Após 13 anos, as tropas brasileiras deixaram o Haiti, em sua suposta missão de paz. Durante esse tempo um total de 37.500 militares participaram da ocupação e cerca de R$ 2 bilhões foram gastos com as operações criminosas realizadas no país, sob o comando do general brasileiro Ajax Porto Pinheiro.
É muito curioso que seja durante o governo de Temer que as tropas regressem, afinal, quem as autorizou ocupar o país o foi o governo Lula, que acusa Temer de golpista e inclusive alguns o chamam de ditador.
Porém, como chamar quem apoia a operação criminosa que a MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti) realizou ?
É o que há de mais cruel e sujo. Os casos de soldados que abusam sexualmente de crianças, oferecendo em troca água e comida, ultrapassaram as centenas, como já denunciamos aqui tantas vezes. Mesmo a imprensa burguesa foi obrigada a admitir essas ações, contudo, em nenhum momento colocaram em questão que o problema é a operação em si. Para os burgueses, todos crimes cometidos nessas operações são sempre vistos como “incidentes pontuais”, porém, esses “casos isolados” acontecem todos os dias. Seja nas incursões militares no Haiti ou no Brasil.
Outro caso que a ONU adiou, mas foi obrigada a admitir, foi sua responsabilidade no surto de cólera que atingiu centenas de milhares e matou pelo menos 9 mil pessoas. A doença chegou através dos soldados da ONU, vindos do Nepal.
Toda essa barbaridade ocorre com a desculpa de que estavam levando a paz ao país e garantindo a instauração da democracia. O mesmo exército que reprimiu nossos irmãos negros no Haiti foi o que ocupou a Favela da Maré (entre 2014-2015) e que hoje está novamente ocupando as ruas do Rio de Janeiro, como já explicamos em artigo. Desde 2010 a Lei da Garantia e da Ordem já foi acionadas 29 vezes, afinal a repressão é o “procedimento padrão” dentro do capitalismo. Lembramos o caso de Rafael Braga, que foi preso sob alegação de portar material explosivo, quando se tratava apenas de produtos de limpeza. Rafael foi usado como bode expiatório para as jornadas de Junho de 2013; um recado da burguesia para mostrar o que ela é capaz de fazer, quando se trata de repressão.
O racismo hoje
Sabemos muito bem como se dá a “paz” burguesa: com fuzil apontado para trabalhador e tapa na cara de jovem negro. A repressão só alcança os pobres, ao passo que os ricos e poderosos permanecem intactos em suas mansões. Enquanto as fábricas de drogas e armas seguem cada dia lucrando mais, as forças de repressão do Estado burguês desenham o inimigo como sendo o adolescente da favela, que não dispõe de educação, saúde, emprego e cultura. Mas, que é recrutado como soldado do crime organizado.
Nessa guerra morrem soldados do Estado e soldados do crime organizado. Porém, o alvo central é a classe trabalhadora, em sua maioria negra. O objetivo dessas operações é reprimir a classe trabalhadora, nada tem a ver com garantir a democracia, acabar com o tráfico de drogas ou acabar com a violência. A intenção é aterrorizar a classe trabalhadora, o que na prática tem como consequência um massacre da juventude negra.
Em 2012 foram mais de 42 mil assassinatos por arma de fogo. E não é coincidência que a maioria dessas mortes seja de jovens negros. Para alguns trata-se de um genocídio, porém é equívoco pensar que a burguesia quer exterminar os negros do Brasil, afinal nós somos maioria. Caso a burguesia fizesse isso ela estaria perdendo sua principal força de trabalho altamente explorável.
A burguesia é incapaz de exterminar os negros, primeiro porque não tem força suficiente para isso. Segundo porque ela precisa de nossa mão de obra. Dessa forma, ela precisa de uma política de repressão extremamente eficaz, que seja capaz de colocar os negros em uma situação de exploração intensa, sem oferecer qualquer tipo de serviço público (saúde, educação, transporte, etc) e, ao mesmo tempo, garantir que essa “panela de pressão” não exploda.
O caso do Haiti ajuda a entender esse processo. O relatório da OIT (Organização Internacional do Trabalho) de 2010 apontou que cerca de 10 % das crianças haitianas (mais de 220 mil) prestam serviços domésticos em troca de alimentação, ou seja, uma situação próxima à escravidão.
Isso mais de 200 anos depois de os negros do Haiti terem derrotado a escravidão oficial, em uma revolta de escravos (Revolta de São Domingos), que se inicia em 1791, e conquistarem a independência em 1804, sendo o primeiro país das Américas a abolir a escravidão e um dos primeiros a conquistar a independência, através de uma revolta contra a escravização.
