O Programa da Internacional

Importante texto histórico de Ted Grant sobre a questão da Internacional e seu programa.

A I e a II Internacional

Sem uma perspectiva, um programa e uma política internacional, é impossível construir um movimento capaz de enfrentar as tarefas de transformação da sociedade. Uma Internacional é um programa, uma política, um método; e sua organização é o meio para realizá-los. A necessidade da Internacional surge da posição da classe trabalhadora em escala internacional.

A I e a II Internacional

Sem uma perspectiva, um programa e uma política internacional, é impossível construir um movimento capaz de enfrentar as tarefas de transformação da sociedade. Uma Internacional é um programa, uma política, um método; e sua organização é o meio para realizá-los. A necessidade da Internacional surge da posição da classe trabalhadora em escala internacional. Esta, por sua vez, foi desenvolvida pelo capitalismo, pela organização da economia mundial como uma totalidade indivisível. Os interesses da classe trabalhadora em um país são os mesmos dos trabalhadores dos demais países. Por causa da divisão do trabalho estabelecida pelo capitalismo, foram colocadas as bases para a organização internacional do trabalho e para a produção planificada em escala mundial. Assim, a luta da classe trabalhadora em todos os países é a base do movimento em direção ao socialismo.

O capitalismo, através da propriedade privada dos meios de produção, desenvolveu a indústria e derrubou o particularismo local do feudalismo. Quebrou os arcaicos direitos aduaneiros, pedágios e extorsões do feudalismo. Sua grande criação é o Estado nacional e o mercado mundial. Mas desde que cumpriu esta tarefa, ele próprio se converteu em um obstáculo ao desenvolvimento da produção. O Estado nacional e a propriedade privada dos meios de produção são estorvos ao desenvolvimento da sociedade. As possibilidades de produção somente podem ser plenamente utilizadas com a abolição das fronteiras nacionais e com o estabelecimento de uma federação européia e mundial de Estados operários. Estes, com a propriedade estatal e sob a direção dos trabalhadores, são o passo necessário no caminho ao socialismo. São estes os fatores que ditaram a estratégia e a tática do proletariado, tal como se refletem em sua vanguarda consciente. Nas frases de Marx, “os trabalhadores não têm pátria” e, daí, “Proletários de todos os países, uni-vos”.

Foi com essas considerações que Marx, em primeiro lugar, organizou a Primeira Internacional, como um meio de unir as camadas avançadas da classe trabalhadora em escala internacional. Nela estavam os sindicalistas ingleses, os radicais franceses e os anarquistas russos. Dirigida por Marx, ela estabeleceu a estrutura para o desenvolvimento do movimento dos trabalhadores na Europa e na América. Em seus dias, a burguesia tremeu diante da ameaça do comunismo na forma da Internacional, que estabeleceu raízes profundas nos principais países europeus. Depois da derrota da Comuna de Paris, houve o avanço do capitalismo em escala mundial. Nestas condições, as pressões do capitalismo sobre o movimento dos trabalhadores resultaram na divisão interna e no sectarismo. As intrigas dos anarquistas tiveram o ímpeto renovado. O crescimento orgânico do capitalismo afetou, por sua vez, a organização do proletariado em escala internacional. Sob estas circunstâncias, depois de sugerir a transferência da direção para Nova Iorque, Marx e Engels decidiram que, naquele momento, seria melhor dissolver a Internacional.

O trabalho de Marx e Engels frutificou com a criação de organizações de massas do proletariado na Alemanha, França, Itália e em outras nações, como Marx tinha previsto. Isto preparou, por sua vez, o caminho para uma organização internacional baseada nos princípios do marxismo, que envolveu massas mais amplas. Dessa forma, na década de 1890, nasceu a Segunda Internacional. Mas o desenvolvimento desta se deu, principalmente, numa etapa de crescimento importante do capitalismo e, enquanto defendiam verbalmente as idéias do marxismo, as camadas elevadas da social-democracia mundial caíram sob as pressões do capitalismo. Os dirigentes dos partidos social-democratas e das organizações sindicais de massa do proletariado contagiaram-se com os hábitos e estilos de vida da classe dominante. O hábito do compromisso e do debate com a classe dominante tornou-se uma segunda natureza. A negociação das diferenças através de compromissos modelou os seus hábitos de pensamento. Eles acreditaram que a ascensão duradoura dos padrões de vida, devida à pressão das organizações de massas, continuaria indefinidamente. Os dirigentes, considerando as suas condições de existência, estavam em um nível acima das condições de vida das massas. Isto afetou as camadas superiores que atuavam nos parlamentos e na direção dos sindicatos. “As condições de vida determinam a consciência”. As décadas de desenvolvimento pacífico subseqüentes à Comuna de Paris mudaram o caráter das lideranças das organizações de massas. Defendendo em palavras o socialismo e a ditadura do proletariado, defendendo com frases o internacionalismo, na prática as lideranças desses partidos tinham se convertido em defensoras do Estado nacional. No Congresso de Basiléia de 1912, devido às crescentes contradições do capitalismo mundial e ante a inevitabilidade da guerra mundial, a Segunda Internacional decidiu se opor por todos os meios, inclusive a greve geral e a guerra civil, à tentativa de lançar os povos em uma carnificina insensata. Lênin e os bolcheviques, juntamente com Luxemburg, Trotsky e outros dirigentes do movimento, participaram da organização da II Internacional como o meio para a libertação do gênero humano das cadeias do capitalismo.

Em 1914, os dirigentes da social-democracia de quase todos os países se uniram para apoiar as suas respectivas classes dominantes na guerra. Tão inesperadas foram a crise e a traição aos princípios do socialismo que até mesmo Lênin acreditou que a defesa dos créditos de guerra por parte da social-democracia na Alemanha, através de seu órgão central Vorwaerts, era uma manobra do Estado Maior alemão. A Internacional tinha vergonhosamente desmoronado em sua primeira prova séria.

A III Internacional

Lênin, Trotsky, Liebknecht, Luxemburg, McLean, Connolly e outros se viram reduzidos a dirigentes de pequenas seitas. Os internacionalistas do mundo, em 1916, como ironizavam os participantes da Conferência de Zimmerwald, podiam embarcar juntos em duas carruagens. A traição inesperada levou os internacionalistas, fracos e isolados, em direção à ultra-esquerda. Para se diferenciarem dos “social-patriotas” e dos “traidores do socialismo”, viram-se obrigados a reafirmar os princípios fundamentais do marxismo, a responsabilidade do imperialismo na guerra, o direito de autodeterminação dos povos, a necessidade da conquista do poder, a se separarem da prática e da política reformista. Lênin declarou que a idéia de que a Primeira Guerra Mundial era “uma guerra para acabar com as guerras” era um perigoso conto de fadas dos dirigentes dos trabalhadores. Se a guerra não fosse seguida por uma série de revoluções socialistas triunfantes, seria seguida por uma segunda, uma terceira e, inclusive, uma décima guerra mundial, até a possível aniquilação do gênero humano. O sangue e o sofrimento nas trincheiras, em proveito dos monopólios milionários, provocariam inevitavelmente uma revolta entre as massas contra a matança colossal.

A fundação da III Internacional encontrou sua justificação no triunfo da Revolução Russa de 1917 sob a direção dos bolcheviques. Esta foi seguida por uma série de revoluções e situações revolucionárias de 1917 a 1921. Contudo, as jovens forças da nova Internacional eram débeis e imaturas. Em conseqüência, embora a Revolução Russa tenha provocado uma onda de radicalização na maioria dos países da Europa Ocidental, os partidos comunistas, débeis naquele momento, não tiraram proveito da situação. Dessa forma, o capitalismo pôde estabilizar-se temporariamente.

Na situação revolucionária de 1923, na Alemanha, perdeu-se a oportunidade de tomar o poder devido à política da direção, que passou por uma crise semelhante à da direção do Partido Bolchevique em 1917. Depois disto, o imperialismo americano apressou-se em vir em ajuda do capitalismo alemão ante o medo ao “bolchevismo” no ocidente. Isto preparou o caminho para a degeneração da União Soviética devido aos seus atraso e isolamento, e também pela corrupção e degeneração da Terceira Internacional.

Em 1924 já estava claro o início da consolidação da burocracia estalinista e de sua usurpação do poder na URSS. Um processo semelhante ao que tinha levado à degeneração da Segunda Internacional, algumas décadas antes, ocorreu em curto prazo de tempo na União Soviética. Tendo conquistado o poder em um país atrasado, os marxistas preparavam-se confiantemente para a revolução internacional como a única solução para os trabalhadores da Rússia e do mundo. Em 1924, Stalin surgiu como o representante da burocracia que se tinha elevado a si mesma acima do nível das massas de trabalhadores e camponeses.

Quando, em lugar das idéias de Marx e Lênin sobre a participação da maioria no governo e na administração da indústria, “a arte, a ciência e o governo” ficaram sob o domínio da burocracia, os direitos adquiridos das camadas privilegiadas apareceram no cenário. No outono de 1924, Stalin, violando as tradições do marxismo e do bolchevismo, lançou pela primeira vez a utópica teoria do “socialismo em um país isolado”. Os internacionalistas, sob a direção de Trotsky, lutaram contra esta teoria e previram que os seus resultados representariam o fracasso da Internacional Comunista e a degeneração de suas seções nacionais.

A teoria não é uma abstração, mas um guia para a luta. As teorias, para contar com o apoio das massas, têm de representar os interesses e pressões de determinados grupos, castas ou classes da sociedade. Dessa forma, a teoria do “socialismo em um país isolado” representava a ideologia da casta dominante da União Soviética, aquela camada da burocracia que estava satisfeita com os resultados da revolução e que não queria ver ameaçada a sua posição privilegiada. Foi esta a perspectiva que começou a transformar a Internacional Comunista de um instrumento da revolução internacional em uma simples guarda-fronteiras para a defesa da União Soviética, que se supunha estar construindo o socialismo por sua própria conta.

A Oposição de Esquerda

A expulsão da Oposição de Esquerda, que se mantinha sob os princípios do internacionalismo e do marxismo, dos partidos comunistas teve lugar nesse momento. As derrotas da greve geral britânica e da Revolução Chinesa de 1925-1927 prepararam o caminho para este processo. Nesta etapa, era um problema de “equívocos” na política de Stalin, Bukharin e seus satélites. Era uma questão de sua posição como ideólogos das camadas privilegiadas e das enormes pressões do capitalismo e do reformismo. Esses equívocos dos dirigentes condenaram o movimento do proletariado em outros países à derrota e ao desastre.

Tendo queimado os dedos ao tentar conciliar com os reformistas no Ocidente e com a burguesia colonial no Oriente, Stalin e sua camarilha oscilaram em direção a uma posição ultra-esquerdista, arrastando com eles a direção da Internacional Comunista. Dividiram os trabalhadores alemães em lugar de defender a frente única para impedir a chegada do fascismo ao poder na Alemanha, e, dessa forma, prepararam o caminho, com a paralisação do proletariado alemão, à vitória de Hitler. A degeneração da União Soviética e a traição da Terceira Internacional, por sua vez, prepararam o caminho para os crimes e traições da contrarrevolução estalinista na União Soviética.

Com exceção da nacionalização dos meios de produção, do monopólio do comércio externo e da produção planificada, nada mais permaneceu da herança de Outubro. Os expurgos, a guerra civil unilateral na União Soviética, tiveram sua contrapartida nos partidos da Internacional Comunista. A vitória de Hitler e as derrotas na Espanha e na França resultaram desses desenvolvimentos. De 1924 a 1927, Stalin tinha se baseado em uma aliança com os kulaks e os “homens da NEP” na União Soviética, e na “construção do socialismo a passo de tartaruga”. Ao mesmo tempo, face ao exterior, o estalinismo optou pela “neutralização” dos capitalistas e pela conciliação com os social-democratas como meio de afastar a ameaça de guerra. A derrota da Oposição de Esquerda na União Soviética, com o seu programa de retorno à Democracia dos Trabalhadores e de introdução dos planos qüinqüenais, foi devida às derrotas internacionais do proletariado, provocadas pela política estalinista.

Da servilidade diante dos social-democratas e de outros “amigos” internacionais da União Soviética, a Internacional Comunista oscilou para a política do “terceiro período”. A crise de 1929-1933 foi considerada como “a última crise do capitalismo”. O fascismo e a social-democracia eram irmãos gêmeos e estas “teorias” pavimentaram o caminho para as terríveis derrotas da classe trabalhadora internacional.

Ao mesmo tempo, a política da Oposição de Esquerda na Rússia ganhou os elementos mais avançados dos partidos comunistas mais importantes do mundo. As Lições de Outubro, um trabalho de Trotsky, tratava das lições da revolução abortada de 1923 na Alemanha.  O programa geral da oposição, em casa e no exterior, teve como resposta expulsões não somente no partido russo, mas também nas mais importantes seções da Internacional. Houve o aumento dos grupos da oposição na Alemanha, França, Grã Bretanha, Espanha, EUA, África do Sul e outros países. O programa da oposição neste momento incluía a reforma da União Soviética e da Internacional, e a adoção de políticas corretas tanto contra o oportunismo do período de 1923 a 1927 quanto contra o aventureirismo do período de 1927 a 1933.  

Estas divisões, como Engels tinha assinalado em outra ocasião, correspondem a um processo saudável, no sentido de se tentar manter as melhores tradições do bolchevismo e o ideal da Internacional Comunista. A crise da direção era a crise da Internacional e de todo o gênero humano. Dessa forma, estas divisões foram um meio de se manter os ideais e métodos do marxismo. No primeiro período de sua existência, a Oposição de Esquerda se considerava como uma seção da Internacional Comunista; embora expulsos, eram partidários da reforma da Internacional.

