O “novo normal” no México

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo Especial nº 09, de 25 de junho de 2020. CONFIRA A EDIÇÃO COMPLETA.

O México já é o segundo país da América Latina em números gerais de doentes e mortos pela Covid-19. Até o fechamento desta edição foram contabilizados 185.122 casos confirmados e 22.584 falecidos, números que têm crescido exponencialmente nas últimas semanas, sem levar em consideração as subnotificações.

No início da pandemia, o presidente Andrés Manuel López Obrador, também conhecido como AMLO, deu declarações polêmicas que minimizavam o risco da doença. Desde o final de março, diante do crescimento das mortes e contágios, aplicou tardiamente as medidas sanitárias recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em meio às pressões exercidas pelas burguesias nacional e imperialista e o crescimento de uma oposição de direita, o governo de Obrador prepara o México para uma “nova normalidade”, que prevê o relaxamento das medidas de isolamento social e a retomada da produção em setores não essenciais da economia, no pior momento da crise.

AMLO, que foi eleito em 2018 pelo Morena (Movimento de Regeneração Nacional), uma frente ampla com partidos de esquerda e centro, assumiu o governo de um país já abalado pelos efeitos da crise econômica mundial. A economia mexicana já estava em recessão antes da pandemia e diferentes bancos de investimento projetam contração de até 9% este ano, com uma recuperação apenas gradual em 2021.

A partir do início de seu mandato, Obrador tem feito um governo de um forte caráter bonapartista. Ao mesmo tempo que faz algumas concessões ao trabalhadores, governa para a classe dominante, mesmo sofrendo ataques de alguns de seus setores. No curso da crise sanitária, o governo aprovou medidas para proteção do emprego e renda que na prática não foram efetivas, resultando em muitas demissões ilegais, reduções salariais e trabalhadores obrigados a continuar suas atividades em setores não prioritários, sem qualquer ação mais radical por parte do Estado.

Diante do desastre econômico que se anuncia, a burguesia mexicana reage com locautes, fuga de capitais e pressionando pelos recursos do Estado para recuperar seus lucros, tentando chegar a um acordo com o Banco do México (que é autônomo e não está sob o controle do Executivo). Grupos de extrema-direita, ainda minoritários, surgem e fazem campanha pela derrubada do AMLO. Atacado, o governo prefere seguir sendo brando com empresários como Salinas Pliego [1], por exemplo, buscando seu apoio.

O “novo normal” no México

O governo de AMLO demorou para aplicar as medidas de isolamento social, o que contribuiu muito para a grave crise que se instalou. Além disso, as limitações do sistema de saúde precário e sua organização burocrática e corrupta, levaram a problemas como o extravio de equipamentos de proteção individual, que não chegaram aos trabalhadores nos hospitais. Falta de leitos hospitalares, comuns e de terapia intensiva, e testes necessários para se ter um panorama preciso do avanço do novo vírus tem sido uma realidade.  Agora, com as curvas de mortes e contágio em crescimento exponencial, deixando o país atrás em números apenas do Brasil na América Latina, Obrador cede às pressões da burguesia e opta pela reabertura da economia.

Um dos principais problemas desse “novo normal” para os trabalhadores é a probabilidade de que o retorno às atividades não seja tão gradual quanto o precário sistema de saúde do país exige. As fábricas, comércio e setor de serviços, na urgência de recuperar o tempo perdido, deverão superar a retomada de apenas 30% que o Ministério da Saúde do México indica para um primeiro momento.

Isso resultará em possíveis aglomerações nos locais de trabalho. Situação semelhante será observada em espaços públicos e no transporte público, aumentando a possibilidade de contágio. Nesse cenário, os primeiros afetados serão os trabalhadores mais pobres, que não podem se dar ao luxo de perder o emprego e que não têm carro para chegar ao local de trabalho. Muitos deles não serão capazes de manter uma distância saudável em seu trabalho e não terão acesso a equipamentos de proteção. Além disso, não há escolha para muitos trabalhadores que não têm meios de continuar mantendo a quarentena sem ter renda. Ou se morre de fome em casa, ou se contrai o novo vírus nas ruas.

São escassos os investimentos públicos não apenas para a produção e compra dos respiradores prometidos, mas também para estudos epidemiológicos e o desenvolvimento de testes de diagnóstico e vacinas. Nesse sentido, o governo de AMLO e as instituições do aparato do estado mexicano atuam como um freio para a utilização eficiente dos recursos e no proveito dos melhores talentos do país na luta contra essa pandemia.

O governo de Obrador, assim como os anteriores, defende o capitalismo. A crise do novo coronavírus e suas consequências são produto direto e escancaram a falência do sistema capitalista, responsável pela concentração da riqueza em poucas mãos e pelo crescimento da pobreza. Uma ação dos trabalhadores é necessária para fechar as empresas de setores não essenciais, que voltarão a funcionar nessa situação de risco. As empresas fundamentais devem ser estatizadas, colocando a indústria a serviço das necessidades dos trabalhadores e sob seu controle, visando a produção de equipamento médico necessário, remédios e vacinas, garantir o fornecimento de alimentos e uma quarentena segura à população, colocando assim os trabalhadores mexicanos no caminho da construção de uma revolução e do socialismo.

[1]  Maquilas são empresas criadas a partir de leis governamentais que buscam a simplificação no pagamento de impostos com a criação de um tributo único, e com isso a celeridade na abertura de empresas para os investidores estrangeiros.

[2] Ricardo Benjamín Salinas Pliego é um bilionário mexicano proprietário e presidente do grupo Salinas que inclui o Banco Azteca, a rede de lojas de eletrodomésticos Grupo Elektra, a TV Azteca e a empresa de telefonia móvel Iusacell.