Analisamos nesse artigo a concepção de partido revolucionário defendida por Lênin, o mais importante dirigente do Partido Bolchevique. Tomamos como ponto de partida para essa análise a brochura “Que Fazer?”, publicada em 1902, cujo conteúdo traça as linhas fundamentais do partido que Lênin considereva necessário existir para a viória do socialismo.
Lênin é um dos pilares da teoria e da prática marxista. Dirigiu o maior acontecimento histórico do século XX, a Revolução Russa de 1917. Trotsky, outro grande líder da revolução, explicou o quanto Lênin foi imprescindível para o acontecimento: “Se eu não tivesse estado em Petrogrado em 1917, a revolução de outubro teria se produzido de toda maneira, com a condição de que Lênin estivesse presente na direção”.
Uma importante contribuição de Lênin ao marxismo trata-se da concepção de partido revolucionário. “Que Fazer?” é uma obra que traz importantes elementos para entendermos qual é essa concepção.
Contexto histórico
A brochura foi escrita entre 1901 e 1902 e publicada em março de 1902. Apesar de mais de um século nos separar do seu lançamento, o conteúdo desta obra nos reserva importantes lições para a luta revolucionária em nossos dias.
A Rússia estava sob o repressivo regime czarista com sua polícia política, a Ochrana. Greves eram proibidas, sindicatos e partidos funcionavam na clandestinidade. Muitos dos dirigentes operários foram presos ou exilados. Lênin escreveu “Que Fazer?” enquanto estava refugiado em Munique, na Alemanha.
A polêmica presente na obra com os chamados “economicistas” dão as bases da cisão que ocorreria no Congresso do Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR) em 1903 entre bolcheviques (maioria) e mencheviques (minoria). O POSDR era a seção da II Internacional na Rússia, partido no qual Lênin militava, assim como vários daqueles que ele critica no livro, como Martinov, Berstein, etc.
A luta travada por Lênin no partido e na Internacional foi maior do que uma simples polêmica em relação a questões organizativas, o combate fundamental era contra uma concepção reformista da luta dos trabalhadores que se ampliava na social-democracia internacional. Essa concepção tinha no alemão Eduard Bernstein o principal teórico. Revisando o marxismo, Berstein defendia a existência de um “avanço constante” da classe operária, chegando à conclusão de que não era necessária uma revolução, mas reformas gradativas no seio do capitalismo.
As lutas econômicas e as lutas políticas
A tendência “economicista” no interior da social democracia, influenciada pelas “inovações teóricas” de Berstein, limitava-se e se subordinava à luta econômica. Entendendo luta econômica como as lutas por melhorias nas condições de vida do proletariado que não questionam, a princípio, a estrutura da sociedade, como uma greve por reajuste salarial, por exemplo. Na compreensão de Lênin, deveria haver uma relação dialética entre as lutas econômicas e as lutas políticas, sendo que o partido não deveria se limitar às lutas econômicas, mas sim intervir nelas no sentido de elevar o nível de consciência dos trabalhadores e ganhar os melhores elementos para o partido revolucionário, a vanguarda da classe, que tem como objetivo central a luta política, a luta pela tomada do poder. Citando Lênin em “Que Fazer?”:
“A social-democracia dirige a luta da classe operária não só para obter condições vantajosas de venda da força de trabalho, mas para que seja destruído o regime social que obriga aos não proprietários a venderem sua força de trabalho aos ricos.”
A importância da teoria
É na brochura “Que Fazer?” que está presente a frase “sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário”. Mais uma vez, a polêmica é com aqueles que querem adaptar a organização revolucionária, suas tarefas e seu nível de consciência, ao do movimento espontâneo do proletariado.
A compreensão de Lênin é que a organização revolucionária deve se apropriar profundamente da teoria, tratando o socialismo como ciência. Mesmo a consciência sobre a necessidade da construção do socialismo como regime social que libere as forças produtivas das amarras do capitalismo, não surge espontaneamente das lutas por questões econômicas, é tarefa dos revolucionários, a vanguarda do proletariado, sua parcela mais consciente, demonstrar através das lutas práticas que a única saída verdadeira e duradoura para os problemas de nossa classe é o socialismo. Lênin complementa sobre a questão da teoria em uma das notas de rodapé:
“Isso não significa, naturalmente, que os operários não tenham participação nessa elaboração (da teoria). Não participam como operários, mas como teóricos do socialismo, como os Proudhon e os Weitling; noutros termos, só participam no momento e na medida em que conseguem dominar, em menor ou maior grau, a ciência de seu século, fazendo-a avançar. E para que os operários o consigam com maior frequência, necessita-se do maior empenho possível para elevar o nível de consciência dos operários em geral; é preciso que os operários não se limitem ao marco artificialmente restrito da “literatura para operários”, aprendendo a assimilar cada vez mais a literatura geral. Inclusive, seria mais correto dizer, em vez de “não se limitem”, “não sejam limitados”, uma vez que os operários leem e querem ler também tudo o que se escreve para os intelectuais, e apenas alguns intelectuais (de ínfima categoria) pensam que “para os operários” basta descrever o estado das coisas nas fábricas e ruminar sobre o que já se conhece há muito tempo.”