As massas, e mesmo as camadas mais avançadas do proletariado, somente aprendem com as lições dos grandes acontecimentos. A história tem demonstrado que as massas nunca abandonam as suas velhas organizações até que estas tenham sido provadas no fogo da experiência. Até 1933, a ala marxista da Internacional manteve o seu programa de reforma da União Soviética e da Internacional Comunista. Se ela era ou não viável como organização, isto seria demonstrado pela prova da história. Dessa forma, a Oposição se manteve tenazmente como parte da Internacional, embora formalmente se encontrasse fora de suas fileiras.

A subida de Hitler ao poder e a recusa da Internacional Comunista a aprender a lição da derrota foi o que a condenou como instrumento da classe trabalhadora na luta pelo socialismo. Longe de analisar as razões da fatal política do “social-fascismo”, as seções da Internacional Comunista declararam que a vitória de Hitler era uma vitória da classe trabalhadora. Em 1934, continuou, na França, a mesma política suicida de unidade de ação com os fascistas contra os “social-fascistas” e o “radical-fascista” Daladier, que se tivesse tido êxito prepararia o caminho para um golpe fascista na França em fevereiro de 1934.

A Quarta Internacional

Esta traição e o terrível efeito da derrota diante de Hitler conduziram à reconsideração do papel da Internacional Comunista. Uma Internacional que podia cometer a traição de entregar o proletariado alemão a Hitler, sem disparar um só tiro e sem provocar nenhuma crise em suas fileiras, já não podia mais servir aos interesses do proletariado. Uma Internacional que podia aclamar este desastre como vitória não mais podia cumprir o papel de direção do proletariado. Como instrumento do socialismo mundial, a III Internacional tinha morrido. De instrumento do socialismo mundial, a Internacional Comunista tinha degenerado para se tornar um dócil instrumento do Kremlin, um instrumento a serviço da política externa soviética. Era necessário, então, preparar o caminho para a organização de uma Quarta Internacional, limpa dos crimes e traições que sujaram as internacionais reformista e estalinista.

Depois do colapso da II Internacional, os revolucionários internacionalistas permaneceram como pequenos grupos isolados. Na Bélgica, tinham dois deputados, da mesma forma que na Áustria, Holanda etc. As forças da nova Internacional eram débeis e imaturas, apesar de ter a direção e o apoio de Trotsky e a perspectiva dos grandes acontecimentos históricos. Tinham-se educado baseando-se na análise da experiência das II e III Internacionais, das revoluções russa, alemã e chinesa, da greve geral na Inglaterra, assim como dos grandes acontecimentos subseqüentes à Primeira Guerra Mundial. Os quadros deviam estar treinados e educados como o indispensável esqueleto para o corpo da nova Internacional.

Foi nesse período que evoluiu a tática do entrismo, devido ao isolamento histórico deste movimento com respeito às organizações de massas da social-democracia e do partido comunista. Para ganhar os melhores trabalhadores era necessário encontrar uma forma de influir sobre eles. Isto somente se poderia conseguir trabalhando com eles nas organizações de massas. Dessa forma, começando com o PLI (Partido Trabalhista Independente) na Inglaterra, a idéia do entrismo se realizou nas organizações de massas da social-democracia no momento em que estavam numa situação de crise e de virada à esquerda. Devido à crise revolucionária que se desenvolvia na França, entrou-se no Partido Socialista. Na Inglaterra, a entrada no PLI, então em um estado de mudança e fermentação após romper com o PL (Partido Trabalhista), foi seguida pela entrada de muitos trotskistas, aconselhados por Trotsky, no Partido Trabalhista. Nos EUA, houve a entrada massiva no Partido Socialista.

Em sua maior parte, o período anterior à guerra foi de preparação e seleção de quadros ou elementos dirigentes, para serem treinados e forjados diretamente na teoria e na prática do movimento de massas.

A tática do entrismo foi considerada também como um expediente de curto prazo, imposto aos revolucionários por causa de seu isolamento das massas e pela impossibilidade de que as pequenas organizações pudessem encontrar eco e apoio entre as mesmas. Foi o objetivo de ganhar os elementos radicais que desejavam soluções revolucionárias, o que os fez voltar-se em primeiro lugar em direção às organizações de massas. Mas, sempre e sob quaisquer circunstâncias, as principais idéias do marxismo e a bandeira revolucionária teriam de ser levadas adiante. Era um problema de se adquirir experiência e compreensão combatendo o sectarismo e o oportunismo. Era um meio de desenvolver uma aproximação flexível, com a implacabilidade dos princípios, um meio de preparar os quadros para os grandes acontecimentos pendentes.

As derrotas da classe trabalhadora na França e na Alemanha e a guerra civil espanhola, as derrotas do período do imediato pós-guerra, devidas inteiramente à política das II e III Internacionais, abriram o caminho à Segunda Guerra Mundial. A paralisação do proletariado europeu, junto à nova crise agravada do capitalismo mundial, tornou absolutamente inevitável a Segunda Guerra Mundial. Nesta atmosfera teve lugar a conferência de fundação da IV Internacional, em 1938.

A perspectiva de Trotsky

O documento adotado na conferência é em si mesmo uma explicação das razões de sua construção. O Programa de Transição da IV Internacional está unido à idéia do trabalho de massas, dentro do marco de luta pela revolução socialista. Isto indica que se considerava a época como de guerras e revoluções. Dessa forma, o trabalho tem de estar unido à idéia da revolução socialista.

A perspectiva de Trotsky era que a guerra, por sua vez, provocaria ou desencadearia a revolução. O problema do estalinismo seria resolvido de uma forma ou de outra: ou a União Soviética se regenerava através de uma revolução política contra o estalinismo, ou o triunfo da revolução em algum país importante resolveria o problema em escala mundial. Com o triunfo da revolução proletária, os problemas das internacionais reformista e estalinista seriam resolvidos da mesma maneira.

Este prognóstico condicional, embora revelasse a compreensão dos processos na sociedade de classes, não foi confirmado pelos acontecimentos. Devido aos peculiares acontecimentos militares e políticos da guerra, o estalinismo se fortaleceu temporariamente. A onda revolucionária que se produziu na Europa, durante e depois da Segunda Guerra Mundial, foi traída pelos estalinistas desta vez de forma ainda pior que a onda revolucionária que se produziu depois da Primeira Guerra Mundial, que tinha sido traída pela direção da II Internacional.

A Internacional permaneceu, como devia tê-lo feito até hoje, sob os princípios emanados dos quatro primeiros congressos da Internacional Comunista e da experiência da luta contra o estalinismo e o fascismo e dos grandes acontecimentos que precederam a Segunda Guerra Mundial.

A idéia de Trotsky de impulsionar a fundação de uma nova Internacional em 1938 deveu-se ao colapso do estalinismo e do reformismo como tendências revolucionárias da classe trabalhadora. Ambos tinham se convertido em grandes obstáculos no caminho da emancipação da classe trabalhadora. De meios para a destruição do capitalismo, converteram-se em partidos incapazes de conduzir o proletariado ao triunfo da revolução socialista.

O problema da criação de novos partidos e de uma nova Internacional era um problema das perspectivas imediatas que se apresentavam. Uma nova guerra mundial provocaria, por sua vez, a revolução nos países metropolitanos e nas colônias. Os problemas do estalinismo na Rússia e no mundo seriam resolvidos dentro do desenvolvimento desta perspectiva revolucionária. Nestas condições, era imperativo preparar-se, tanto organizativa quanto politicamente, para os grandes acontecimentos que se avizinhavam. Dessa forma, em 1938, Trotsky previu que, no prazo de dez anos, não restaria nada das velhas organizações traidoras e que a IV Internacional se teria convertido na força revolucionária decisiva do planeta. Não havia nada de incorreto na análise básica, mas toda previsão é condicional. A multiplicidade dos fatores políticos, econômicos e sociais pode sempre ter um desenvolvimento diferente do previsto. A debilidade das forças revolucionárias foi, efetivamente, um fator decisivo no desenvolvimento da política mundial, durante mais de 30 anos, depois das previsões de Trotsky. Infelizmente, os mandarins da IV Internacional, sem a direção nem a presença de Trotsky, interpretaram esta idéia não como uma tese, mas como literalmente correta.

Desenvolvimento do pós-guerra e o papel dos “dirigentes” da IV Internacional

A guerra se desenvolveu de forma diferente do que podiam esperar inclusive os maiores gênios teóricos. O processo foi explicado em muitos documentos anteriores de nossa tendência. A vitória de Hitler no primeiro período se deveu à política do estalinismo no período precedente. O ataque à União Soviética e os crimes do nazismo (o fascismo é a essência quimicamente destilada do imperialismo, como explicou Trotsky), sem qualquer controle por parte da classe trabalhadora alemã, prostrada e sem direitos perante os monstros nazistas, significou que os trabalhadores e camponeses da URSS vissem como tarefa imediata a derrota das hordas nazistas e não a limpeza e restauração de uma democracia operária no país por meio da revolução política. Em conseqüência, o estalinismo se fortaleceu temporariamente durante todo um período histórico.

A guerra na Europa evoluiu amplamente em direção a uma guerra entre a Rússia estalinista e a Alemanha nazista. O imperialismo anglo-americano se equivocou totalmente em sua perspectiva. Tinham previsto que, ou a URSS seria derrotada, em cujo caso eles, em seguida, deixariam fora de combate uma Alemanha debilitada e apareceriam como vencedores mundiais; ou a URSS ficaria tão debilitada no curso do sangrento holocausto da frente oriental, que os habilitaria a ditar o curso da política e da diplomacia mundial e uma nova divisão do mundo, de acordo com seus caprichos e desejos.

A avaliação de Trotsky demonstrou estar correta no sentido de que a Segunda Guerra Mundial seria sucedida por uma onda revolucionária ainda maior que a que seguiu a Primeira Guerra Mundial. Mas as massas dos diferentes países da Europa, onde, depois que a Rússia foi atacada, os partidos comunistas tinham desempenhado o papel mais importante na resistência aos nazistas, uniram-se aos partidos comunistas e, também, em muitos países, aos social-democratas. Já nesta etapa, podia-se prever o colapso da direção da nascente Internacional, devido às disputas que começavam a se produzir.

Em 1944 era necessário reorientar o movimento no sentido de se entender que um longo período de democracia capitalista no Ocidente e de dominação estalinista na Rússia estava na ordem do dia. Nos documentos do PCR (Partido Comunista Revolucionário) ficou claro que o período seguinte na Europa Ocidental seria de contra-revolução numa forma democrática. Isto se devia à impossibilidade da burguesia de manter o seu domínio na Europa Central sem a ajuda da social-democracia e do estalinismo.

O Secretariado Internacional se equivocou. O SWP (Partido Socialista dos Trabalhadores Americanos) e outros dirigentes contemporizaram com o problema e argumentavam que, pelo contrário, a única forma de domínio que a burguesia poderia manter na Europa era a da ditadura militar e do bonapartismo. Incapazes de compreender a virada dos acontecimentos históricos, não podiam entender que a Rússia estalinista tivesse saído fortalecida da guerra e que, longe de estar na ofensiva, o imperialismo se encontrava na defensiva.

A aliança do imperialismo anglo-americano estava ditada pelo medo à revolução socialista nos países avançados. Ao mesmo tempo, a onda revolucionária que se estendia pela Europa e pelo mundo tornou impossível para o imperialismo anglo-americano tirar proveito da situação, intervindo de forma semelhante à de 1918, apesar de estar numa posição forte com relação à Rússia, que se encontrava num momento de debilidade. O imperialismo era impotente por causa da onda revolucionária. Apesar disso, e sem compreender a mudança da correlação de forças, nem o significado da grande maré revolucionária, a IV Internacional, em seu congresso mundial de 1945, declarou que “somente a pressão diplomática” bastaria para restabelecer o capitalismo na URSS.

A mudança na correlação de forças na Europa Oriental e China

Se, com relação à Europa Ocidental, sua falta de perspectiva era total, nos problemas teóricos relativos ao movimento na Europa Oriental, sua posição era ainda pior. Não compreenderam o impulso que o Exército Vermelho deu à revolução, impulso que foi utilizado, então, pela burocracia para seus próprios fins. Depois de utilizá-la, estrangularam a revolução. O problema dos estalinistas não era a capitulação diante do capitalismo nessas condições, e sim o de realizar a revolução remodelando-a, a sua imagem e semelhança, sob uma forma estalinista-bonapartista.

A “aliança” entre as classes na Europa Oriental era, como na Espanha da “frente popular”, não uma aliança com os capitalistas, mas com a sombra da classe capitalista. Mas, na Espanha, os capitalistas devem a sua sombra o ter podido se consolidar. O poder real na República Espanhola estava nas mãos da classe capitalista, mas em todos os países da Europa Oriental a essência do poder, o exército e a polícia, estavam nas mãos dos partidos estalinistas, e eles somente permitiram a sombra do poder aos aliados da coalizão.

O estalinismo utilizou a sua vontade a situação revolucionária em todos estes países, onde a classe dominante teve de fugir com a retirada dos exércitos nazistas, devido ao temor da vingança das massas por sua colaboração com os alemães. Com a retirada dos exércitos nazistas, a estrutura do exército foi derrubada. O exército e a polícia fascista fugiram ou se ocultaram. Dessa forma, a única força armada na Europa Oriental era o Exército Vermelho. Oscilando entre as classes, a camarilha bonapartista começou a construir um Estado segundo a imagem de Moscou.