Porém, a revolução Haitiana teve um preço alto para os lutadores haitianos. A burguesia internacional nunca perdoou esses guerreiros por tamanha “audácia”. Até hoje o Haiti paga por sua luta pela liberdade.
E as muitas organizações que alegam querer ajudar esse país não entendem a opressão e exploração capitalista como a raiz dos problemas que hoje esse povo vive.
Esse é o plano da burguesia para os negros: uma exploração sem fim, acompanhada de uma repressão violenta. Tudo isso sem desrespeitar as leis burguesas, ou seja, a escravidão oficializada burguesa acompanhada da sangrenta ditadura capitalista. Assim a burguesia não precisa exterminar os negros, afinal, tudo está sob seu controle, e ainda recebe condecorações como propagadores de uma paz que nunca existiu e nunca existirá. Esse é o papel da ONU e tantas outras fundações.
Mesmo nos EUA a burguesia não exterminou os negros, e lá os negros são de fato minoria, diferente do Brasil e do Haiti.
No caso dos EUA as leis de garantia e da ordem ampliaram os assassinatos e prisões, tornando o país com a maior população carcerária do mundo. Essa política de encarceramento e assassinatos tem como justificativa o combate à criminalidade (por exemplo o tráfico de drogas), usada para perpetuar a opressão dos trabalhadores de pele negra (e não negra). É dessa forma que o racismo opera hoje em dia: já que não é possível dar chicotadas no negro em praça pública para obrigar ele a trabalhar cada dia mais, o capitalismo inventou formas de manter essa exploração e opressão. O racismo mantém seu mesmo objetivo principal: dividir a classe trabalhadora, porém agora com uma máscara democrática. Desse modo, organizações como a ONU ou Fundação Ford cumprem seu papel de perpetuar essa divisão, porém, aparentando estar do lado dos negros, latinos ou mulheres, sem nunca apresentar saídas reais para o problema do racismo, machismo e desigualdades sociais.
O capitalismo hoje se vale da divisão da classe trabalhadora propagando a falsa teoria de que os seres humanos são divididos em raças. Porém, como a pseudo-ciência que tratava da superioridade biológica branca foi desmascarada e não pode mais ser defendida abertamente, foi necessário atualizar essa ideologia. É assim que se formula a teoria do racialismo, que parte do mesmo princípio de que o mundo é dividido entre raças (brancos x negros, por exemplo) porém com um suporte “antropológico” para defender as “identidades” e negar a luta de classes.
Essa teoria teve um pesado investimento e hoje já recolhe seus frutos. Milhares de ONG’s, fundações e departamentos universitários receberam milhões para estudar a teoria das “identidades” e desistir da ideia de luta de classes, segundo eles ultrapassada. Na prática o objetivo é convencer a classe trabalhadora de que o capitalismo é o único sistema possível e que os problemas que a humanidade enfrenta hoje em nada estão ligados com o capitalismo.
Essas teorias, inclusive, aceitaram a ideia de uma “elite negra” para provar que o racismo não existe mais e que caso os negros se esforcem eles podem alcançar locais de destaque na sociedade burguesa, podendo até chegar a ser presidente dos EUA.
Essa teoria do “empoderamento” afirma que com um pouco de apoio (ações afirmativas) os negros podem alcançar espaços de poder e visibilidade. E através disso vão estimular outros a também fazerem o mesmo, ou seja, a ideia de representatividade como inspiração para os negros. Essa teoria está sendo abraçada por vários coletivos e militantes honestos e bem intencionados. Porém, honestidade e boas intenções não bastam na política, é preciso um programa que seja anticapitalista.
O detalhe que a maioria dos defensores dessa teoria meritocrática esquecem de dizer é que no mundo capitalista não há espaço para todos nos “locais de destaque”. Não há vagas para todos nas universidades, não há emprego para todos, em países como Haiti sequer há comida e saúde, portanto por mais que um jovem ou trabalhador negro se esforce ele nunca terá as mesmas condições que um filho da burguesia. Se o capitalismo permite que alguns negros de origem popular “cresçam na vida” é justamente para afirmar que a culpa é da maioria dos negros, que não se esforçam, em vez de apontar que o problema é o sistema que é perverso para a maioria da classe trabalhadora. Ou seja, a culpa do fracasso recai sobre a vítima, em vez de apontar o sistema capitalista como o responsável, sendo assim a saída em vez de ser política se resume ao campo do esforço pessoal.
