Trabalhadores paralisaram por condições de trabalho e solidariedade. Foto: Francine Hellmann
Trabalhadores paralisaram por condições de trabalho e solidariedade. Foto: Francine Hellmann

O que podemos aprender com a greve dos servidores de Joinville?

Os servidores municipais de Joinville, em Santa Catarina, fizeram, entre os dias 2 e 4 de outubro, uma greve por condições de trabalho. Ela durou três dias e contou com a adesão de aproximadamente 1,5 mil trabalhadores. Esta não foi uma grande paralisação em número de participantes nem em tempo. No entanto, na percepção de muitos militantes, havia algo de diferente desta vez. Esta greve foi mais politizada e envolveu um importante elemento de solidariedade de classe. Isso é algo que vale a pena ser registrado e compreendido, para que possa contribuir nas lutas que virão.

Um pouco da história da categoria

A atual direção do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Joinville e Região (Sinsej) é a terceira gestão dirigida pela Esquerda Marxista. Antes disso, o sindicato passou mais de dez anos sob controle político da direita – alternado entre o PMDB e PSDB –, que aboliu do cotidiano da categoria a prática de luta e vendeu incontáveis direitos dos trabalhadores.

A partir de 2010, no entanto, foram restabelecidas as assembleias e reuniões, organizados o conselho de representantes e o congresso, realizadas greves e paralisações. Ainda há muito a ser feito, mas houve importantes avanços neste sentido. Grandes movimentos já aconteceram desde então. Em 2011, por exemplo, a categoria esteve massivamente em greve por 40 dias, enfrentando um governo petista que se negava a negociar com seus trabalhadores. O atual prefeito Udo Döhler (PMDB) está em seu segundo mandato e sua intransigência já resultou em greves de diferentes tamanhos, por motivos que vão desde o reajuste de salários até a manutenção do adicional de insalubridade no maior hospital da cidade. No entanto, até este ano, o que sensibilizou a categoria a interromper o trabalho foram sempre questões que impactam a vida financeira direta dos trabalhadores.

2017 mostra uma mudança de consciência

Neste ano, com as contrarreformas do governo Temer e as convocações nacionais de dias de greve geral, os servidores de Joinville já haviam dado mostras que sua disposição para a luta extrapola os muros do serviço público de Joinville. Eles provaram se preocupar também com a Previdência de todos os brasileiros, por exemplo, participando das manifestações convocadas nacionalmente. Mesmo com a pífia mobilização da CUT em todo o país, a categoria respondeu aos chamados do sindicato e, principalmente em 15 de março e 28 de abril, houve grandes paralisações em defesa da pauta nacional da classe. A importância da organização contra as reformas, pelo Fora Temer e o Congresso Nacional e em defesa da realização de um Encontro Nacional da Classe Trabalhadora foi apresentada em vários jornais do sindicato e discutida em cada local de trabalho. Na região, a categoria tornou-se referência de luta, já que nem uma outra direção sindical, mesmo as cutistas, foram capazes de convidar sua base a cruzar os braços.

Em 28/4, servidores participaram de grande manifestação. Foto: Aline Seitenfus
Em 28/4, servidores participaram de grande manifestação. Foto: Aline Seitenfus

A campanha salarial em maio, por sua vez, não pareceu atrair da mesma forma os servidores. Um número baixo de trabalhadores, parecido com o de participantes da greve da semana passada, parou por dois dias. Foram movimentos parecidos então? Não. Observar apenas os números seria uma forma rasa de interpretar a situação. Em maio, as visitas aos locais de trabalho, assembleias que antecederam a greve, as reuniões do Conselho de Representantes e o comando de greve revelavam bastante atenção dos servidores, mas, naquele momento, isso não refletiu em ação.

Muitos se perguntaram o que aconteceu. Leon Trotsky explicou que uma revolução é uma greve em grande escala. Visto de outra maneira, cada greve tem os elementos de uma revolução. E uma revolução, assim como uma greve, não se dá em linha reta. Reservado o devido senso de proporção (uma das grandes qualidades necessárias aos marxistas, dizia Ted Grant), pode-se observar a aplicabilidade deste conceito na movimentação dos servidores de Joinville em 2017.

Após demonstrar grande vontade de luta nas paralisações contra as reformas nacionais nos primeiros meses do ano, em maio os servidores sentiam o peso de verem-se sozinhos nas ruas e percebiam a falta de mobilização real da CUT, que na realidade trabalha para conter as massas em todo o país. Esta situação tem sido denunciada e analisada em quase todos os artigos nacionais da Esquerda Marxista.