Estes novos fenômenos históricos, embora esboçados nos escritos de Trotsky, eram um livro fechado para os chamados dirigentes da Internacional. Declararam que as nações da Europa Oriental constituíam estados capitalistas, enquanto que a Rússia, naturalmente, permanecia como Estado operário deformado.  Tal posição não era compatível com nenhuma análise marxista. Porque, se a Europa Oriental, onde os meios de produção estavam nacionalizados e se realizava a planificação da produção, fosse capitalista, seria um absurdo continuar mantendo que a Rússia, onde existiam as mesmas condições de ditadura burocrática, fosse qualquer tipo de Estado operário.

As condições eram fundamentalmente as mesmas. Dessa forma, tanto no Ocidente quanto no Oriente, esses dirigentes foram incapazes de compreender as perspectivas e de apoiar nelas a formação de novos quadros revolucionários. Forças importantes se desagregaram na França e em outros países, durante as discussões sobre estes problemas.

Mas o seu recorde foi batido com sua atuação com respeito ao segundo acontecimento mais importante na história da humanidade, a Revolução Chinesa. Sua posição foi em todo caso pior. Sem compreender o significado da guerra camponesa empreendida por Mao e seus seguidores, sem calcular a relação de forças em escala mundial, contentaram-se, nesta época, com a repetição das idéias que tinham tomado de Trotsky, mas sem assimilá-las. Declararam que Mao tentava capitular diante de Chiang Kai Chek, e que era uma repetição da revolução de 1925-1927. Em primeiro lugar, a guerra civil foi engendrada pelo problema da terra e as constantes ofertas de paz dos estalinistas chineses estavam baseadas na reforma agrária e na expropriação do “capital burocrático”, um programa que Chiang não podia aceitar. Não tinham compreendido que isto era conseqüência da revolução de 1925-1927, e da total incapacidade da burguesia chinesa para resolver os problemas da revolução democrática, da unificação nacional da China e da luta contra o imperialismo, como foi demonstrado na guerra contra o Japão. Não compreendiam que, definitivamente, estavam se abrindo novas perspectivas.

Por um lado, estava a passividade da classe trabalhadora chinesa, e, por outro, a guerra camponesa, que surgiu na China muitas vezes no último milênio, e a paralisia do imperialismo, devido à onda revolucionária que teve lugar depois da Segunda Guerra Mundial. Todos estes fatores abriram a possibilidade de uma nova direção para os acontecimentos. Em 1947, em um documento que analisava a posição sobre a China, o PCR esboçou os passos que Mao seguiria, no caso de ganhar a guerra civil, vitória que era inevitável considerando as circunstâncias.

Nesse tempo, os dirigentes do Partido Comunista Chinês declararam que a China estava diante de 50 anos de democracia capitalista. Estavam aliados com os chamados capitalistas nacionalistas, mas a análise dos marxistas não teria isto muito em consideração. O poder estatal estava nas mãos do Exército Vermelho. Assim, previmos que, seguindo a pauta da Europa Oriental, Mao oscilaria entre as classes e, com a mudança das condições nacionais e internacionais, construiria um Estado operário bonapartista. Os dirigentes do Secretariado Internacional e da seção chinesa defenderam que Mao estava capitulando diante do capitalismo. Inclusive depois da vitória total dos estalinistas chineses, não compreenderam o seu significado, mas declararam que a China, como a Europa do Leste, era um estado capitalista, embora sem definir este termo.

Em seguida, viram grandiosas perspectivas revolucionárias na China e na Europa Oriental. Mao não poderia manter o seu “papel capitalista” por muito tempo. Na Europa Oriental, os regimes de “estado capitalista” encontravam-se numa situação de crise imediata, que conduziria a sua derrubada imediata. Não compreendiam que, à margem dos acontecimentos nas principais metrópoles capitalistas, apenas uma revolução política triunfante na URSS poderia evitar que se mantivessem firmemente no poder, por uma década ou duas, pelo menos, os regimes da Europa Oriental e China.

Continuaram repetindo que a guerra mundial resolveria os problemas da revolução e, no caso de um dos dirigentes, como a guerra não tinha resolvido os problemas, ele sustentou que “a guerra continuava”. Imediatamente depois da guerra, declararam monotonamente, a cada ano, a partir de 1945, que se ia produzir a explosão imediata de uma nova guerra mundial, e uma guerra nuclear que levaria ao socialismo. Inclusive hoje, sob forma diluída, repetem esta idéia. Em cada crise do imperialismo ou a cada enfrentamento do imperialismo contra a burocracia soviética, desenterravam os tambores e lançavam a mesma mensagem vazia. Ainda hoje não compreenderam que os problemas da guerra na época moderna é o problema da correlação de forças entre as classes, que somente derrotas definitivas da classe trabalhadora nos mais importantes países, particularmente nos EUA, podem criar a base para uma nova guerra mundial. 

A Europa do Leste e os Estados estalinistas

Como sempre, devido aos golpes que recebiam as suas idéias com base nos acontecimentos, a negativa de analisar seus erros os empurrava a cometer outros erros opostos e ainda piores: da declaração de que a China e a Europa Oriental eram capitalistas, passaram ao extremo oposto. Uma vez que a burocracia nacional da Iugoslávia, sob Tito, entrou em contradições com a burocracia russa, descobriram na Iugoslávia “um Estado operário relativamente são”.

Sem compreender a natureza do conflito, no qual se deveria ter dado a Tito apoio crítico, começaram a idealizar o “herói Tito”, e a declarar que a nova Internacional se consolidaria no território iugoslavo. Obrigados a mudar a caracterização da Iugoslávia de estado capitalista a estado operário, também declararam que a China era “um estado relativamente são”. Não levaram em consideração as circunstâncias e a forma em que se tinha produzido a revolução na China. O imenso atraso da China com relação à URSS, o fato de que a classe trabalhadora não tivesse desempenhado um papel independente nestes grandes acontecimentos e, portanto, permanecesse passiva, e, na escala mundial, que o capitalismo tivesse conseguido se estabelecer no Ocidente durante todo um período histórico, embora temporário, e que a revolução socialista não era iminente nas metrópoles ocidentais, significava que os estalinistas e a burocracia chinesa sofriam um estrangulamento ainda pior que o estrangulamento que a burocracia russa tinha sofrido. Tampouco se lembraram de que, para a revolução socialista, se requer, sobretudo, a participação consciente e o controle por parte dos trabalhadores, controle que será democrático em todos os momentos, possibilitando a direção da indústria e do estado pela classe trabalhadora. Ainda hoje, estes “dirigentes” não compreenderam o problema e ainda consideram a China e a Iugoslávia como Estados operários “relativamente saudáveis”, e que precisam simplesmente de uma reforma semelhante à da Rússia de 1917-1920 e não, em absoluto, uma revolução política, tal como disse Trotsky.

Dessa forma, reforçaram os erros de sua posição anterior, violando algumas das idéias fundamentais do marxismo, mas agora no pólo oposto. Repetiram este processo da mesma forma como antes o tinham feito os estalinistas: oscilando de uma posição à outra, sem utilizar nunca o método marxista para analisar os acontecimentos em sua dinâmica, corrigindo os erros e preparando o caminho para se alcançar um nível mais alto de pensamento sobre estas bases. Cada mudança de linha, de tática, caía bruscamente do alto como um novo “descobrimento”, para ser administrado aos “crentes” em retumbantes discursos e documentos. Era isto, entre outros fatores, uma das principais causas da incapacidade total de se orientar corretamente na evolução dos acontecimentos. A honestidade de propósito somente se pode obter daqueles que confiam em si mesmos, em suas idéias e em sua autoridade política. Somente através desses meios podem ser criados, forjados e educados os quadros do movimento revolucionário, para a grande tarefa que pende sobre a humanidade.

Depois de assegurar que toda a Europa Oriental e a China constituíam uma forma peculiar de capitalismo de Estado, que não foi definida, nem analisada e nunca explicada, deram uma virada de 180 graus, sem explicação nem análise das razões desta mudança impressionante. Uma vez que o regime iugoslavo rompeu com Stalin, devido aos interesses ocultos da burocracia iugoslava, descobriram em Tito um novo redentor da IV Internacional. A Iugoslávia se transformou, da noite para o dia, em um estado operário “relativamente são”. Naturalmente que era necessário dar apoio crítico à luta do povo iugoslavo contra a opressão nacional da burocracia russa, mas explicando, ao mesmo tempo, os interesses da burocracia na Iugoslávia. Em vez disto, idealizaram o “titoísmo”. Enquanto isto, na URSS, continuava fazendo falta uma revolução política. As razões foram explicadas por Trotsky, advertindo sobre a necessidade da mesma. Não obstante, não explicaram as razões de sua mudança. Deutscher se arranjou para fazer a transição e descobrir que a revolução política não era necessária na URSS. Descobriram, então, que, na Iugoslávia, tinha se produzido uma revolução durante o período da guerra e do pós-guerra.

Como conseqüência disto, a revolução socialista tinha ocorrido na Iugoslávia, enquanto que a revolução socialista na Rússia tinha ficado isolada. Contudo, a revolução na Iugoslávia não ficaria isolada devido à existência da revolução russa. Disseram que a causa do desenvolvimento do estalinismo na Rússia se devia ao fato de ser a única nação onde a revolução tinha triunfado. Agora que a revolução se tinha generalizado não havia lugar para um processo semelhante. Portanto, concluíram triunfalmente que não podia haver uma repetição na Iugoslávia e que, em conseqüência, na Iugoslávia havia “um estado operário são, com deformações menores”. Começaram a organizar grupos de trabalho internacionais para ajudar na “construção do socialismo” na Iugoslávia.

Sua propaganda era tão sem critério e laudatória com a dos grupos de trabalho de jovens estalinistas “para a construção do socialismo na Rússia”. Todo este episódio é uma amostra do método “sociológico” desta tendência. Mandel e companhia lançaram o mesmo argumento com relação à chamada “revolução cultural” na China e, também, até hoje, com relação à Cuba. Em primeiro lugar, era o atraso da União Soviética, junto ao isolamento e às derrotas da classe trabalhadora mundial, o que motivou a subida ao poder da burocracia estalinista na Rússia. Mas, uma vez no poder, a burocracia, com o poder estatal em suas mãos, se converteu em um fator independente da situação. A burocracia estalinista da Iugoslávia não era essencialmente diferente da russa. A camarilha de Tito começou onde terminou Stalin. Não houve em nenhum momento uma democracia operária, como na Rússia de 1917-26. O movimento na Iugoslávia, durante a guerra, foi fundamentalmente o de uma guerra de camponeses por sua libertação. O Estado que foi construído era um regime totalitário de partido único, à imagem da Rússia, com o aperfeiçoamento do aparato estalinista.

A Iugoslávia era um país atrasado. Portanto, no aparato do estado, estavam incorporados os elementos da antiga classe dominante, na diplomacia, no exército etc.

Era o mesmo processo que teve lugar na Rússia. Mas sem o controle inerente à democracia operária, não podia haver nem um átomo de Estado operário são. Um movimento em direção ao socialismo, numa economia de transição, requer o controle e a participação consciente da classe trabalhadora. Dessa forma, circunstâncias, condições e causas iguais dão e têm que dar os mesmos resultados. Deixando de lado esta ou aquela particularidade, as características fundamentais do regime iugoslavo não eram diferentes das do estalinismo russo. Era necessária uma revisão total do marxismo para se insinuar outra coisa.

Até agora, nenhuma das tendências que defenderam essa posição, desde Pablo, passando por Posadas, Healy, Germain e Hansen, reconsiderou a sua atitude teórica à luz dos acontecimentos. Logicamente, em seus escritos, conseguem amontoar as mais estranhas combinações de idéias. Healy acha muito consistente caracterizar Cuba como um capitalismo de estado, enquanto aplaude o que chama de nova versão da Comuna de Paris: a revolução cultural chinesa. A tendência Voix Ouvrière da França, ainda na posição do SUQI (Secretariado Unificado da Quarta Internacional) de 1945-47, depois de 25 anos de acontecimentos, acha compatível dizer que a Rússia é um estado operário degenerado, enquanto que a Europa Oriental, a Iugoslávia e Cuba são estados capitalistas. Todas estas tendências declaram que a Síria e a Birmânia são estados capitalistas. O próprio SUQI, através de todas as suas oscilações, paga a fatura de sua falta de honestidade teórica, transigindo com os erros do passado.

Dessa forma, até hoje, mantêm-se confusos com relação ao problema de se é necessário ou não uma revolução política na China e na Iugoslávia. A maioria acredita que continuam sendo “estados operários relativamente sãos” e, portanto, não necessitariam de uma revolução política, mas somente de uma reforma.

A evolução dos estados estalinistas

Durante o último quarto de século, essa tendência perdeu completamente os fundamentos teóricos. Colhidos de surpresa pelo curso dos acontecimentos, reagiram sempre de forma empírica e impressionista, capitulando ante a realidade imediata, sem ver o futuro desenvolvimento de grupos e tendências, inevitável nestas circunstâncias (não somente com respeito a Tito na Iugoslávia), que surgem da análise incorreta e da falta de compreensão do bonapartismo proletário, e de todos os grandes acontecimentos nos países do bloco estalinista. O movimento de 1956 na Hungria, que tomou a forma de uma completa derrocada da burocracia e de início de uma revolução política geral, eles apoiaram – se não o tivessem feito teria significado o abandono de qualquer pretensão de se manter na tradição do trotskismo. Mas isto não os impediu de colocar o movimento na Polônia, que teve lugar no mesmo tempo, na mesma categoria da Revolução Húngara.

