Valparaíso (GO), 06/10/2024 - Eleitores durante dia de votação nas eleições 2024. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

O que dizem as eleições municipais de 6 de outubro no Brasil?

A época inaugurada pelas Jornadas de Junho de 2013 no Brasil segue desenvolvendo-se. A república pactuada após a ditadura militar com base na Constituinte de 1988 ruiu. A classe burguesa dividiu-se significativamente sobre como lidar com a luta de classes e com o teatro da democracia burguesa. As novas gerações da classe trabalhadora não reconhecem mais o PT como sua direção. Desde então, setores importantes da burguesia nacional digladiam-se enquanto tentam adaptar-se à nova situação. Essas divisões provocam choques no interior do aparato de Estado burguês.

Por um lado, buscando manter ou restabelecer alguma ordem – burguesa, é claro -, o Judiciário joga cada vez mais um papel bonapartista, reprimindo inclusive setores da própria classe dominante quando necessário para o bom andamento dos negócios em geral.

Setores burgueses atacados pelo judiciário apoiam-se no legislativo para defender-se e contra-atacar. Buscando sua sobrevivência individual como representante político da burguesia, cada deputado corrupto articula meios para manter seu mandato. Novas reconfigurações se dão e assistimos a uma dança das siglas partidárias acarretando que partidos outrora poderosos sejam reduzidos a quase nada enquanto que outros outrora minúsculos ou completamente novos passam a dominar os parlamentos. O que vulgarmente é chamado de “centrão” nada mais é do que uma casta de representantes políticos da burguesia que buscam defender os seus próprios interesses individuais acima dos interesses da classe burguesa a que servem.

Mas, para que possa agir com algum grau de independência frente ao capital financeiro, essa casta política precisa buscar no Estado os meios legais ou não para seu próprio financiamento. Daí foi aprovado o Fundo Eleitoral e outras maneiras de acesso fácil a grandes somas de dinheiro público, como as emendas parlamentares sob controle do legislativo que sucederam o famigerado “Orçamento Secreto”.

Lula foi eleito presidente em 2022 com um claro mandato dado pelas urnas: Tirar Bolsonaro e desfazer todas as suas maldades. Mas, apesar do multicolorido e pluri-identitário ministério que se poderia supor representar os diversos segmentos dos oprimidos da sociedade, pouco ou nada avançou-se nesta missão. Pelo contrário, a política econômica comandada por Fernando Haddad mantém e aprofunda em larga medida o que Paulo Guedes vinha aplicando, a começar pelo religioso pagamento da dívida pública interna e externa, que nada mais é do que a transferência trilionária de recursos públicos para os especuladores capitalistas.

Uma pesquisa da Quaest publicada no início de outubro mostrava que 38% dos brasileiros consideram o governo Lula melhor que o de Bolsonaro, contra 33% que o consideram pior, enquanto que para 22%, os dois governos são “exatamente iguais”. Em resposta a outra pergunta da mesma pesquisa, 51% dos entrevistados aprovam o governo Lula, enquanto 45% o reprovam. Mas não foi para ser ou parecer “levemente melhor” ao ser comparado com o governo Bolsonaro ou “praticamente a mesma coisa”, que Lula foi eleito. Não bastaria ser um “estadista” que não falasse disparates. Era necessária uma mudança radical na economia e portanto na vida das amplas massas. Um conjunto de mudanças estruturais em prol dos oprimidos, que só poderia se dar em detrimento dos interesses do capital financeiro. E isso, claro, o governo Lula-Alckmin não entregou.

É neste contexto que a chamada “esquerda” sofre uma estrondosa derrota eleitoral no 1º turno das eleições municipais de 2024, presságio de mais crise e uma provável derrota eleitoral em 2026.

Muitos analistas burgueses destacam a queda do PSDB, o crescimento do PL ou a ascensão do PSD de Kassab superando o velho MDB em número de prefeituras. Mas para a classe trabalhadora pouco ou nada importam as siglas partidárias dos nossos inimigos de classe. Muitos daqueles que agora foram eleitos pelo PSD ou pelo PL, antes eram do MDB, do PSDB, do DEM, do PP, etc. Esses sujeitos trocam de partido como trocam os sapatos: calçam aqueles que melhor servem para cada ocasião.