Desde então, o governo municipal vem aprofundando os ataques à categoria e o abandono dos serviços públicos da cidade – um movimento que acompanha os efeitos da crise financeira internacional do capitalismo e os ataques a todos os trabalhadores brasileiros. Em apenas alguns meses, a revolta causada por várias pequenas medidas do prefeito Udo Döhler (PMDB) na cidade foram se rematerializando em revolta e vontade de ação dos servidores.

Em 15/3, uma atividade sobre a Reforma da Previdência reuniu milhares de servidores paralisados. Foto: Kályta Morgana de Lima
Em 15/3, uma atividade sobre a Reforma da Previdência reuniu milhares de servidores paralisados. Foto: Kályta Morgana de Lima

Os motivos da greve e seu caráter

Em 28 de agosto, os servidores da Subprefeitura Sul – departamento regional de obras de infraestrutura – decidiram que não trabalhariam mais sem que fosse restabelecido o fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual.

A verdade é que as condições de trabalho nas subprefeituras do município estão deterioradas há anos, pois o setor está sendo progressivamente terceirizado. Os EPIs não eram repostos desde o início do mandato de Udo, há mais de quatro anos, e esta parcela da categoria sempre se mostrou difícil de mobilizar. No entanto, de repente, faltou determinada luva e eles cansaram.

Os trabalhadores da Subprefeitura Sul foram os primeiros a paralisar. Foto: Francine Hellmann
Os trabalhadores da Subprefeitura Sul foram os primeiros a paralisar. Foto: Francine Hellmann

Na semana seguinte, a Prefeitura tentou aumentar a carga horária de um centro de atendimento psicossocial do município (Caps III) sem reajuste de salários. A atitude gerou uma greve localizada imediata, aderida por todos os servidores do local. Sabendo que, embora essencial, este é um setor pequeno e isolado, durante quase três semanas o governo brincou com esses trabalhadores, ora concordando com a reivindicação de manter a antiga jornada, ora voltando atrás.

Quase ao mesmo tempo, a Secretaria de Gestão de Pessoas resolveu cortar pela metade o valor do adicional de insalubridade recebido pelos 12 coveiros concursados que ainda restam na cidade (grande parte do trabalho também já foi repassada à iniciativa privada). A situação foi denunciada pelo sindicato e o sentimento de solidariedade espalhou-se pela categoria, ganhando o apoio da comunidade. Mexer com os coveiros foi totalmente desnecessário, representava uma economia ínfima aos cofres de Joinville, foi demais.

Outra questão que incendiou a revolta dos servidores e dos demais trabalhadores da cidade foi o desabastecimento de merenda no município. O sindicato vinha denunciando a situação desde o início do ano, mas, há cerca de um mês, bebês entre seis meses e um ano nos Centros de Educação Infantis (CEIs) estavam sendo alimentadas todos os dias com sardinha em lata. Uma emissora da cidade deu publicidade ao assunto, o sindicato divulgou, professores e cozinheiras enviaram mais imagens. A situação explodiu, de todos os lados começaram a aparecer denúncias da falta de materiais básicos, de remédios, de profissionais, entre outras coisas.

Possivelmente encorajada pela onda de revolta da categoria, uma professora de um CEI gravou sua diretora admitindo grave falta de pessoal nas unidades de educação. No vídeo, a diretora grita com a trabalhadora, tentando obrigá-la a entrar em sala durante a hora-atividade. “Aqui você não manda nada. Aqui você tem que receber ordens e fazer”, diz a gestora, mesmo avisada que estava sendo gravada. As imagens foram divulgadas pelo Sinsej e ganharam projeção, primeiro nas redes sociais e, depois, na imprensa, indignando ainda mais a categoria.

O sindicato convocou um dia de paralisação com assembleia para 28 de setembro, que tirou uma greve com início em 2 de outubro. A categoria já estava em estado de greve desde 5 de setembro e havia entregue ao prefeito uma pauta, que incluía também questões diretamente econômicas, como o fim de descontos salariais ilegais que vêm ocorrendo e o restabelecimento dos direitos estatutários de licença-prêmio e venda de um terço de férias. Constava na lista ainda a correta divisão de uma verba do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (Pmaq) entre os trabalhadores da Estratégia Saúde da Família.