Não viram que, na Hungria, houve a destruição quase completa do chamado Partido Comunista e o início da organização de um novo movimento dos trabalhadores. Os trabalhadores húngaros, depois da experiência do totalitarismo estalinista, não estavam dispostos a tolerar em nenhum momento a construção de um novo totalitarismo estalinista no curso da revolução.

Os acontecimentos se desenvolveram de maneira diferente na Polônia. A luta nacional contra a opressão da grande burocracia russa foi desviada, por uma parte dos burocratas polacos, em direção às linhas do estalinismo nacional. Sem compreender isto, os dirigentes da IV Internacional viram em Gomulka o representante do “comunismo democrático”, não viram que representava a ala da burocracia polaca que queria se estabelecer como “os amos em sua própria casa”, relativamente independente da burocracia russa. O fato de que não havia nenhuma diferença fundamental entre eles e a ala reformista da burocracia russa não estava claro para os dirigentes da nova internacional. Na realidade, não desejavam os polacos, mais que Kruschev, renovar a base da revolução ou voltar à Rússia de 1917. Mais exatamente, opuseram-se à tentativa de instaurar a democracia socialista na Hungria. Dessa forma, a revolução política potencial na Polônia foi desviada para as linhas do nacionalismo estalinista. Como seus irmãos nacional-estalinistas russos, os burocratas polacos somente podiam oscilar entre a repressão e a reforma, mantendo intacto o aparato estalinista. Os dirigentes da IV viram em Gomulka o início de uma mudança completa da situação na Polônia, da mesma maneira que tinham mantido grandes esperanças na desestalinização na URSS. Diante dos acontecimentos, procuravam sempre uma espécie de novo Messias para salvá-los do isolamento e da ausência de forças entre as massas. Em todas as ocasiões, foram condenados à desilusão e ao desalento.

Não satisfeitos de terem queimado os dedos com o maoísmo, o confronto entre a Rússia e a China, que os colheu de surpresa, foi resolvido com o ressurgimento das ilusões no maoísmo. Tiraram a poeira da idéia secreta de que a China “era um estado operário são, com pequenos defeitos”, um estado que requeria uma simples reforma e não uma derrubada. Mao ia ser um novo redentor e mal interpretaram completamente o significado da revolução cultural chinesa.

Trotsky já tinha explicado que o bonapartismo proletário apoiava-se às vezes entre os trabalhadores e os camponeses, para evitar os piores excessos da burocracia sôfrega e voraz. Na introdução dos planos qüinqüenais na Rússia, Stalin apoiou-se durante um tempo nos trabalhadores e camponeses e, inclusive, provocou o entusiasmo entre os trabalhadores pelo que consideravam como a construção socialista soviética. Mas isto não alterava o caráter, a política ou os métodos do estalinismo, nem mudava o caráter do estado. Tomando indivíduos ou inclusive a seção mais débil da burocracia como bodes expiatórios, longe de mudar qualquer coisa fundamental, reforçava o papel da burocracia. Dessa forma, o maoísmo e a revolução cultural não mudaram nada de fundamental na China.

Mao, apoiando-se nos trabalhadores e camponeses golpeou as seções da burocracia que tinham acumulado privilégios e uma posição material que excedia os limites do que podia manter a debilidade das forças produtivas chinesas. A diferença entre os trabalhadores e camponeses e as camadas burocráticas tinha alcançado uma magnitude suficiente para provocar a insatisfação entre aqueles. Assim, se os trabalhadores e camponeses deviam estar preparados para as tarefas da produção na indústria pesada, na indústria de armas nucleares e no reforço da produção chinesa, era necessário, embora temporariamente, cortar aqueles privilégios. Mas a “revolução cultural” foi organizada do alto do princípio ao fim. Falar de novas versões da Comuna de Paris em Xangai, Pequim e outras cidades chinesas, era o mesmo que salpicar com lama a tradição da Comuna e da Revolução Russa. O final inevitável dessa experiência, como a de Gomulka na Polônia, foi o reforço do poder da burocracia. Este caminho estava fechado para as massas chinesas e polacas. A busca constante de meios para resolver magicamente os problemas sempre tem sido um sintoma de utopia pequeno-burguesa, que substitui a análise marxista por esperanças histéricas neste ou naquele indivíduo ou tendência.

A capitulação ante as diferentes espécies de estalinismo ou de utopia durante o desenvolvimento dos acontecimentos tornou muito difícil a criação de um movimento viável. Na Itália, foram os chamados dirigentes trotskistas que contribuíram para a formação de um amplo movimento maoísta de cem mil membros. Reeditando de forma entusiástica e sem senso crítico os trabalhos de Mao, distribuindo-os no PCI (Partido Comunista Italiano), criaram as bases do maoísmo na Itália. Os dirigentes dessas tendências realizaram preciosas viagens à embaixada da China, na Suíça, para conseguir este material. A conseqüência da aceitação acrítica do maoísmo foi que não ganharam um só membro entre os cem mil, e sim que perderam membros de suas próprias fileiras. A confusão teórica, sobretudo numa tendência débil, tem quitação plena. Ainda pior foi a confusão e a desorganização semeadas entre suas próprias fileiras. A tarefa naquelas circunstâncias era a de criticar duramente, tanto a ala oportunista pró-russa quanto a posição ignorante dos maoístas, começando por seus líderes de Pequim, ao mesmo tempo em que se devia adotar uma atitude amistosa em relação aos membros do PC que tendiam para o maoísmo e que estavam contra a direção.

A revolução colonial: Argélia

Desmoralizados por sua derrota (em parte devida às condições objetivas, em parte por sua política equivocada) lançaram a culpa disso sobre a classe trabalhadora. Os trabalhadores ocidentais teriam se corrompido pela prosperidade. Entretanto, procuravam um novo talismã que renovasse e ressuscitasse a sorte da Internacional e da classe trabalhadora e o encontraram na revolução colonial.

Os documentos anteriores explicam o significado e a evolução da revolução colonial. Que seja suficiente dizer aqui que as sublevações do chamado Terceiro Mundo surgem da impossibilidade do imperialismo e do capitalismo de desenvolver ao máximo as forças produtivas nestas regiões. Dadas as condições mundiais, como a existência de fortes estados operários bonapartistas e o equilíbrio de forças entre o imperialismo e os países não capitalistas, a evolução nestas zonas tomou uma forma específica. Nestas condições havia que manter implacavelmente as teses da revolução permanente e que se manter à margem de todas as tendências nacionalistas burguesas e pequeno-burguesas, estalinistas e reformistas.

Na Argélia se submeteram quase completamente à bandeira da FLN (Frente de Libertação Nacional), embora sua posição fosse melhor que a dos lambertistas e healystas, que apoiaram ao MNA, que começando de uma posição à esquerda da FLN, terminou como uma agência do imperialismo francês. Dar apoio crítico à FLN era correto, mas subordinar completamente o trabalho de sua seção ao Movimento Nacionalista poderia significar unicamente que as débeis forças sob seu controle seriam perdidas na guerra de libertação. Enquanto mantinham pleno apoio à justa luta pela independência nacional frente ao imperialismo francês, ao mesmo tempo era necessário para os trotskistas argelinos manter a posição do internacionalismo. Somente dessa forma poderia ser ligada a luta pela libertação nacional à luta da classe trabalhadora na França, bem como a possibilidade de uma Argélia socialista ligada à França socialista. A traição das organizações social-democrata e estalinista, na França, que levou a que a Revolução Argelina tomasse uma orientação nacionalista, não era razão para abandonar a linha marxista-leninista sobre a questão.

Deveria ter ficado claro que, no melhor dos casos, depois da vitória sobre os franceses, seria impossível construir uma democracia operária num país como a Argélia. O resultado seria uma versão burguesa ou proletária de bonapartismo. Com quase nenhuma indústria, com a população dizimada pela guerra, com nenhuma classe trabalhadora indígena forte, com metade da população desempregada e sem um partido da classe revolucionária, e, sobretudo, sem a ajuda da classe trabalhadora francesa e internacional, não poderia haver uma solução real, além do afastamento do imperialismo, para o povo argelino.

As ilusões que disseminaram sobre o controle operário nas fazendas agrícolas, abandonadas pela França, mostravam uma total falta de domínio teórico neste tema. O controle operário, por sua própria natureza, deve proceder dos trabalhadores industriais e não das massas semicamponesas que tomaram o controle porque os donos tinham fugido. No melhor dos casos, eram versões primitivas de cooperativas e nem sempre de controle operário. Por sua própria natureza, eram estruturas temporárias sem futuro algum; dado que a revolução socialista não se estendeu às zonas avançadas, elas estavam condenadas a ser uma curiosidade interessante do desenvolvimento social, uma amostra dos esforços instintivos do semiproletariado agrícola.

O golpe de Boumedienne colheu-os de surpresa, embora de uma forma ou outra, um desenvolvimento semelhante dos acontecimentos fosse inevitável na Argélia. Em todos os países coloniais onde a luta pela expulsão dos dominadores imperialistas tinha triunfado, tiveram lugar desenvolvimentos parecidos. Embora tivessem ganhado a independência política, ainda permaneciam economicamente dependentes dos países industrializados. Isto, naturalmente, assinala um enorme passo a frente no desenvolvimento dos países coloniais. Entretanto, a independência nacional com o domínio imperialista dos mercados mundiais, por um lado, e a força do bonapartismo estalinista, pelo outro, significou que novos problemas de formidável caráter foram colocados diante desses povos. A burguesia nacional é incapaz de resolver estes problemas. Assim, nos antigos territórios coloniais da África, nas zonas semicoloniais da América Latina e na maioria dos países da Ásia tomaram o poder regimes militares, de um tipo ou outro. A crise desses regimes forjou um movimento em direção ao bonapartismo, ora proletário ora capitalista.

Dando ênfase à revolução colonial como solução para o problema da IV Internacional, ao mesmo tempo não compreenderam absolutamente a dialética deste processo. Todo o desenvolvimento da revolução colonial tomou um aspecto deformado por causa do atraso da revolução no Ocidente (EUA e Japão, inclusive). A debilidade das forças marxista-leninistas, devido aos fatores históricos já assinalados, teve uma importância enorme neste processo. Isto, por sua vez, significou que, com a maturidade do mundo colonial para a revolução social, isto teria tomado todas as formas de estranhas aberrações. Era seu dever a direção marxista reconhecer o processo e dar uma direção às jovens e débeis forças do marxismo no mundo colonial. Em vez disso, a direção (apesar das lições tiradas por Trotsky e da experiência do Partido Comunista Chinês com o Kuomitang na China, e das ricas experiências da Iugoslávia, China, Rússia e nações africanas) não tirou as conclusões devidas e se inclinou ante a vigorosa revolução colonial. É melhor participar que se opor; mas ser absorvido sem distinção pelos nacionalistas pequeno-burgueses, capitular antes as utopias da classe média, era dissolver a vanguarda no marasmo nacionalista.

América Latina: Cuba

A total ausência de método marxista em suas análises pode ser vista na sua posição ante a revolução cubana. Esta, dizem, é um exemplo do método marxista. Na realidade, o exército de Castro estava unido em torno de um programa democrático burguês e consistia principalmente de trabalhadores agrícolas, camponeses e elementos lumpemproletários. Castro começou como democrata burguês, tendo os EUA como modelo social. A intervenção da classe trabalhadora teve lugar quando a luta entrava em sua etapa final, quando Castro marchava sobre Havana. Os trabalhadores convocaram a greve geral em seu apoio. A queda de Havana significou a derrubada dos odiados exército e polícia de Batista. O poder se encontrava firmemente nas mãos das guerrilhas de Castro.

A evolução do regime em direção à destruição do capitalismo e dos latifundiários não teve lugar com processo consciente e planejado. Pelo contrário, deveu-se aos erros do imperialismo americano, que lançaram Castro pelo caminho da expropriação.

Com 90% da economia nas mãos de capitalistas americanos, a classe dominante americana impôs o bloqueio à ilha, quando Castro apenas estava realizando reformas democrático-burguesas. Os monopólios que controlavam Cuba se opuseram às tarifas aduaneiras que queria impor Castro para financiar as reformas. Embora estes impostos fossem menores que os que tinham de pagar no resto do continente, opuseram-se furiosamente e pediram o apoio de Washington.

Como resposta ao bloqueio, o regime cubano se apoderou das propriedades americanas em Cuba. Isso significava que nove décimos da agricultura e da indústria estavam nas mãos do Estado e, dessa forma, o regime nacionalizou a décima parte restante. Dispunham dos modelos da China, Iugoslávia e Rússia, e estabeleceram o regime segundo esta imagem. Em nenhum momento houve democracia dos trabalhadores em Cuba. O bonapartismo do regime tomou corpo no papel de Castro e nos discursos da Praça da Revolução, onde a única contribuição das massas era dizer “sim” às exortações de Castro. Cuba tem permanecido como um estado de partido único, sem sovíetes e sem controle operário da indústria ou do estado.

Consequentemente tornou-se cada vez mais burocratizada. Era inevitável, dado o isolamento da revolução e a forma em que se tinha desenvolvido. Desarmou-se a milícia dos trabalhadores; a diferença entre os burocratas – particularmente os altos burocratas – e a classe trabalhadora cresce constantemente; o desenvolvimento do aparato do estado acima e independentemente das massas se deu com rapidez. Por trás do cenário, Castro tentou negociar um acordo com o imperialismo americano para conseguir o seu reconhecimento e ajuda; e os acordos são inevitáveis possivelmente no próximo período. Isto encerrará os apelos “revolucionários” que Castro dirige à América Latina. Cuba, na consciência de seus líderes, se restringirá cada vez mais às estreitas praias da ilha, em suas relações com os países e as classes no mundo.

