Durante o governo Michel Temer (MDB) foi aprovada uma emenda constitucional que definiu um teto para os gastos das instituições do Estado. Resumidamente, o Estado se financia não só com impostos, mas também emitindo títulos do tesouro – os “títulos da dívida pública”. A maioria deles estão nas mãos de bancos e ricaços, que lucram com os juros. O objetivo da lei é estabelecer certos limites ao endividamento estatal. E de onde o governo “corta” para cumprir o teto? De onde é possível de acordo com o sistema capitalista, isto é, de serviços públicos, como saúde e educação.
Apesar de ter criticado o teto na campanha eleitoral, Lula (PT) e sua equipe econômica, chefiada por Haddad, dobraram-se aos grandes capitalistas e propuseram o que está sendo chamado de “teto de gastos retrátil”, o que, por sua vez, parte de um “novo arcabouço fiscal”.
Mas por que os capitalistas querem tanto um teto de gastos? Ao atrelar os gastos públicos à inflação e ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), ele protege os proprietários dos títulos da dívida pública de um calote, ou seja, de uma situação na qual a dívida cresça ao ponto de faltar dinheiro para pagá-los. Em um momento de crise econômica internacional, de crescimento da miséria, e, por isso mesmo, de um aumento dos gastos sociais sem a contrapartida de um crescimento econômico significativo à vista, o teto foi a maneira que os credores encontraram, junto aos políticos burgueses e reformistas, de se protegerem minimamente.
O problema central do teto, e que alimenta as discussões entre a classe dominante, é que durante o governo Bolsonaro a regra foi diversas vezes “furada”. Os economistas burgueses temem que o mesmo ocorra, em proporções ainda maiores, no governo Lula. Com repetidos furos a regra deixaria de formar um “teto” transformando-se em um mero pedido de explicações formais sobre gastos que ultrapassam o patamar estabelecido. Na prática, a lei constitucional se tornaria nula, afinal, tudo pode ser “explicável” quando se tem bons juristas e o centrão unificado – leia-se, comprado – em torno da explicação do governo.
É aí que entra o governo Lula-Alckmin e sua conciliação. Mantendo o teto de gastos sobre novas regras, um pouco mais flexíveis – aumento das despesas entre 0,6% a 2,5%, a depender do momento – para facilitar seu cumprimento, o governo espera agradar os rentistas e a classe capitalista como um todo, desenvolvendo regras mais eficiente que as anteriores. Do outro lado, ao colocar o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e o novo piso da enfermagem fora do limite estabelecido, a proposta tenta agradar professores e enfermeiros, membros de duas categorias profissionais com forte poder de mobilização – inclusive contra o governo.
Portanto, o “novo arcabouço fiscal” do governo Lula tenta regular a economia capitalista enquanto propõe para a classe trabalhadora um debate rebaixado sobre “responsabilidade” na administração do Estado burguês. É papel dos revolucionários denunciar as medidas econômicas de Lula, que, como é comum nos governos do PT, colocam o Capital em primeiro e único lugar no orçamento enquanto lançam migalhas aos trabalhadores.
Lula só está se apropriando, ao seu modo, da linha política do imperialismo: a da aplicação da austeridade, a conta gotas, para a maioria. A imprensa burguesa apoia o governo nesse aspecto e pressiona o parlamento, divulgando simulações sobre como o plano de Haddad aplicado geraria “economia” aos cofres públicos, “zeraria” o déficit fiscal etc.
Taxar timidamente grandes fortunas – que não estão em paraísos fiscais ou empresas no exterior, obviamente – dos super ricos, tributar fundos de investimentos e outras medidas aparentemente “radicais”, são apenas bravatas. Diversos capitalistas, inclusive, ao reconhecerem os ótimos serviços do Estado, defendem uma maior taxação da sua própria classe. Até Michel Temer elogiou as propostas de Haddad.
Enquanto a dívida pública continuar sendo paga e as maiores empresas e bancos continuarem servindo a punhados de parasitas, não há horizonte possível de melhora da situação das massas. A única administração responsável para o teto de gastos, de um ponto de vista proletário, é enterrá-lo.