu vou gastar para investir num adolescente, que ‘tá com um problema. O mesmo dinheiro que eu vou investir lá é igual. Só que essa pessoa é um adolescente que vai ter a vida inteira pela frente, e o outro é uma pessoa idosa, que pode estar no final da vida. Qual vai ser a escolha? Então, são duas coisas importantíssimas na Saúde hoje é (sic): o dinheiro é limitado e você tem de trabalhar com essa realidade. A segunda coisa: escolhas são inevitáveis. Quais vão ser as escolhas que você vai fazer, né?”

Em que contexto se deu a nomeação de tão tétrica figura?

Na última quinta-feira (16/4), Luiz Henrique Mandetta, até então ministro da Saúde, foi exonerado por Bolsonaro, após semanas de ameaças explícitas por parte do presidente, e de respostas pouco simpáticas de Mandetta. O avanço da pandemia provocada pelo coronavírus levou Bolsonaro e o agora ex-ministro a exporem suas divergências, principalmente em relação às medidas mais imediatas para evitar a proliferação da Covid-19. Essas divergências foram expostas não apenas pela imprensa, mas nas próprias redes sociais dos dois envolvidos.

Esse embate entre presidente e ministro sempre foi apresentado pela imprensa ou mesmo pela esquerda reformista como uma disputa entre campos antagônicos. Nessa narrativa, se de um lado estaria Bolsonaro, preocupado apenas com a economia, do outro, estaria Mandetta, um bondoso médico disposto a salvar vidas. Contudo, essa disputa superficial não foi suficiente para esconder que, ao final, ambos tinham um objetivo em comum, que passava por defender os interesses da burguesia. Mandetta foi escolhido pelos seus vínculos com os planos de saúde privados e dedicava-se a terminar a obra de destruição do setor público de saúde. Pego pela crise da Covid-19, ele, à princípio, não teve diferença nenhuma com seu chefe, não providenciou material, não tratou de ver se necessitaria de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), de respiradores. O conserto de respiradores, aliás, começou a ser feito nesta semana!

Mas, como bom político “de ocasião”, soube surfar na onda e, tal qual Boris Johnson, que elogiou o serviço público de saúde que pretendia desmontar, que elogiou o enfermeiro português depois de ter construído a sua carreira política desancando os imigrantes, Mandetta sai do Ministério dando viva ao setor público de saúde que ele contribuía para desmontar.

Inspirado pelo negacionismo de Trump e pelas teorias conspiratórias de Olavo de Carvalho, Bolsonaro proclamava que o funcionamento do país deveria seguir normalmente e que as ações do governo deveriam estar voltadas somente para os grupos de risco. Dessa forma, ele deixou explícita sua preocupação com os lucros dos empresários, principalmente daqueles cujos ramos de negócio não foram considerados essenciais.

Mandetta, por sua vez, colocava em evidência uma retórica sobre importância da vida das pessoas, mas não por uma preocupação de bom moço, que tentava aparentar, ou pela defesa dos direitos humanos. O ex-ministro tem clareza que a burguesia depende de força de trabalho saudável e viva para dar continuidade à produção e garantir seus lucros. Um reduzido exército de pessoas com problemas respiratórios e outras sequelas provocadas pela Covid-19 dificultaria a retomada da economia após o controle da pandemia.  E, principalmente, a revolta que explodiria (e ainda pode explodir) por falta de medidas concretas do governo que permitam preservar a vida da maioria é temida por toda a burguesia.

Portanto, apesar das diferenças sobre as ações imediatas para lidar com a pandemia e suas possíveis consequências, eram muitas as convergências entre Bolsonaro e Mandetta, a começar pelo apoio de ambos ao teto de gastos estabelecido pela PEC 95, que, nos últimos três anos, retirou cerca de R$ 22,5 bilhões da saúde. Em 2016, Bolsonaro e Mandetta, então deputados federais, votaram favoravelmente à “PEC da morte” proposta por Temer. Além disso, toda a política de desmonte e sucateamento do SUS no último ano foi conduzida por Mandetta. Se hoje o SUS está ameaçado de colapso por conta da pandemia, isso se deve aos ataques que a saúde vem sofrendo ano após ano, e do qual Mandetta foi não apenas cúmplice quando deputado, mas também o principal agente quando ministro.

Mandetta não caiu por seus méritos, como sugere a imprensa burguesa e a esquerda reformista. Bolsonaro é um exemplo de bonapartismo frustrado, que subiu ao governo com o objetivo de pôr fim pela força à polarização que havia na sociedade desde pelo menos 2013, mas não foi minimamente capaz de apaziguar as tensões institucionais. A crise escancarada pela Covid-19 conseguiu piorar ainda mais a relação do Executivo com o Legislativo e o Judiciário. O governo Bolsonaro ainda não desmoronou principalmente porque se dispõe a aplicar o programa defendido pela burguesia de ataque aos trabalhadores e porque a CUT, central que teria a maior capacidade de mobilização, se nega a concretizar em luta a indignação crescente da classe trabalhadora.

Para os trabalhadores, as brigas entre os diferentes setores da burguesia farão pouca diferença, no contexto no qual as principais medidas econômicas – suspensão de trabalho, redução de horário de trabalho com redução de salário, medida provisória aprovada pelo Congresso que permite que os acordos coletivos sejam suplantados pela decisão patronal durante a crise, validada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), parca ajuda de R$ 600 mensais. Mas a troca de ministros sinaliza a velocidade do aumento dos ataques.

A miséria vai aumentar e as medidas de “isolamento social” que Mandetta defendia, sem que fossem adotadas medidas complementares (distribuição de cestas básicas para a maioria da população desempregada – o cálculo indica 70 milhões de pessoas numa população de 210 milhões, sem contar seus dependentes, obras urgentes para implantação de sistema de água tratada e esgotos nos bairros proletários etc.) valem apenas para uma parte da população, enquanto para o restante sobram a miséria e a disseminação do vírus.

Nelson “mata velhinhos” Teich vai acelerar a velocidade dos ataques, desmontando o pouco do que havia de plano de combate à Covid-19. Enquanto tudo paralisa para a “troca de equipe”, o vírus aumenta a sua propagação minuto a minuto. E a sensação de desespero grassa entre todos que começam a ver amigos e familiares atingidos pela doença.

A única saída positiva para a crise atual é a luta política. Apoiar um setor da burguesia ou outro nada ajudará a vida da maioria. A Esquerda Marxista apresentou um programa emergencial para a crise que começa com o não pagamento da dívida e a estatização dos bancos e do setor financeiro, para garantir o dinheiro necessário para a saúde. E, no caso da saúde, pela estatização completa de todo o sistema de saúde, inclusive dos planos privados, laboratórios de exame e de produção de remédios, hospitais etc. E que, para ser aplicado, exige a luta pelo fim do governo Bolsonaro, por um governo de trabalhadores, sem patrões nem generais.