Assim, a burocracia estalinista na Rússia ajuda Cuba com um milhão de libras ao dia, sem as quais o regime não poderia sobreviver. A burocracia da União Soviética não daria um só copeque a um regime de democracia operária. Somente devido a que o regime, em seu esquema básico, se parece cada vez mais aos outros estados operários bonapartistas, a burocracia se pode permitir o luxo da ajuda fraternal a Cuba.

Uma vez cometido um erro teórico pela direção, os erros podem se acumular um depois do outro. Dessa forma, o SUQI está totalmente cego sobre o processo que tem lugar em Cuba. Negam-se a enfrentar a inevitável degeneração e decadência do regime em linhas totalitárias e persistem em seu sonho reacionário de uma Cuba agrícola e atrasada que avança em direção ao socialismo. Aparentemente somente são necessárias reformas menores em Cuba para que seja um modelo de democracia operária! Não se trata de uma revolução política, que significaria o controle da indústria e do estado pelos trabalhadores, mas, novamente, de reformas míticas que instalariam uma democracia dos trabalhadores. O controle da indústria e do estado pelas classes trabalhadoras poderia ser ganho persuadindo Castro de que isto é necessário!

Por outro lado, argumentam da forma mais obscura possível que isto já existe e que de fato Cuba é mais democrática que a Rússia de 1917-20. Na realidade, se Castro apenas tentasse tais atos, seria destituído pela burocracia. Desconsiderando o fato de que, sem qualquer conhecimento teórico, Castro acredita que o regime atual que está construindo é socialismo, não poderia representar o seu atual papel sem desvios teóricos. Mas os sectários, entretanto, sucumbiram ante esta variante de estalinismo, caindo em desvios teóricos ao ceder às pressões da burocracia e à situação.

Até hoje, com a experiência de um quarto de século, essa tendência (o Secretariado Unificado) não aprendeu nada e esqueceu tudo. Repetem na América Latina os erros da Argélia e, em diferentes formas, a avaliação da China, Iugoslávia e Cuba. Agora a Bolívia se converteu no instrumento mágico através do qual se pode transformar a situação mundial. Submergem nas guerrilhas pequeno-burguesas tentando repetir a experiência de Cuba. Castro, o “trotskista inconsciente”, é o novo Messias do marxismo, é o exemplo que desejam emular. Sem levar em consideração a mudança das circunstâncias, as diferentes condições, a vigilância da classe dominante e o imperialismo, apóiam aventuras como as do Che Guevara, tentando injetar artificialmente a guerra de guerrilhas entre os camponeses.

O heroísmo do Che Guevara não deve nos ocultar seus erros teóricos. Tentar repetir nos países da América Latina a política do castrismo em Cuba é cometer um crime contra a classe trabalhadora internacional; a literatura marxista está cheia de explicações do papel das diferentes classes da sociedade: o do proletariado, do campesinato, da pequena burguesia e da burguesia. Isto, aparentemente, é um livro fechado para eles. O marxismo tem explicado que na revolução colonial é o proletariado que tem de desempenhar o papel principal. O proletariado se aglutina cooperativamente no processo de produção. Vê-se obrigado a se unir para se proteger dos exploradores. Esta é a razão por que o proletariado é a única força capaz de consumar a revolução socialista.

Mas até mesmo o proletariado é material de exploração antes que se torne não uma classe em si, mas uma classe para si. Esta consciência se desenvolve com a experiência de classe e em sua luta por melhores condições de vida. Inclusive aqui se necessita do partido e da direção da classe trabalhadora. Os camponeses, a pequena burguesia e o lumpemproletariado não podem desempenhar um papel independente. Onde os intelectuais pequeno-burgueses e ex-marxistas organizam a luta com base na guerra camponesa, o nível de consciência somente pode ser muito baixo. Contudo, se na China e na Iugoslávia o proletariado, a pequena burguesia e o lumpemproletariado, organizados nesses exércitos de libertação nacional, puderam derrubar arraigados regimes semifeudais, deveu-se apenas ao processo histórico que explicamos em muitos de nossos documentos.

É verdade que Lênin tinha visto a possibilidade de que a África tribal passasse diretamente ao comunismo. Mas isto somente se podia fazer com a ajuda e o apoio do socialismo nos países desenvolvidos. Não se poderia realizar com base em seus próprios recursos. As condições materiais para o socialismo não existem em nenhum dos países coloniais; é somente quando elas se dão em escala mundial e com a decadência do sistema mundial do capitalismo, que se podem sentar as bases para a revolução socialista nas áreas atrasadas do mundo. Estes pretensos “marxistas” viram de cabeça para baixo as lições do marxismo. Eles adotam a política dos narodniks e dos socialistas revolucionários na Rússia. Inconscientemente adaptam suas idéias ao papel das diferentes classes sociais. Para Bakunin, os camponeses e o lumpemproletariado eram as mais revolucionárias classes da sociedade. Esta concepção surgiu inteiramente do método e teoria dos anarquistas. Com isto também veio a idéia da propaganda individual através da ação, isto é, do terror e das expropriações individuais.

As guerrilhas e o marxismo

É neste marco que o programa da guerrilha camponesa e, ainda pior, da guerrilha urbana, foi desenvolvido, até mesmo com grande desconfiança dos Partidos Comunistas e reformistas na América Latina. As jovens e débeis forças do castrismo, desorientadas pelos zigzags dos últimos 25 anos, viram-se envolvidas nesta confusão. Na América Latina, deveriam estar ensinando aos elementos avançados da intelectualidade, dos estudantes e, sobretudo, da classe trabalhadora, as idéias básicas e fundamentais do marxismo.

O movimento de libertação nacional e social na América Latina (Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, Guatemala etc.), somente pode vir do movimento das massas trabalhadoras e camponesas. Os atentados, seqüestros desesperados, assaltos a bancos… apenas darão como resultado o extermínio das forças jovens, valentes e sinceras, sem colher apoio entre as massas. Não é para estes elementos lutarem em combates solitários contra as forças da classe dominante, do exército e da polícia secreta, sem relação com a luta real do proletariado para derrubar as corrompidas camarilhas da oligarquia e da polícia.

Pode parecer mais difícil, e em um sentido o é, mas somente organizando a classe trabalhadora, acima de tudo, na luta pela libertação nacional e social, é que se pode consumar uma revolução socialista capaz de se desenvolver em linhas sadias. Devido à multiplicidade de fatores históricos na relação peculiar das forças de classe mundiais, não se pode descartar o possível triunfo de uma guerrilha camponesa, mas então seu modelo não seria o do proletariado como força dirigente da revolução que levou à vitória de 1917, e sim no máximo o de Cuba.

O movimento de massas do proletariado é perfeitamente possível nesses países. As greves gerais no Chile, Argentina, Uruguai, em período recente, prova isto. Uma tendência marxista revolucionária tem de conseguir com essas perspectivas que uma insurreição de massas nas principais cidades possa conduzir à vitória da revolução socialista que, nestas condições, se estenderia rapidamente por toda a América Latina.

É nas lições da Revolução Russa onde têm de aprender e se desenvolver os quadros do proletariado e não nos exemplos da revolução chinesa, cubana ou iugoslava. A idéia de Marx da revolução do proletariado nas cidades, com o apoio dos camponeses, tem de ser o ideal sobre o qual devem trabalhar. A principal tarefa nestes países é explicar pacientemente o papel dirigente do proletariado na luta pelo poder dos trabalhadores e pelo socialismo.

Não é a guerrilha urbana, mas a força das massas de trabalhadores armadas e organizadas que tem de ser contraposta ao estado capitalista. Uma vez convencido desta necessidade, o proletariado tomará as armas necessárias. O exército que é utilizado contra ele, composto principalmente por camponeses, se dispersará ante o movimento de massas e se colocará do lado da revolução. O exército (a tropa) poderá ser ganho com o programa da revolução agrária e da revolução nacional contra o imperialismo, que estão, ambas, incluídas na bandeira do proletariado.

Capitular diante das pressões do anarquismo pequeno-burguês em fase de desaparecimento é trair a missão do marxismo. A tarefa dos marxistas é polemizar, sempre de forma amistosa, com os idealistas, sobretudo com os sinceros, que estão levando a revolução e a si mesmos a um beco sem saída. Há que se empreender uma luta implacável contra os métodos e a política do anarquismo. Longe de fazer isto, os falsificadores da tradição do trotskismo adotaram, com todos os seus acessórios, as idéias dos adversários teóricos do marxismo e seus descendentes degenerados, em vez das claras idéias de classe arraigadas nos séculos de experiência da luta de classes e do movimento de libertação nacional.

Não está na tradição do marxismo apoiar um movimento guerrilheiro camponês, separado e à margem do movimento da classe trabalhadora, que é o movimento decisivo. Os esforços e o trabalho dos marxistas devem se concentrar amplamente nas cidades e entre o proletariado. Embora, naturalmente, sempre e em qualquer circunstância, a luta das demais classes oprimidas deva ser apoiada pelos marxistas.

A discussão sobre as guerrilhas camponesas tem sentido, em última instância, levando-se em consideração a experiência dos últimos 30 anos. Mas, inclusive neste caso, a tarefa dos marxistas não é simplesmente derrubar o regime capitalista, mas preparar o caminho em direção ao futuro socialista da humanidade. Mas precisamente por causa da impotência do campesinato como classe para enfrentar as tarefas do socialismo, seu triunfo inevitavelmente coloca obstáculos neste caminho.

Isto é, a vitória da guerra camponesa, dada a correlação mundial de forças e a crise do capitalismo e do imperialismo em todos os países subdesenvolvidos, somente pode dar como resultado uma forma de estado operário deformado. Não se pode desenvolver o controle consciente dos trabalhadores e dos camponeses com relação à indústria, à agricultura e ao estado, porque os países coloniais e semicoloniais não criaram a base material para o socialismo. A possibilidade de que existam condições tão peculiares é devida à maturidade em escala mundial das forças produtivas para o socialismo. A técnica necessária, a capacidade produtiva e os recursos serão em escala mundial. É isto o que torna possível uma ditadura do proletariado sadia, não somente nas zonas coloniais, mas também nos países onde a revolução nasceu destorcida desde o início, como na China, Iugoslávia e Cuba.

Mas onde a revolução se realizou de forma destorcida ou, no caso da Revolução Russa, de forma correta, mas em condições de atraso e isolamento, o surgimento da ditadura estalinista bonapartista significa que o proletariado e os camponeses nesses países elevaram sobre eles uma elite privilegiada e um aparato de estado independente do controle dos trabalhadores e dos camponeses. Isto significa que têm de realizar uma nova revolução política antes de poder realizar a transição ao socialismo. Na China, Cuba, Rússia… o proletariado terá de fazer a revolução política antes do início do desaparecimento do Estado. Todos estes problemas estão unidos ao futuro da revolução colonial.

Na América Latina, inclinar-se diante de teorias estranhas e suavizar as idéias básicas da revolução permanente significa a mesma coisa que abandonar as idéias básicas do marxismo-leninismo, ou seja, abandonar a tradição marxista. Não manter as idéias básicas do marxismo é o mesmo que se perder no pântano do nacionalismo pequeno-burguês, além de uma grande falta de confiança no poder do proletariado. Acima de tudo, é o abandono da perspectiva da revolução mundial, em que se baseia nosso internacionalismo marxista. O abandono do internacionalismo em troca das façanhas pequeno-burguesas é o abandono do programa marxista.

Na América Latina – particularmente no Brasil, Chile, Argentina, Uruguai e México – é onde têm de serem concentradas as forças do marxismo. Os intelectuais e estudantes, ao romper com suas tradições de classe média e ao entender o impasse do capitalismo e do imperialismo, devem ser educados neste espírito. Unicamente na luta contra todas as demais tendências, o trotskismo poderá preparar os quadros necessários, particularmente entre os trabalhadores avançados, para conduzir a revolução ao triunfo.

Em primeiro lugar, uma crítica firme do desenvolvimento burocrático em Cuba e dos excessos extravagantes do castrismo tem de fazer parte do reequipamento ideológico dos revolucionários na América Latina. Ao mesmo tempo em que defendem as conquistas da revolução cubana e enfatizam seus lados positivos, há que se dar a conhecer suas características negativas, no que diz respeito aos trabalhadores avançados e à juventude. Somente assim se pode combater com êxito o esquerdismo infantil do castrismo na América Latina.

Partidos de massas. Entrismo. Métodos de trabalho

Sobre a questão do entrismo, a política da tendência americana não mais se baseava nos princípios, assim como em qualquer outra parte de sua bagagem ideológica. Na Inglaterra, suscitaram o problema do entrismo logo após o fim da guerra, porque viram, ao mesmo tempo, as condições de recessão e a existência de uma esquerda forte e desenvolvida no Partido Trabalhista! Contra a concepção de Trotsky de ganhar os elementos avançados ao mesmo tempo em que se mantinham firmes os princípios políticos, eles adotaram a política de tentar ganhar os elementos avançados sem a presença de um programa político intransigente. Diluíram o seu programa com o fim de encontrar meios de se adaptarem à direção dos reformistas de esquerda.