O resultado dessa teoria é um conjunto de leis e projetos reformistas dirigidos às supostas minorias (que como já explicamos são em muitos casos maioria). Esses projetos parecem ajudar os grupos oprimidos, porém sua intenção é tirar o foco da raiz das desigualdades, o sistema capitalista, e transferir para os efeitos dessa desigualdade: o fato dos negros não acessarem o ensino superior por exemplo.
Dessa forma essas política ditas de “ações afirmativas” em vez de enfrentar o capitalismo, partem do princípio de já que o capitalismo é insuperável, que pelo menos ele seja inclusivo. Ou seja, essas teoria desacreditam na possibilidade de superar o capitalismo e criar uma sociedade com igualdade de acesso, por isso, se limitam a apresentar alternativas que “melhorem” o sistema ou “diminua” as desigualdades.
Essa teoria meritocrática unida à teoria que diz que os negros devem lutar separados dos brancos, pois os brancos não são capazes de entender a “vivência” dos negros, é a base ideológica para impedir um trabalho onde toda classe trabalhadora lute junta pelas reivindicações de melhorias para sua vida: Universidade pública para todos, acesso público e gratuito à transporte e saúde, pleno emprego, redução da jornada de trabalho, ampliação dos direitos trabalhistas e previdenciários, entre outras conquistas que só podem ser alcançadas com a unidade da classe trabalhadora e melhorias reais para o conjunto dos trabalhadores e não apenas para uma minoria dentre os oprimidos.
Esse é o trabalho dos socialistas: ajudar a classe trabalhadora a enfrentar o capitalismo, enquanto raiz das desigualdades. Essa é a “atualidade” do marxismo; explicar que o racismo, machismo e o capitalismo devem ser enfrentados ao mesmo tempo, através de reivindicações reais, que abarquem o conjunto dos trabalhadores.
Achar que é possível entender o machismo ou o racismo isolados da luta de classes é um equívoco. Assim como é um equívoco achar que classe, raça e gênero são “recortes” que podem ser separados ou interligados de acordo com cada caso específico.
O marxismo não vê o mundo por recortes e sim em sua multiplicidade, sua complexidade. Assim como analisa o mundo em seu movimento e não de forma estática. Sendo assim, só é possível entender as opressões se elas forem vistas em um “plano geral” e em sua dinâmica, ligada às formas como a economia, a política e a sociedade como um todo se comportam. Senão podemos cair no erro de que opressão e exploração não estão relacionadas no mundo capitalista e que as relações de poder e econômicas pudessem ser divorciadas.
Nesse sentido o Partido dos Panteras Negras tomavam outra semântica pra a palavra “poder”. Não era o empoderamento utilizado pelos administradores de empresa, onde empoderar um negro era permitir que ele fosse gerente de uma empresa para explorar outros negros. E sim o lema de “todo poder para o povo”, ou seja, tratava-se uma uma disputa pelo poder, de posse do poder, onde o povo deveria tomar em suas mãos o poder: assumir o rumo de suas vidas, controlando, inclusive, a economia.
Vemos que é muito diferente da concepção de empoderamento que propõe a ONU Mulheres, por exemplo, onde uma mulher empoderada é aquela que assume o discurso empresarial e sabe como ser uma boa gestora: leia-se a que explora bem seus subalternos. Para nós igualdade não significa negócios, como propaga a ONU. Igualdade significa uma luta de milhares de mulheres e homens que morreram por um mundo melhor, sem exploração, e essa luta entra em choque direto com os patrões.
Devemos olhar a história do movimento doa trabalhadores no Haiti e aprender com esses lutadores, de que é possível vencer a opressão com a unidade de classe e somente com ela.
Assim como devemos olhar para a ocupação criminosa da ONU no Haiti e vermos a quem interessa esse tipo de ação. A ONU não é nossa aliada nessa luta, pelo contrário, são nossos inimigos de classe, ainda que se disfarcem de “bons samaritanos”.
A crise do capitalismo está fazendo a burguesia usar todos seus métodos ardilosos para evitar que tomemos consciência de nossa força. Em alguns casos utilizará métodos de cooptação das lideranças, outras vezes usará a força física, mas, seja qual for o método, o objetivo é o mesmo: dividir a classe trabalhadora e nos convencer de que não precisamos destruir o capitalismo para termos uma vida verdadeiramente digna e livre.
Nós, socialistas revolucionários, seguiremos explicando o que o militante sul africano Steve Bantu Biko nos disse: racismo e capitalismo são duas faces de uma mesma moeda.
Por isso, apresentamos a luta revolucionária para combater o reformismo e suas teorias e o socialismo como alternativa para o fim de toda opressão e exploração.
Venceremos!