O fato é que, nestas eleições, os representantes da burguesia em geral avançaram (não importa se são de partidos burgueses que de maneira absolutamente oportunista compõem o governo Lula ou se são oposição – bolsonarista ou não – ao atual governo). E avançaram sobre o comando das prefeituras e câmaras municipais em detrimento dos partidos que, bem ou mal, representam a classe trabalhadora. E, deste ponto de vista, o Partido dos Trabalhadores foi o grande derrotado do 1º turno destas eleições.

Em 2020 o PT elegeu prefeitos em 182 municípios no 1º turno. Agora elegeu 248. Então podemos dizer que foi um avanço em relação às eleições anteriores?! Não.

Nas eleições de 4 anos atrás, Lula havia acabado de sair da cadeia, estávamos no início da pandemia e o governo Bolsonaro ainda não havia sofrido tanto desgaste. O PT, fora do governo, carecia de meios para alavancar suas candidaturas. Agora a situação é muito diferente. Lula é novamente o presidente da república já há dois anos, vários ministros petistas subiram nos palanques Brasil afora como grandes cabos eleitorais. Bolsonaro está inelegível. Se formos comparar com a última eleição municipal em que o PT estava no governo federal (2012), veremos a brutal diferença: foram 635 prefeituras conquistadas pelo PT naquele ano. Este crescimento de 2020 a 2024 é pífio e até nulo se considerarmos que 99% desses êxitos se deram em municípios com menos de 200 mil habitantes! Apenas em 2 municípios com mais de 200 mil habitantes no Brasil inteiro o PT conseguiu eleger prefeitos: Contagem e Juiz de Fora (ambos em MG).

No ABC paulista e em toda a região metropolitana de São Paulo, berço do PT, nenhuma candidatura petista venceu. Aliás, em todo o estado de SP, o PT só elegeu prefeitos em 3 pequenos municípios (Lucianópolis, Matão e Santa Lúcia – neste último não havia candidatura concorrente).

Mesmo que o PT ainda esteja à frente de chapas que disputarão o 2º turno em duas grandes capitais (Fortaleza e Porto Alegre), em outras duas capitais menores (Natal e Cuiabá) e esteja como vice na chapa encabeçada por Boulos em São Paulo, o fato é que no geral o PT sumiu dos grandes centros políticos do país e mantém apenas uma força relativa em pequenos municípios, principalmente no Nordeste. Esta é uma curva descendente.

A causa central deste desempenho desastroso é a política de conciliação de classes aplicada pelo governo Lula-Alckmin e reproduzida por todas as candidaturas locais do PT Brasil afora. Se os partidos burgueses do chamado “centrão” – PSD, MDB, PP, União – foram os que mais elegeram prefeitos pelo país, é preciso recordar a responsabilidade de Lula nisso, que trouxe estes partidos para fazer parte de seu governo. Até mesmo com o PL de Bolsonaro o PT participou da mesma coligação em 85 municípios! Em outras cidades, com destaque para Recife e Rio de Janeiro, o PT não lançou candidato à prefeitura e apoiou, respectivamente, João Campos (PSB) e Eduardo Paes (PSD), reeleitos no 1º turno.

O mero discurso de “barrar a extrema direita” ou “combater o fascismo” não é suficiente se são palavras ocas desacompanhadas de atos concretos de governo que rompam com os interesses dos capitalistas e enfrentem a situação sufocante de luta pela sobrevivência em que a maioria do povo trabalhador se encontra.

Isso é fortemente demonstrado quando comparamos os números das eleições presidenciais de 2 anos atrás e vemos que agora o PT conseguiu eleger prefeitos em apenas 217 municípios dos 3.123 nos quais Lula teve mais votos que Bolsonaro no 2º turno de 2022 (apenas 7%)! Em outras palavras, o PT não foi capaz de vencer eleições em 2.906 cidades nas quais há apenas 2 anos Lula havia superado Bolsonaro em número de votos!

Já havíamos analisado que a política da direção do PSOL de abrir mão na prática de sua independência política tanto frente ao governo de união nacional com a burguesia (Lula-Alckmin) como frente à REDE Sustentabilidade ao concretizar a federação partidária com esta, isso somado à sua política de dependência financeira em relação aos recursos do Estado burguês (fundo partidário e fundo eleitoral), condenava seu desenvolvimento independente como um partido que pudesse disputar a direção da classe trabalhadora no Brasil.