Eles não mantiveram em nenhum momento o programa do marxismo, e sim, pelo contrário, adotaram o programa de adaptação aos indivíduos reformistas, que não representavam ninguém, além de si mesmos. Adotaram o que se chama “política de entrismo profundo”. Misturando os fatores objetivos e subjetivos, sem ter em consideração de modo algum o processo de desenvolvimento da consciência das massas, explicando aos seus membros que organizariam a ala de esquerda. Se a questão fosse a de organizar um movimento sobre a base de engodos, manobras e táticas, então a perversão estalinista do marxismo estaria correta.

Deixando de lado a política incorreta, até mesmo com uma estratégia e tática corretas, o desenvolvimento da consciência das massas não é arbitrário, segue suas próprias leis, que dependem do processo molecular da consciência, que se desenvolve sobre a base da experiência dos acontecimentos. A tentativa (que teve êxito parcial) de aparecer como reformistas de esquerda (uma forma de adaptação ao meio) resultou em sua transformação em uma ampla extensão de “reformistas de esquerda”. No longo prazo, esta política é desastrosa e deixa sementes para o retrocesso na direção do ultra-esquerdismo – ambos surgindo, por um lado, da incapacidade de se manter dentro de princípios firmes, e, por outro, da incapacidade de se ver a situação objetiva como ela é e da incapacidade de unir o fator subjetivo com o desenvolvimento objetivo dos acontecimentos.

Por si mesmos, os acontecimentos evidentemente não resolverão o problema da organização; e, por outro lado, a organização se fortalecerá na medida em que haja uma compreensão dos processos objetivos, uma orientação da organização com base no movimento real da consciência entre os trabalhadores avançados. A ala de esquerda como tendência de massas evoluirá sobre linhas reformistas de esquerda e centristas. As forças revolucionárias podem ter um papel no desenvolvimento da ala de esquerda, mas com o movimento de massas serão os confusos centristas ou os reformistas de esquerda que chegarão ao topo. Formarão inevitavelmente a direção em suas primeiras etapas e somente o teste da prática, unida à crítica marxista, levará a sua substituição por quadros marxistas.

Até hoje, os dirigentes da Internacional não compreenderam sequer o ABC deste problema. Na Inglaterra, proclamaram constantemente a guerra mundial imediata todos os anos, fazendo coro à propaganda oportunista dos dirigentes trabalhistas nas eleições gerais de 1951; declararam que a vitória de Churchill significaria uma guerra mundial. Como se o problema da guerra e da paz pudesse ser decidido ao bel prazer de um indivíduo! Dessa forma, em vez de elevar o nível dos trabalhadores, apenas conseguiram confundi-los. Novamente, em 1951, declararam que o problema era entre o socialismo e o fascismo na Inglaterra dentro de 12 meses. Alguém poderia imaginar, ao ler suas publicações e as de outros discípulos da LSO (Liga Socialista Operária), que nunca leram os trabalhos de Trotsky, nem de nenhum outro teórico marxista do movimento das forças de classe.

Não constitui um problema para a classe dominante decidir se, a qualquer momento, vai de automóvel ou de trem; mais apropriadamente é um problema das relações entre a classe média, os trabalhadores e a própria classe dominante.

Não foi apenas na Inglaterra que eles não assimilaram em nenhum momento as lições da experiência, mas em todos os lugares onde exerceram sua tática fracassaram nos objetivos que se tinham proposto.

Isto aconteceu devido ao longo auge econômico dos principais países capitalistas, que levou durante um quarto de século à renovação da social-democracia em países como a Alemanha e a Inglaterra, e do estalinismo em países como a França e a Itália. Devido a este impasse teórico e à própria situação objetiva, o SUQI criou uma teoria de entrismo geral nos partidos social-democratas e comunistas, de acordo com o que fosse mais forte. Esta era a tática correta, dadas as circunstâncias. Mas, infelizmente, como o fizeram na Inglaterra, trabalharam com uma tática oportunista. No PCF e no PCI adaptaram-se ao estalinismo, sem lançar uma firme linha leninista. Inclusive em circunstâncias difíceis teria sido possível contrastar a política dos seus dirigentes com a de Marx e Lênin.

O entrismo se impôs pela situação objetiva e pela debilidade das forças revolucionárias, mas o fizeram de uma forma puramente oportunista. Em conseqüência, não se obteve nada na França e na Itália; abandonaram os partidos comunistas praticamente com o mesmo número com que entraram. Como sempre, oscilaram da adaptação oportunista a uma posição ultra-esquerdista, bloqueando assim o caminho as suas fileiras. Nos partidos social-democratas, capitularam ante os reformistas de esquerda na Alemanha, Inglaterra, Holanda e Bélgica. Isto não podia dar nenhum resultado e, assim, chegaram à conclusão de que estes partidos já não existiam como partidos de massas trabalhadoras, e adotaram com relação a eles uma política totalmente ultra-esquerdista. Infelizmente, o PCF, o PCI e a social-democracia em outros países ainda têm o apoio esmagador da maioria da classe trabalhadora e, como resultado, apenas notaram o desgosto e a marcha desses ultra-esquerdistas.

Keynesianismo em vez de marxismo

Logo ao final da Segunda Guerra Mundial, foram os responsáveis por quase todos os problemas com sua atitude infantil ultra-esquerdista. Negavam a possibilidade de um auge econômico, no pós-guerra, do capitalismo europeu e mundial, que era inevitável, dada a política do estalinismo e do reformismo, que colocaram as premissas políticas para a ressurreição do capitalismo. Declararam que a economia dos países capitalistas não poderia ser reconstruída. Fomos informados de que estávamos enfrentando a recessão do pós-guerra e que o capitalismo não podia encontrar solução! Ridicularizavam os nossos argumentos quando citávamos Lênin para fazer notar que, se não é destruído, o capitalismo sempre encontra uma saída. Quando suas afirmações foram desmentidas pelos acontecimentos, eles solenemente pontificavam “marxisticamente” que “havia um teto na produção”, este teto seria o nível mais alto que o capitalismo tinha alcançado no período anterior à guerra. Para desgraça de nossos economistas “marxistas de estilo próprio”, o “teto” foi rompido logo, com o auge da economia mundial.

Declararam ser impossível que o imperialismo americano ajudasse os seus rivais. Como poderia os EUA sustentar os seus rivais? Riam ironicamente. Iriam os filantropos capitalistas manter os seus concorrentes? Em outras palavras, não tinham o mais longínquo conhecimento das relações de força entre as classes e os países, da correlação de forças entre os EUA e a Rússia. Sua análise estava no nível da análise dos estalinistas do “terceiro período” sobre o capitalismo dos anos 1930.

Tempos novos; deuses novos. Nos anos seguintes, em conseqüência da derrocada de suas teorias, deram uma nova virada. Não que sua análise fosse incorreta, mas que, evidentemente, o capitalismo tinha mudado. Secretamente, acreditavam que já não era válida a análise marxista da crise. Sem se atreverem a declarar isso abertamente, por medo de serem denunciados como revisionistas, aceitaram, contudo, os postulados básicos do keynesianismo, de que a depressão poderia ser evitada com a intervenção do estado e com o financiamento do déficit. Isto aparece em seus documentos econômicos durante um período de duas décadas. Está claramente estabelecido em seu documento do Congresso Mundial de 1965: A evolução do capitalismo na Europa Ocidental e as tarefas dos marxistas revolucionários.

Citamos: “Se este auge continua em 1965 e na primeira metade de 1966, é provável que não haja nenhuma recessão na Europa Ocidental. Se, pelo contrário, começar a recessão nos EUA em 1965 ou em princípios de 1966, é provável que isto coincida com uma recessão geral na Europa Ocidental e que, pela primeira vez desde a Primeira Guerra Mundial, terá lugar a sincronização dos ciclos econômicos de todos os países capitalistas importantes. Inclusive no último caso, somente haveria uma recessão e não uma crise econômica como a de 1929 ou 1938. A razão disto, considerada amplamente em documentos anteriores da Internacional, é a possibilidade que tem o imperialismo de “amortizar” as crises aumentando os gastos do estado à custa de rebaixar constantemente o poder aquisitivo do dinheiro” (o grifo é nosso).

Esta posição hoje é rechaçada universalmente pelos próprios economistas burgueses sérios. Os membros do SUQI não explicaram a evolução do auge econômico, mas, pelo contrário, adaptaram-se às pressões dos “teóricos” burgueses (para uma explicação mais completa ver Haverá uma recessão e Perspectivas Mundiais). Mudaram sua posição nisto também, agora que aquelas idéias estão completamente desacreditadas. Os acontecimentos econômicos os colheram totalmente de surpresa e, portanto, se adaptaram a todas as correntes da social-democracia, do estalinismo e, inclusive, das correntes burguesas do pensamento, uma mistura totalmente eclética que faziam passar por teoria marxista.

Os problemas da guerra

Em nossos documentos do pós-guerra explicamos que não existia a iminência de uma nova guerra mundial interimperialista ou uma imediata guerra mundial contra a União Soviética, devido à onda revolucionária subseqüente à Segunda Guerra Mundial. A burguesia da Europa Ocidental somente se podia consolidar por meio da concessão de direitos democráticos e, em conseqüência, permitindo a existência e o fortalecimento de poderosas organizações de massas dos trabalhadores. Consequentemente, as condições políticas prévias para um assalto à União Soviética ou à revolução chinesa não existiam. Ao mesmo tempo, poucos anos depois de terminada a Segunda Guerra Mundial, devido à desmobilização forçada das forças anglo-americanas, por pressões dos soldados e da opinião das massas de seus países, a correlação de forças, no que dizia respeito às forças convencionais, tinha mudado drasticamente em favor da URSS.

Com 200 divisões mobilizadas, contra um pouco mais da quarta parte disso à disposição dos países ocidentais, se chegasse uma guerra convencional na Europa, os russos varreriam até mesmo mais depressa do que as forças de Hitler varreram a França, e ocupariam toda a Europa Ocidental. Com uma superioridade esmagadora em tanques, aviões e armas, as forças que poderiam mobilizar as potências ocidentais seriam varridas em questão de dias na Alemanha e em questão de semanas na França.

Na Ásia, a China era a maior potência militar do continente e, aqui também, com todo o poder da guerra revolucionária ou semi-revolucionária ganhando os camponeses, as forças chinesas poderiam se estender igualmente por toda a Ásia.

Como resultado, o equilíbrio mundial de forças mudou drasticamente em prejuízo do imperialismo. Sem ter aprendido nada na escola de Lênin e Trotsky, estes “dignos estrategistas” somente podiam continuar repetindo o clichê: “capitalismo significa guerra”, como o teria entendido uma criança de 12 anos que lesse os trabalhos de Lênin. Mas este clichê não diz nada sobre quando, como e em que condições explodirá a guerra mundial. Particularmente na etapa moderna, a guerra não somente é um problema de relação entre potências, mas também, e acima de tudo, de relação entre as classes. Somente com um enfrentamento sangrento e decisivo com os trabalhadores, seria possível esta guerra mundial. As derrotas dos trabalhadores na França, Itália e Espanha prepararam o caminho à Segunda Guerra Mundial, devido à destruição de suas organizações de classe. Depois da guerra, o poder dos trabalhadores cresceu enormemente e, portanto, os imperialistas têm que ser prudentes.

É verdade que guerras locais contra a revolução colonial e entre potências menores tiveram lugar constantemente desde a guerra mundial. De forma semelhante, depois da Primeira Guerra Mundial houve a cada ano uma guerra até o holocausto final de 1939. Além de todos estes fatores existe o problema dos meios de destruição nuclear e outros não menos mortíferos. Os capitalistas não compreendem a guerra pela guerra, e sim para estender o seu poder, suas rendas e lucros. A idéia da guerra imperialista não é a de aniquilar o inimigo, mas de conquistá-lo. Destruir o inimigo e se destruir a si mesmo, não têm o menor proveito. Se, para destruir a classe trabalhadora, é necessária uma guerra nuclear, isto seria como matar a galinha dos ovos de ouro. A destruição mútua seria também a destruição da classe dominante. Portanto, são somente os regimes totalitários fascistas, completamente desesperados e desequilibrados, os que podem tomar este caminho. E este é, novamente, um problema da luta de classes. O burguês não entregará facilmente o seu destino nas mãos de novos maníacos ditatoriais, como Hitler ou Mussolini. Em todo caso, antes de fazê-lo seria necessária a derrota sangrenta do proletariado.

Dessa forma, trabalhar com a perspectiva da guerra mundial, na verdade, não somente mostrava a falta de compreensão das forças sociais e militares implicadas, como também era a conseqüência de um profundo pessimismo. Imaginar que uma guerra poderia resolver os problemas da revolução socialista era ser tão instável quanto os estalinistas, que imaginavam que, na Alemanha, a chegada ao poder dos fascistas prepararia o caminho para o socialismo. Na verdade, a irrupção da guerra mundial significaria uma derrota decisiva para o proletariado.

Um holocausto nuclear significaria com toda a probabilidade a mútua aniquilação de países e classes. No máximo, punhados de sobreviventes poderiam ter êxito na criação de algumas formas de estado escravista e iniciariam mais uma vez o necessário desenvolvimento das forças produtivas materiais que, com a classe trabalhadora, são os requisitos absolutamente necessários para o socialismo. Os posadistas apenas levaram ao extremo as idéias de Pablo, Hansen, Mandel, Healy e companhia.

Em qualquer caso, eram incapazes de ver as contradições que ainda existem entre os próprios imperialistas. As potências imperialistas da Europa Ocidental, incluindo a Inglaterra, não estavam interessadas na vitória abstrata do capitalismo ou do imperialismo americano, e sim na vitória de seus interesses nacionais de classe. Uma guerra mundial significaria, no melhor dos casos, a destruição da Europa Ocidental, como foram destruídos o Vietnam e a Coréia pelos bombardeios americanos. Portanto, estas potências não têm o menor interesse numa guerra que não poderiam ganhar e que seria disputada dentro de seus territórios, o que, no caso mais favorável, apenas beneficiaria ao imperialismo americano.