Constatou-se, porém, que não foram estas as questões que mais tocaram os trabalhadores.
Pela primeira vez uma parcela avançada da categoria cruzava os braços por condições de trabalho e em solidariedade a setores isolados. O medo do desconto salarial pelos dias parados, que assombrava os servidores nas últimas greves, praticamente desapareceu entre os que aderiram a esta. Sobre esta questão, a direção do sindicato vinha tentando fazer um trabalho de conscientização desta categoria ainda jovem na cultura de luta. Pacientemente tem sido explicado que em determinados momentos é necessário empreender sacrifícios à própria carne para preservar a organização da classe e os direitos já adquiridos.

Em “A miséria da filosofia”, Marx (p. 150, 2006) escreve:

“[…] diante do capital sempre unido, a manutenção da associação torna-se mais necessária para os operários do que o salário. Isso é de tal modo verdadeiro que os economistas ingleses mostram grande espanto em ver os operários sacrificarem uma boa parte do salário em favor das associações que, aos olhos desses economistas, foram criadas apenas para a defesa do salário. Nessa luta – verdadeira guerra civil – reúnem-se e desenvolvem-se todos os elementos necessários para uma batalha futura. Uma vez atingido este ponto, a associação assume um caráter político.”

A transformação da quantidade em qualidade

Há uma importante lei dialética referente à transformação da quantidade em qualidade. No livro “Razão e Revolução – Filosofia Marxista e Ciência Moderna”, Alan Woods e Ted Grant (p. 36, 2007) explicam que este é um antigo conceito, que ainda não recebeu o reconhecimento que merece. Esta lei está presente desde as menores partículas da matéria até aos maiores fenômenos conhecidos pelo homem. Ela representa a ideia de que, sob certas condições, inclusive as pequenas coisas podem provocar grandes mudanças.

“Os gregos megarenses já conheciam a lei da quantidade em qualidade, e utilizavam-na para demonstrar certos paradoxos, às vezes em forma de gracejos. Por exemplo, o da ‘cabeça calva’ e do ‘monte de grãos’. Um cabelo a menos significa que estás calvo ou um grão de trigo faz um monte? A resposta é não. E mais um? A resposta continua sendo não. Então, seguimos repetindo a pergunta até termos uma cabeça calva e um monte de grãos de trigo. Enfrentamo-nos com a contradição de que pequenas mudanças individuais provocam precisamente isso: a quantidade se transforma em qualidade.”

Neste livro, que deveria ser lido por todo militante marxista, estes camaradas também explicam sobre experiências da teoria do caos centradas no ponto crítico em que uma série de pequenas variações produz uma mudança de estado. Ou seja, precisamente na transformação da quantidade em qualidade:

“Deixemos cair grãos de areia um a um sobre uma superfície plana. […] Durante um tempo, os grãos irão se empilhando uns sobre os outros até formar uma pequena pirâmide. Uma vez atingido este ponto, qualquer outro grão adicional de areia ou encontrará um espaço na pilha, ou desequilibrará um de seus lados o estritamente suficiente para provocar que outros grãos caiam em avalanche. Dependendo de como estejam situados os outros grãos, a avalanche pode ser muito pequena ou devastadora, derrubando grande quantidade de grãos”. (WOODS e GRANT, 2007, p. 36)

Quiçá os coveiros de Joinville, a diretora que exalava assédio moral contra a professora ou a sardinha todo dia para os bebês tenham representado o último grão de areia para o início de uma linha ascendente no gráfico de consciência de classe dos servidores de Joinville.

Os resultados obtidos

Embora o número de participantes na greve tenha sido pequeno em relação ao tamanho da categoria – que conta com aproximadamente 12 mil servidores, sendo cerca de 10 mil efetivos –, esta foi uma ótima preparação para os embates futuros. Ela demonstrou que há entre os servidores um número representativo de trabalhadores conscientes, dispostos a sofrer os riscos de perder dias de salário em solidariedade a outros setores. Junto com as paralisações nacionais deste ano, este movimento demonstrou que há na categoria disposição real de luta e uma vanguarda consciente.

Ao final de três dias algumas conquistas puderam ser obtidas. Equipamentos de Proteção Individual começaram a ser distribuídos nos locais de trabalho, o recesso de fim de ano foi garantido a um setor do hospital que estava com o direito ameaçado, o Caps III teve a tentativa de aumento de jornada cancelada, os coveiros terão sua remuneração mantida, o fornecimento de merenda nos CEIs começou a ser restabelecido. A diretora que foi filmada praticando assédio moral foi afastada durante a greve e, em seguida, reconduzida ao cargo. Esta é uma questão significativa e o sindicato deverá entrar com um pedido de abertura de processo administrativo contra a chefe.