Foi esta análise que nos fez romper com o PSOL em 2023. E agora, os resultados das eleições indicam que esta análise estava correta e que o PSOL perdeu uma grande oportunidade histórica. Se, em 2020, o partido elegeu 90 vereadores e 5 prefeitos, agora, em 2024 retrocedeu para apenas 80 vereadores eleitos. Frente ao afundamento do PT, em vez de emergir como o seu substituto, o PSOL tende a afundar junto com o PT, como um pequeno bote que é tragado para o fundo pelo grande navio a naufragar. 

Há uma importante diferença entre setores do PSOL e isso se expressa inclusive nas eleições. Os setores adeptos de uma política mais reformista, buscam adaptar sua política e moderar seu discurso para obter aprovação de setores médios da sociedade, imitando o percurso trilhado pelo PT. Uma das expressões resultantes disto foi a derrota no pleito municipal em Belém do Pará, onde o atual prefeito Edmilson Rodrigues não conseguiu a reeleição, ficando em 3º lugar, fora do 2º turno, com menos de 10% dos votos válidos! A desmoralização do governo psolista foi tão grande que nenhum dos 4 vereadores que o PSOL tinha na cidade conseguiu se reeleger. Por outro lado, uma candidata do PSOL foi eleita vereadora em Belém, mas compõe a ala esquerda do partido.

No Rio Grande do Sul, onde o PSOL é dirigido por sua ala esquerda, o partido ampliou o número de vereadores eleitos. No Rio de Janeiro, por outro lado, o número de vereadores psolistas eleitos diminuiu, mas o seu candidato mais votado, Rick Azevedo, veio de fora do partido representando um movimento independente com uma pauta concreta dirigida aos trabalhadores: Fim da escala 6×1.

No geral, o PSOL perdeu a oportunidade de se apresentar como uma opção de mudança radical, de ruptura com a ordem vigente e suas candidaturas buscaram se credenciar como defensores do governo federal e potenciais melhores administradores da coisa pública.

Ocorre que há um enorme anseio popular por mudanças! E não pequenas mudanças, mas mudanças radicais!

O fato de nestas eleições ter ocorrido o maior volume de reeleições de prefeitos dos últimos 16 anos, pode causar a impressão de que há uma “tendência continuísta” na sociedade. Uma análise superficial pode mesmo apontar para esta conclusão, com um silogismo simples: “muitos prefeitos conseguiram se reeleger no 1º turno, logo há um anseio por continuidade e não por mudança”. Mas há muitos outros elementos abaixo da superfície.

Se desconsiderarmos as atípicas eleições de 2020 que ocorreram em plena pandemia de Covid-19, antes da produção de vacinas, quando a orientação geral era evitar sair de casa e a exposição a aglomerações, estas eleições de 2024 tiveram o mais alto índice de abstenções já registrados desde o fim da ditadura militar.

A média nacional foi de 21,7% de eleitores que não foram votar. Isso sem falar nos que foram votar, mas anularam ou votaram em branco. E em importantes capitais este número foi mais elevado. Na cidade de São Paulo, as abstenções superaram os 27% do eleitorado, ultrapassando em muito a votação de Nunes, Boulos e Marçal. Na cidade do Rio de Janeiro 30,5% dos eleitores não foram às urnas! Em Belo Horizonte, 29,5% e em Porto Alegre, 31,5%!

Este alto nível de abstenção indica que uma parte importante da população (cerca de um quarto, chegando a quase um terço em algumas capitais) considerou que as eleições não fossem o meio adequado para resolver os problemas aos quais a sociedade está enfrentada. Este repúdio, desilusão ou apatia em relação às eleições burguesas podem expressar várias apreciações e sentimentos, mas não expressam uma tendência continuísta. Aqueles que queriam continuidade foram às urnas para reeleger o atual mandatário ou eleger seu sucessor indicado. Por outro lado, os que queriam mudanças até podem ter votado em candidaturas de oposição, mas também podem simplesmente não ter visto em nenhuma das opções disponíveis uma real possibilidade de mudança.

E, na falta de candidaturas por mudanças reais, a pasteurização das candidaturas favorece aquelas que são mais conhecidas. E as mais conhecidas geralmente são as que já estão governando. Outra maneira de se tornar mais conhecido é tendo mais recursos e certamente os gordos fundos eleitorais por vezes maiores para os partidos governantes favorecem também a reeleição, assim como o tempo de exposição na TV.