O Partido
Combatendo o revisionismo e sua adaptação à espontaneidade das massas, Lênin apontava a necessidade da constituição de um partido revolucionário centralizado e profissional, altamente disciplinado, como condição para que possa dirigir uma revolução proletária vitoriosa.
Nesses trecho, explica as diferenças entre as organizações operárias pelas lutas econômicas e o partido revolucionário:
“A luta política da social-democracia é muito mais ampla e mais complexa que a luta econômica dos operários contra os patrões e o governo. Do mesmo modo (e como consequência) a organização de um partido social-democrata revolucionário deve inevitavelmente construir um ‘gênero diferente’ da organização dos operários para a luta econômica. A organização dos operários deve ser, em primeiro lugar, sindical; em segundo lugar o mais ampla possível; em terceiro lugar, deve ser o menos clandestina possível (aqui e mais adiante refiro-me, bem entendido, apenas à Rússia autocrática). Ao contrário, a organização revolucionária deve englobar antes de tudo e sobretudo, homens cuja profissão seja a atividade revolucionária (por isso, falo de uma organização de revolucionários, pensando nos revolucionários social-democratas). Diante dessa característica geral dos membros de tal organização, deve desaparecer por completo toda distinção entre operários e intelectuais, que vale, ainda mais, para a distinção entre as diversas profissões de uns e de outros. Necessariamente, tal organização não deve ser muito extensa e é preciso que seja o mais clandestina possível”
O “Que Fazer?” hoje
O cenário da Rússia autocrática de 1902 é distinto do cenário mundial e, particularmente, do cenário brasileiro contemporâneo. Mas, ao mesmo tempo, muitas semelhanças e necessidades ainda permanecem.
A repressão ao movimento operário era muito mais aberta na Rússia czarista, mas ela permanece presente, inclusive no Brasil. É só olharmos para a crescente criminalização dos movimentos sociais, de grevistas, dos dirigentes das fábricas ocupadas, etc. Os sindicatos funcionam na legalidade, mas ainda no modelo de sindicatos CLT de Getúlio Vargas, atrelados ao Estado e dependentes da autorização deste para poder atuar. A agitação e a propaganda comunista podem ser feitas de forma mais aberta, mas o aparelho repressor herdado da Ditadura Militar permanece ativo e pronto para agir sem nenhum pudor quando for preciso. Na luta entre as classes sociais, a burguesia pode colocar uma máscara democrática, pode permitir organizações operárias e assim tentar cooptá-las, entretanto, quando ela sente que é necessário, deixa de lado qualquer aparência democrática e usa a repressão aberta para sufocar a luta dos trabalhadores. Portanto, uma organização preparada para o trabalho clandestino e semi-clandestino, permanece uma necessidade vital para o triunfo de um processo revolucionário.
Além disso, ainda hoje existe uma pressão cotidiana por subordinar o partido revolucionário às lutas espontâneas. Muitas tendências sucumbem e rebaixam o programa, deixando a propaganda pelo socialismo para os dias de festa e tornando-se um partido de reivindicações econômicas.
Nós, da Esquerda Marxista, buscamos defender e aplicar os métodos de Lênin. Nossa intervenção na luta de classes necessita de militantes combativos, mas que não se deixam arrastar pelos movimentos, que buscam através da explicação paciente demonstrar que todo e qualquer avanço pontual, importante que seja, estará sempre ameaçado enquanto a sociedade não reorientar suas forças produtivas no interesse social comum. Algo que só pode ser feito através da tomada do poder pelo proletariado.
Lênin encerra o panfleto com um capítulo sobre a importância do jornal como órgão de propaganda e organizador das lutas em todo o território russo. Dirigir essa propaganda na larga escala territorial do nosso país, é a tarefa que também buscamos cumprir com a edição e distribuição militante do Jornal Luta de Classes, além da alimentação regular de nossa página e nosso Blog na internet.
Na atualidade, temos visto fantásticos movimentos espontâneos, como a primavera árabe, as mobilizações contra a austeridade na Grécia, Espanha, etc, mas que carecem de uma direção revolucionária com influência de massas para que evolua no sentido da tomada do poder pelo proletariado. Na realidade, a história do movimento operário está recheada de exemplos de grandiosas mobilizações, mas que por falta de uma direção capaz, regrediram para um controle social estável da burguesia, em muitos casos com repressão brutal sobre o movimento.
Formar quadros capacitados para intervir na luta de classes, que saibam combinar a agitação e a propaganda para ganhar os trabalhadores para a luta política. Construir uma organização revolucionária de massas, seguindo os ensinamentos da história do movimento operário. Esse é o desafio que se coloca hoje para a Corrente Marxista Internacional (CMI) e sua seção no Brasil, a Esquerda Marxista.