Estes resultados, embora frágeis, foram grandes se comparadas ao tamanho numérico do movimento. Percebeu-se na Prefeitura a intenção de resolver rapidamente a questão. Por quê? Udo Döhler (PMDB) é um dos principais representantes a burguesia da cidade. Dono de uma grande empresa têxtil, ele foi presidente por muitos anos da Associação Comercial e Industrial de Joinville (Acij). Ele é um legítimo capitalista, que provavelmente compreende a combinação explosiva da crise financeira, consciência dos trabalhadores e direção.

O resultado econômico de qualquer greve é importante no sentido em que representa fôlego para os trabalhadores continuarem a se organizar. No entanto, estes nunca são os únicos “ganhos” de um movimento. No caso da paralisação dos servidores na última semana, o saldo positivo inclui a elevação da consciência de classe dos trabalhadores.

Greve por condições de trabalho. Foto: Francine Hellmann
Greve por condições de trabalho. Foto: Francine Hellmann

O papel da direção

Existe uma grande diferença entre ser um sindicalista e um comunista intervindo em um sindicato. É desta segunda forma que a Esquerda Marxista busca educar todos os militantes que dirigem ou trabalham em sindicatos. Este é um esforço que precisa ser constante. Ele exige intervenção diária na luta de classes, formação e combate às pressões exercidas pelo capitalismo.

Os sindicatos não são instituições neutras politicamente. Eles estão intimamente ligados à política do partido e, no caso do Sinsej, à política da Esquerda Marxista e da Corrente Marxista Internacional. No livro “Greve de massas, partido e sindicato”, Rosa Luxemburgo discorre sobre a tendência à teoria da neutralidade dos sindicatos. A partir do exemplo da socialdemocracia alemã, ela explica que as lutas parlamentares e sindicais são econômicas e, portanto, essencialmente reformistas. Estas duas frentes constituem braços da luta maior do partido pela revolução socialista e não podem ser entendidas separadamente, como um fim em si mesmo, sob o risco de transformarem-se no seu contrário – um obstáculo para o desenvolvimento dos próprios sindicatos e para a luta de classes.

No Programa de Transição, Trotsky escreve:

“A tarefa estratégica do próximo período – período pré-revolucionário de agitação, propaganda e organização – consiste em superar a contradição entre a maturidade das condições objetivas da revolução e a imaturidade do proletariado e de sua vanguarda (confusão e desencorajamento da velha geração, falta de experiência da nova). É necessário ajudar as massas, no processo de suas lutas cotidianas a encontrar a ponte entre suas reivindicações atuais e o programa da revolução socialista. Esta ponte deve consistir em um sistema de REIVINDICAÇÕES TRANSITÓRIAS que parta das atuais condições e consciência de largas camadas da classe operária e conduza, invariavelmente, a uma só e mesma conclusão: a conquista do poder pelo proletariado”.

Esta é a tarefa primordial dos marxistas nos sindicatos, estabelecer uma ponte entre as reivindicações transitórias (econômicas) e a consciência da classe sobre sua tarefa histórica de conquistar o poder.

O aprofundamento da consciência política de classe que se observa em camadas dos servidores de Joinville é fruto do período econômico, do trabalho e da orientação política da direção do Sinsej no último período. No entanto, ele precisa ser constantemente aprofundado.

A Reforma Trabalhista entrará em vigor em novembro. A Reforma da Previdência também continua entre as pretensões do governo Temer. A Lei da Mordaça, da ONG Escola Sem Partido, que foi derrubada em Joinville, tramita agora na Assembleia Legislativa de Santa Catarina. A educação pública está sob forte ataque com o fechamento de escolas no estado e a Reforma do Ensino Médio. A Saúde encontra-se cada vez mais sucateada. É preciso continuar o combate contra tudo isso, pelo Fora Temer e o Congresso Nacional, pela realização de um Encontro Nacional da Classe Trabalhadora, por uma Assembleia Popular Nacional Constituinte e por um governo dos trabalhadores.

Nos dias 25 e 26 de novembro, a Esquerda Marxista promove um seminário sobre liberdade e independência sindical, em Joinville, para seus militantes, apoiadores e simpatizantes. Se você deseja participar, entre em contato.