Uma guerra convencional seria uma visão ameaçadora para os americanos. Iniciá-la em Calais e, depois, levá-la através do continente até Xangai, Calcutá e Vladivostok, seria coisa impossível. A guerra mundial nuclear significaria pela primeira vez uma guerra mundial em solo dos EUA. Significaria a destruição de sua própria base, das cidades e do poder industrial dos EUA. Dessa forma, o tema da “guerra-revolução” não somente é reacionário, também é uma fantasia. A posição dessa tendência mostrou uma completa ignorância dos verdadeiros fatores sociais com relação à guerra, um problema que não compreenderam até hoje. Em cada crise, em cada conflito entre o imperialismo americano e a URSS, lançaram o grito do “iminente Armagedon”.

Na verdade, tanto a guerra da Coréia quanto a do Vietnam, assim como as demais guerras depois da Segunda Guerra Mundial, eram localizadas e limitadas por um acordo deliberado entre o imperialismo e a burocracia da Rússia e da China. Por todo um período, o imperialismo esteve na defensiva contra as incursões da revolução colonial e da força militar, industrial e estratégica da URSS e da China.

Ultra-esquerdismo e “estudantismo”

Tendo obtido pequenos resultados com sua versão da política do entrismo, eles agora giraram para uma orientação ultra-esquerdista nos países capitalistas no Ocidente. Não tendo tirado uma lição correta da experiência do entrismo na social-democracia e nos partidos comunistas, agora avançaram para políticas ultra-esquerdistas na Alemanha, França e Itália. Entretanto, eles se arranjaram para combinar isto com medidas oportunistas. O governo de Wilson representou o advento de um “governo social-democrata de esquerda”, como um de seus partidários escreveu na Inglaterra. Sua opinião foi calorosamente apoiada por seus partidários na Inglaterra. Os acontecimentos em breve os desiludiram a este respeito. Ao mesmo tempo, tiveram êxito em encontrar uma diferença fundamental entre o governo de Wilson, na Inglaterra, e o governo de Willy Brandt, na Alemanha Ocidental.

O ecletismo não poderia ir mais longe. As diferenças entre indivíduos não são importantes, mesmo supondo que houvesse alguma diferença pessoal entre Brandt e Wilson. Na Inglaterra, ao conduzir uma política oportunista no Partido Trabalhista, havia somente um passo para posteriores e estéreis aventuras à esquerda.

Na Alemanha, negaram-se a participar nas massivas Juventudes social-democratas e, em troca, dirigiram a sua atenção em direção ao movimento estudantil. Era necessário prestar certa atenção aos estudantes, mas com o objetivo principal de educá-los para que pudessem compreender a necessidade de se voltarem para o movimento dos trabalhadores. A classe trabalhadora alemã, como os seus irmãos da Inglaterra, tem de passar pela experiência de um governo social-democrata para compreender que o reformismo não pode resolver os seus problemas. A classe trabalhadora alemã, que tinha sido lançada para trás com a experiência do fascismo e com as políticas do reformismo e do estalinismo, somente se pode educar em linhas revolucionárias testando os seus dirigentes na experiência de governos reformistas.

Novamente, elementos valiosos entre os estudantes foram deseducados com o abandono dos princípios marxistas. Isto significa que, em uma etapa posterior, ficarão desiludidos e irão embora. Então, culparão os trabalhadores dos seus próprios defeitos. Nisto, como em tudo o mais, essa tendência se arranjou para obter os piores resultados da experiência. Na Alemanha, a tarefa principal teria sido a de se aproximar dos trabalhadores social-democratas, particularmente de sua juventude, tarefa que são incapazes de realizar devido aos erros no passado.

Não somente na Alemanha, mas também na Itália, França, EUA e em todo o mundo, essa tendência caiu no que se pode chamar de “estudantismo”. O aspecto progressista da ruptura estudantil com a ideologia burguesa, que se converteu num fenômeno mundial, tem de ser reconhecido e utilizado para levar os estudantes às idéias do marxismo. Acima de tudo, havia de se explicar aos estudantes que este fenômeno é um aspecto da crise social do capitalismo. É um sintoma do movimento em direção à esquerda que está tomando em geral uma perspectiva mundial. Nos países coloniais, nos países capitalistas desenvolvidos e nos estados operários bonapartistas, observa-se o mesmo fenômeno.

É o barômetro da crescente crise social, mas a não ser que se enraíze nos sindicatos e no movimento da classe trabalhadora está condenado a ser estéril e ineficaz. A não ser que os estudantes adquiram a disciplina das idéias e do método marxista, o movimento será estéril e degenerará em diversas formas de utopia e anarquismo. Os estudantes podem dar uma ajuda valiosa para a difusão das idéias revolucionárias, mas somente com base nas idéias marxistas e na compreensão das limitações dos estudantes e de seu papel social.

Os acontecimentos de maio de 1968 na França proporcionam uma nova e talvez decisiva prova para todas as tendências do movimento revolucionário. A verdadeira prova para os revolucionários é a revolução. Neste crisol, o ouro das idéias revolucionárias se separará logo das ligas e elementos inferiores. Uma vez que negaram a possibilidade da revolução no Ocidente por todo um período, é natural que os acontecimentos na França tenha-os colhido de surpresa. Tendo começado com um profundo pessimismo com relação às potencialidades da classe trabalhadora nos países ocidentais, passaram ao ultra-esquerdismo mais irresponsável.

A total falta de compreensão do papel decisivo dos partidos comunistas no período seguinte condena-os ao sectarismo total. Imaginar que os processos revolucionários, que começaram a se desenvolver na França, teriam desenlaces em questões de dias ou semanas era não compreender o ABC da revolução. A debilidade das forças revolucionárias como fator da situação e a necessidade de se aproximar das massas do Partido Comunista não foram levadas em consideração. Em seu lugar, a necessidade de se congratular com as idéias vagas e elementares da esquerda estudantil os conduziu à realização de toda uma série de movimentos ultra-esquerdistas. O boicote às eleições e o boicote às eleições estudantis subseqüentes eram simples irresponsabilidade que somente favoreceria a sua utilização pelo Partido Comunista, onde se encontra enquadrada a maioria esmagadora da classe trabalhadora.

Eles não levaram em consideração o fato de que o Partido Comunista pudesse recuperar as suas forças, apresentando-se como alternativa ao partido gaullista. Até então não tinham preparado os seus seguidores para um novo e inevitável período de frente popular, que a burguesia utilizaria como meio para romper a nova ofensiva da classe trabalhadora.

Nossa tendência analisou o desenvolvimento da revolução na França, que apenas está em seu início, em outros documentos; portanto, não é necessário repetir aqui as nossas idéias. Mas é importante acrescentar que todas as tendências da esquerda revolucionária estão em decadência na França neste momento, devido a sua falta de análise e compreensão do fluxo e refluxo da revolução e de que momentos de calma e inclusive de reação prepararão o caminho para a mobilização das massas e para uma ofensiva renovada por parte da revolução.

Os acontecimentos na França (e em todos os países onde o partido comunista é a parte mais importante da classe trabalhadora) indicam que somente uma divisão massiva do partido comunista pode preparar o caminho para o desenvolvimento de um partido revolucionário de massas como alternativa. Nos países onde a social-democracia é a força dominante, podem-se tirar conclusões semelhantes. A experiência histórica das cinco ou sete últimas décadas indica a correção desta análise.

As resoluções do penúltimo congresso em que foi expulsa a seção inglesa, e o documento de nossa expulsão, mostram sua capacidade de não tolerar uma tendência verdadeiramente marxista e honrada em suas fileiras. A negativa de discutir ou de tolerar uma ala marxista entre suas fileiras é a indicação dos processos reais dessa organização e de sua tendência em direção aos sectários pequeno-burgueses, à utopia e ao oportunismo.

A história da organização no Ceilão proporciona uma lição instrutiva do que pode acontecer quando não se tiram lições da experiência. Esta organização era a única organização de massas da IV Internacional e, também, o partido de massas da classe trabalhadora do Ceilão. Mas, precisamente por isto, foi vítima de todas as tendências degeneradas, de todas as pressões de forças de classes hostis, a que estão sujeitas todas as organizações de massas. A política incorreta durante mais de 25 anos da chamada direção internacional significa que, com respeito ao Ceilão, não tinham nenhum controle sobre o MP ou sua direção. Sendo pequenos grupos na maior parte do mundo, somente podiam ter mais autoridade política do que organizativa. Tendo fracassado nisto, suas débeis tentativas e gestos organizativos somente podiam ser tratados com desprezo. Sua ação precipitou o apoio para uma expulsão imediata, quando o PLSS adotou uma posição oportunista com relação ao governo de coalizão, o que somente podia isolar os elementos revolucionários e torná-los inoperantes e ultra-esquerdistas.

A conseqüência foi o reforço da posição do PLSS, a decadência e as divisões na seção, que se separou. A tarefa imediata de qualquer grupo dentro ou fora do PLSS teria que estar enfocada na direção das organizações de massas dos trabalhadores, neste caso o próprio PLSS. A autoridade política somente é conquistada através da demonstração da correção de nossas idéias revolucionárias, de nosso método e análise. Naturalmente isto é algo que falta notavelmente em sua atuação. Tentaram substituir esta autoridade genuína e real por uma série de medidas administrativas, que tiveram como resultado uma série de divisões humilhantes e debilitadoras.

A necessidade da teoria marxista

No penúltimo congresso, eles lançaram uma “nova” teoria, a do capitalismo e do estado “forte”. Era uma extensão da teoria de que os estados bonapartistas estavam na ordem do dia na Europa Ocidental. Que o capitalismo já não podia admitir a existência da democracia e, portanto, seriam estabelecidos regimes ditatoriais na Europa Ocidental.

Na França, Alemanha e Inglaterra, em todos os lugares, a burguesia ia substituir a democracia por regimes bonapartistas. Esta análise não levava em conta a força da organização da classe trabalhadora, a mudança da relação de forças entre as classes, a vacilação da pequena burguesia e que, nestas condições, estando a burguesia muito longe de poder impor a sua vontade na sociedade, a tendência era em direção à esquerda.

A tentativa de impor a política de contenção de preços e salários fracassou nos principais países capitalistas. Longe de o estado assumir poderes ditatoriais, exceto na Grécia (por razões particulares), a tendência tem sido em sentido oposto ao que eles propugnavam.

Em alguns países, tem havido a radicalização de massas, mas em nenhuma parte tem sido possível para a burguesia impor o seu mandato por meio de um estado policial-militar (bonapartismo). A radicalização do movimento estudantil, no qual depuseram tantas esperanças, é um movimento em direção oposta. O único recente estado “forte” da Europa, o de De Gaulle, foi derrubado pelo primeiro movimento de massas real da classe trabalhadora francesa. Em qualquer caso, o bonapartismo de De Gaulle era a forma mais democrática de bonapartismo que já existiu e, não por casualidade, sua debilidade era a expressão do enorme poder latente da classe trabalhadora.

O próprio desenvolvimento da indústria significou, por sua vez, um enorme reforço do poder da classe trabalhadora. Antes que possa haver um movimento em direção à reação, terá que haver um enfrentamento sangrento com a classe trabalhadora. Mas isto significaria, por sua vez, colocar o destino da burguesia como parte da luta; portanto, é muito difícil que a burguesia opte por este caminho. Não há organizações fascistas fortes em nenhum lugar, como existiram no período anterior à guerra, nos anos trinta. Depois da experiência dos maníacos fascistas, somente em situação extrema a burguesia se colocará em suas mãos.

Por outro lado, um estado “forte” em sua forma bonapartista não é capaz de se manter sem uma base de massas por muito tempo. Por isto, o fato de que haja algumas leis e métodos reacionários por parte do estado burguês não quer dizer que exista uma ditadura policial-militar. Em todo o mundo burguês, no crepúsculo do capitalismo, não há estados “fortes”, mas estados paralisados e extremamente débeis aos que tem de enfrentar a classe trabalhadora e o movimento revolucionário na Europa Ocidental.

Toda a tática da chamada oposição extra-parlamentar na Alemanha, França, Itália e Inglaterra é de mera oposição verbal. São mais indícios de idéias anarquistas e de classe média que marxistas. A tarefa dos estudantes e dos radicais em geral é a de se educarem eles próprios, em primeiro lugar, com as idéias do marxismo revolucionário, em vez de declarações de romantismo revolucionário, e de se aproximarem das massas. A capitulação dessa tendência à radicalização verbal é a expressão de sua total falta de compreensão da dialética da luta de classes e dos métodos de conscientização da classe trabalhadora. A tarefa é a de manter, ao mesmo tempo, a intransigência teórica e a flexibilidade tática para se aproximar da classe trabalhadora.

Historicamente, o movimento marxista tem sido empurrado para trás devido a seu isolamento do movimento de massas.

Em um aspecto tivemos sorte, historicamente. Se, em vez de pequenas seitas, eles tivessem organizações de dez mil ou 50 mil membros na França, EUA e outros países, enormes prejuízos teriam causado ao movimento de massas, devido ao curso ultra-esquerdista deste grupo e dos que se encontram em seu entorno. Teria sido como a política do Comintern em sua fase ultra-esquerdista dos anos 1930, quando a política, as atitudes de iluminados frente às organizações de massas, resultaram no isolamento da classe trabalhadora. A vitória de Hitler na Alemanha foi preparada neste caminho. A seu modo, as peculiaridades de todas as tendências na França têm facilitado enormemente a recuperação do prestígio e do poder sobre a classe trabalhadora dos dirigentes dos partidos comunistas e reformistas. Em outros países, eles têm ajudado com êxito a isolar os estudantes do movimento dos trabalhadores.