E, como se isso não bastasse, as emendas parlamentares milionárias administradas pelos partidos que comandam o Congresso Nacional permitiram uma enxurrada de obras contratadas e executadas pelas atuais prefeituras, entregues ou inauguradas às vésperas das eleições promovendo o velho clientelismo que sempre faz a diferença nas urnas numa eleição despolitizada como esta.

Demagogos de direita tem sabido explorar muito bem este anseio por mudanças. Não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, este é um fenômeno cada vez mais comum. O próprio Bolsonaro foi eleito em 2018 dizendo “tem que mudar isso que tá aí!”

Pablo Marçal é a mais nova e significativa expressão deste fenômeno. Por mais demagógica que fosse sua retórica, ele soube se apresentar para milhões de pessoas como aquele que estava disposto a virar a mesa, a fazer tudo diferente, a promover mudanças radicais.

Depois de anos de despolitização por parte da direção do PT que buscou apagar as diferenças ideológicas entre “direita e esquerda” – na verdade, entre burguesia e proletariado – não podemos culpabilizar que um jovem que queira mudanças caia no conto do vigário de Pablo Marçal mesmo ele sendo explicitamente reacionário em muitos aspectos. As novas gerações do proletariado conseguem diferenciar o que é esquerda e direita quando veem Lula e Alckmin governando juntos?

Milhões de pessoas anseiam por mudanças, precisam de mudanças. Estão desesperadas. São trabalhadores precarizados, desempregados, lutando para sobreviver como entregadores ou motoristas de aplicativos. São trabalhadores exaustos de tanto trabalhar em escalas extenuantes com apenas uma folga ou menos por semana em troca de uma renda mensal por vezes inferior ao salário mínimo. Esses trabalhadores desesperados por mudanças usarão o que tiverem à mão para tentar conquistá-las. E se um coach milionário consegue convencê-los de que ele trará mudanças, eles farão campanha para ele de graça. E não vão nem querer saber se ele é de direita ou de esquerda.

Em todas as cidades onde os partidos da classe trabalhadora estejam disputando o 2º turno, a vitória é mais possível à medida em que a linha da campanha for agitar mudanças radicais com um discurso abertamente de classe contra classe, dos oprimidos contra os opressores, dos pobres contra os ricos. Um discurso contra o sistema e uma postura de quem está disposto a ir até as últimas consequências.

E isso é mais verdade para São Paulo do que para qualquer outra cidade do Brasil. As pesquisas apontam Nunes vencendo Boulos com larga vantagem. E para aqueles que tentam analisar os dados do 1º turno usando a lógica formal, a vitória de Boulos parece mesmo impossível. Pois deduz-se com uma boa dose de razão que uma parte importante dos votos de Marçal, Tábata e Datena migrem para a candidatura de Nunes. Entretanto, no 1º turno a candidatura de Boulos não se apresentou como uma alternativa de ruptura. Pelo contrário, Boulos buscou se apresentar cada vez mais como um bom gestor, cumpridor de contratos, continuador e mantenedor da ordem.

Se Boulos se apresentasse como aquele que vai “mudar tudo isso o que tá aí”, poderia não apenas virar votos, mas ganhar o apoio de parte daqueles que se abstiveram no 1º turno. A única chance de vitória para o PSOL em São Paulo é conseguir se conectar com o proletariado mais precarizado que anseia por mudanças radicais e urgentes.

Infelizmente, tudo indica que Boulos não dará este cavalo de pau em sua campanha. Dificilmente alguma das candidaturas da esquerda oficial que estão disputando o 2º turno o fará. As direções da esquerda oficial abandonaram a luta revolucionária do proletariado e se tornaram meras defensoras da democracia burguesa que lutam por “humanizar” as relações de exploração.

De nossa parte, damos nosso apoio crítico a todas as candidaturas do PT e PSOL que estão no 2º turno, assim como fizemos no 1º turno. Nosso combate na luta de classes passa por ajudar o proletariado a fazer a experiência com suas direções. Neste processo, buscamos recrutar os jovens e trabalhadores mais avançados para a construção de um partido verdadeiramente revolucionário. No atual estágio, estamos construindo a OCI como seção brasileira da Internacional Comunista Revolucionária. Assim poderemos ajudar concretamente o proletariado a abrir uma saída revolucionária para a situação. Junte-se a nós neste combate!