A vulgaridade teórica e os erros políticos fundamentais da camarilha que reclama a representação da IV Internacional os mantêm isolados das massas. Tendo aprendido muito pouco da escola de Trotsky, foram incapazes de reorientar o movimento nos grandes acontecimentos. Se tivessem realizado uma autocrítica honrada de seus erros nesta época e analisado em profundidade os mesmos e seus motivos, poderiam ter construído um movimento sobre bases firmes. Mas tendo queimado os dedos repetindo o que eles pensavam ser receitas de Trotsky, esses “cozinheiros” decidiram que “o livro de cozinha da revolução” não era bom e trataram de atirá-lo pela janela sem mais cerimônias. Eles abandonaram as idéias teóricas do marxismo e procederam puramente na base do empirismo e do impressionismo.

Nossa tarefa, em nível nacional e internacional, é basicamente a mesma das duas últimas gerações. Esta tarefa é a defesa e extensão das idéias revolucionárias básicas do marxismo. A razão da degeneração das seitas – e a mais importante de todas é a que se agrupa sob a bandeira da seção dos EUA – está no desenvolvimento histórico de nosso tempo. A pressão do capitalismo, do reformismo e do estalinismo, em um período de auge capitalista no Ocidente, de consolidação temporária do estalinismo nele, do desvio das revoluções coloniais devido aos fatores mencionados… todos esses fatores, conforme temos explicado nas páginas anteriores, foram as causas da degeneração de todas as seitas que se pretendem da IV Internacional.

A questão não é ter cometido um erro, visto que até as tendências mais revolucionárias e clarividentes cometerão erros. Mas a repetição continuada, o contínuo zigzag entre o oportunismo e o ultra-esquerdismo, deixa de ser um erro para ser uma constante. Essa tendência que estamos analisando, como antes dela os reformistas e os estalinistas, nega-se a analisar os seus erros para corrigi-los. Uma tendência desse tipo nunca poderá cumprir as tarefas colocadas pela história, não poderá continuar as tradições do bolchevismo, do trotskismo. Elas são o esterco da história, que, não sendo arado nos campos, não pode dar frutos revolucionários, mas que, deixado à margem, começa a feder. Muitos dos elementos mais jovens podem conseguir romper com este ambiente venenoso e ajudar a construir a nova internacional.

Para uma pequena tendência revolucionária é absolutamente necessário manter as idéias básicas, ampliando-as consciente e abertamente com base na prática. Sem isto a tendência morrerá como força revolucionária. Se uma tendência não pode aprender da experiência, dos fatos, estará condenada a continuar sendo sempre uma seita e a provocar derrotas posteriores e a desintegração do movimento dos trabalhadores. Os erros são penosos, mas não reconhecê-los, fatal. Lênin e Trotsky corrigiam meticulosamente até o menor detalhe qualquer erro teórico. Os estalinistas e os reformistas têm organizações de massas, os marxistas têm a teoria revolucionária que mudará historicamente de uma pequena qualidade a uma quantidade revolucionária. Sem organizações de massas nem teoria revolucionária não há futuro nenhum.

O fracasso das forças do trotskismo em construir uma Internacional viável pode se entender na base da experiência da época. Ao mesmo tempo, revolucionários e contra-revolucionários, com o proletariado enfrentando obstáculos formidáveis na forma de organizações social-democratas e estalinistas, era inevitável que grandes dificuldades surgissem no processo de criação de uma internacional revolucionária.

O novo período aberto pela revolução francesa começa uma etapa completamente nova no desenvolvimento do proletariado. A iniciativa e a ação de massas colocarão à prova as poderosas organizações do estalinismo e da social-democracia. Nestes acontecimentos, surgirão nas organizações de massas tendências revolucionárias ou quase revolucionárias. Mas aquelas organizações estão condenadas a uma série de divisões catastróficas, tanto à direita quanto à esquerda. No curso dessa experiência, os trabalhadores colocarão à prova não somente as organizações de massas estalinistas e reformistas, como também todas as variedades do sectarismo e tendências centristas-maoístas, castristas, guevaristas e outras tendências que proliferaram porque não houve um pólo de atração revolucionário das massas. Os acontecimentos exporão politicamente a inadequação e a ineficácia de todas as variedades de reformismo e estalinismo. As jovens forças da nova geração, não somente entre os estudantes, mas, o que é muito mais importante, entre a classe trabalhadora, procurarão o caminho revolucionário.

Com base nos acontecimentos, formar-se-ão tendências revolucionárias de massas nos países do Ocidente, onde a corrente principal é o estalinismo nos partidos comunistas e onde os reformistas são a tendência de massas nos partidos social-democratas. O período que Trotsky pensava que ocorreria no período anterior à guerra abre-se agora em circunstâncias históricas diferentes. As idéias do marxismo, que temos mantido durante toda uma geração, começarão a ter audiência entre as massas.

Em nível nacional e internacional, as idéias dos marxistas podem conquistar o apoio das massas. Esta luta para construir o movimento terá seu efeito em nível internacional. Nossa tarefa é a construção de uma corrente que tenha os recursos e a autoridade para conseguir audiência entre os elementos avançados de todo o mundo. É impossível detalhar os caminhos para se fazer isto, mas com ímpeto e iniciativa poderemos conseguir estender nossa influência.

Nos dias obscuros da Primeira Guerra Mundial, os marxistas ficaram reduzidos a pequenos grupos, apoiando-se nos fatos históricos realizaram uma revolução vitoriosa na Rússia em 1917 e prepararam o caminho para a construção de partidos revolucionários de massas. Historicamente, os bolcheviques mantiveram rigorosamente as idéias revolucionárias devido à influência de Lênin e Trotsky. Nos últimos anos de contracorrente histórica, as idéias foram deixadas de lado. Numa época histórica nova, as idéias ganharão audiência de massas reforçadas pela rica experiência do último quarto de século. As outras tendências que se pretendem trotskistas serão postas à prova. Ficarão reduzidas a cinzas sob o fogo dos acontecimentos.

Por um lado, o capitalismo se encontrará em um beco sem saída no mundo desenvolvido e subdesenvolvido. O estalinismo, por outro, revela cada vez mais nos países não capitalistas a sua incompatibilidade com a nacionalização e com a economia planificada. Este beco sem saída da burguesia e da burocracia estalinista reflete-se na pobreza de seus teóricos na política e na economia. O colapso dos estalinistas em grupos nacionais, nos países onde têm o poder e nos países em que se encontram na oposição, indica o fracasso do estalinismo.

Por outra parte, o reformismo demonstrou seus efeitos funestos nos países onde governa e onde se encontra na oposição. O domínio do movimento dos trabalhadores por estas tendências estendeu sua influência corruptora até as pequenas e débeis tendências do trotskismo. Para eles não existe saída; mas, com base na grande ascensão revolucionária que se avizinha, a juventude será atraída pelas idéias do marxismo. Os bolcheviques em 1917, embora não existisse uma Internacional revolucionária, realizaram sua revolução com o método, as idéias e em nome da internacional. Eram profundamente internacionalistas. A maior tarefa internacional dos marxistas revolucionários é a construção de uma poderosa tendência revolucionária, imbuída dos princípios e tradições do internacionalismo, que possa preparar o caminho para a criação da IV Internacional.

Como se organizará a Internacional?

Lênin e Trotsky tiveram a oportunidade de assinalar muitas vezes que se um erro não for corrigido, poderia se transformar numa tendência. A análise deste documento mostra que, durante 25 anos, o SUQI tem oscilado de um erro a outro. De uma política errada ao seu oposto, e logo a um maior nível de erros novamente. Esta é a marca de uma tendência inteiramente pequeno-burguesa. No que diz respeito a este grupo, pelo menos a sua liderança, isto se tornou agora orgânico. Toda a sua perspectiva tem sido modelada pelos erros de um quarto de século que fazem parte de seus métodos de pensamento, de seus hábitos de trabalho e de toda sua perspectiva. Chamar essa tendência de centrista seria um elogia que a dignificaria.

No caso da II Internacional, que é um movimento de massas, a sua degeneração pode ser explicada pelas pressões da sociedade durante toda a história da última parte do século XIX e início do XX. Mas também se explica pelo distanciamento entre a direção e a base, e entre esta e o movimento de massas.

A III Internacional surgiu da tendência de massas mais revolucionária que já se conheceu no mundo; uma tendência de massas internacional e revolucionária. Numa época revolucionária (ao mesmo tempo revolucionária e contra-revolucionária), a degeneração da Internacional, deixando de lado o problema do partido russo, foi explicada em muitos documentos como resultado da pressão da burocracia e de sua elevação sobre as massas. Internacionalmente, a degeneração da III Internacional começou com a negativa a aprender e analisar as lições dos acontecimentos e a corrigir os erros da direção estalinista. Este, entre outros fatores, não foi o menos importante.

O trotskismo, a tendência mais honrada e revolucionária da história, começou o seu trabalho, sobretudo, com uma análise deste processo. Começando sem as amplas massas somente poderia ter êxito como tendência revolucionária com uma atitude séria ante a teoria e os acontecimentos. Esta era a lição dos trabalhos de Lênin e, talvez ainda mais, dos trabalhos de Trotsky no período de decadência e degeneração teórica da Internacional Comunista. Abandonando esta valiosa herança, e sem a correção da pressão revolucionária das massas, o SUQI, e outras tendências como ele, tornaram-se irresponsáveis. Os problemas teóricos não eram considerados com seriedade e passaram a fazer parte de caprichos arbitrários no seio da camarilha dirigente. Vinte e cinco anos desse processo demonstraram que são organicamente incapazes de realizar a transformação organizativa e política na direção do marxismo.

Seria um trabalho desagradável documentar as manobras organizativas dessa tendência zinovievista. Que seja suficiente mencionar aqui o documento que publicamos sobre a expulsão da então seção inglesa no congresso de 1965. Lênin chamou ironicamente a II Internacional de uma agência de correios. Essa camarilha não pode ser chamada sequer disto.

Como se construirá, então, a Internacional? Temos assinalado muitas vezes que a internacional será construída baseando-se nos acontecimentos. A internacional surgirá do desenvolvimento da crise dos partidos de massas social-democratas e estalinistas e do seu aproveitamento. Os acontecimentos no Leste e no Ocidente se influenciarão mutuamente. Mas, sobretudo, é o desenvolvimento dos países industriais chaves que será decisivo. Abre-se um novo período na história do capitalismo no Ocidente e na história do estalinismo no Leste. Os acontecimentos de maio de 1968 na França e de 1969 na Itália são apenas o início. O contorno da crise na relação entre as classes, não apenas na Europa, mas também no Japão e nos EUA, além de outros centros importantes, começa a se revelar atualmente.

Sob as marteladas dos acontecimentos, o desenvolvimento de grupos centristas de massas é inevitável, nos partidos estalinistas e reformistas. As divisões massivas dessas tendências estarão na ordem do dia na próxima década ou nas próximas décadas. Os acontecimentos na Rússia podem mudar a situação internacional. Também será assim nos EUA e em outros países industriais do Ocidente. Com o desenvolvimento de grupos centristas de massas, com um grande número de trabalhadores exigindo uma direção revolucionária, será este um método favorável para a recepção das idéias marxistas. Temos de tentar chegar a esses elementos internacionalmente com as idéias e métodos de Trotsky.

A partir dessas forças de massas em desenvolvimento, nessas organizações, surgirá a Internacional. Os grandes acontecimentos tornarão as nossas idéias e políticas mais aceitáveis para essas camadas, particularmente para os trabalhadores. Chegar a esses elementos é uma parte importante de nosso trabalho futuro.

Os acontecimentos também farão com que os elementos mais jovens e inteligentes de outras organizações, que se pretendem trotskistas, sejam receptivos as nossas idéias. Muitos dos elementos jovens serão ganhos nessas circunstâncias.

Será novamente como a revolução espanhola, mas com uma crise orgânica do estalinismo e do reformismo, que os acontecimentos farão aflorar à superfície, e que preparará as bases para a ofensiva da classe trabalhadora em escala internacional. Hoje a classe trabalhadora espanhola é muito mais forte que em 1936 e a reação internacional muito mais débil. Isto favorecerá o processo. Depois de um período de derrota e reação, assim como de importantes conquistas e vitórias, de uma forma ou de outra, haverá um salto a frente dos trabalhadores e o caminho para a formação de tendências centristas estará preparado.

A revolução russa se desenvolveu durante nove meses, devido fundamentalmente à força do bolchevismo. A revolução espanhola se desenvolveu entre seis ou sete anos, devido à debilidade das forças revolucionárias. Neste longo processo teremos a oportunidade de intervir mais ativamente, para ganhar a direção das massas. Os elementos revolucionários que surgirão dentro dos partidos centristas de massas buscarão idéias revolucionárias e políticas e métodos de trabalho consistentes.

O bolchevismo cresceu internacionalmente através da vitória da Revolução de Outubro. Esta, por sua vez, dependia da organização do partido russo, tanto quanto das idéias teóricas e da política de Lênin e Trotsky. Enfrentamos hoje um processo semelhante, guardando as proporções, em que ainda temos de superar a prova da história e construir uma tendência de massas.

Maio de 1970