A pandemia, de um modo geral, escancarou o verdadeiro sentido do sistema capitalista: o mercado acima de tudo e de todos. O debate sobre o isolamento social e quarentena expôs a essência do capitalismo e seu caráter em relação à vida dos trabalhadores. Não há medidas efetivas para preservar a vida dos operários, só a circulação do capital importa. Isso inclui os professores que, neste momento, também são obrigados a mostrar sua força de trabalho, sua “reinvenção”, ainda que em condições altamente precarizadas e improvisadas, alinhadas a um projeto nacional de investimento mínimo e desmonte geral da educação pública.
Desde a publicação da MP 934/2020, que dispensa o cumprimento dos 200 dias letivos para a Educação Básica e concede a substituição por 800h, as redes estaduais e municipais iniciaram a publicação de documentos que pudessem satisfazer a orientação publicada pelo MEC. Na Rede Municipal de Educação de Florianópolis foi imposta a Resolução 156/2020, prevendo a realização, pelos professores, do que chamaram de teletrabalho.
O teletrabalho, previsto na Resolução 156/2020, prevê a utilização de uma plataforma virtual de aprendizagem a ser construída pelas equipes de trabalho nas escolas juntamente com seus gestores, mesmo sabendo-se que uma grande parcela dos estudantes não teria acesso à internet ou bibliotecas ou livros no domicílio. Uma pesquisa publicada pela própria Secretaria Municipal de Educação mostrou que apenas 47% das famílias teriam acesso à internet para a realização das atividades sugeridas nos portais para acompanhar as “atividades não presenciais”. E isso sem considerar se quem tem “acesso” também tem os equipamentos e um local adequado para estudo em casa e comida (já que não terá a merenda escolar) etc.
Do ponto de vista legal, a Lei Municipal 10.701, publicada em 22 abril de 2020, autoriza o regime especial de aprendizagens não presenciais, condicionando crianças a partir de 6 anos de idade, em pleno processo de alfabetização, a se submeterem a esta alternativa de educação. Por questões inerentes à própria formação dos professores e configurações das famílias, tal política tem apenas se mostrado como uma forma de destruição do ensino. Os professores não conseguem ensinar e as mães e pais de família não conseguem substituir os professores.
O que se vê é apenas um ataque à educação pública praticado por estados e municípios. Um retrocesso disfarçado pelo mau uso das tecnologias digitais, desrespeitando o direito efetivo à aprendizagem. A quem interessa realmente essas atividades não presenciais tendo em vista uma conjuntura de acirramento da luta de classes como a que vivemos neste momento? Que tipo de trabalho é este que se propõe, uma vez que não há infraestrutura tecnológica mínima ofertada às famílias, aos estudantes e até mesmo aos docentes?
A tentativa do cumprimento do ano letivo por meio de atividades não presenciais na Rede Municipal de Educação de Florianópolis talvez seja o que professores tenham praticado de mais abstrato, improvisado e angustiante neste momento. Amparados pelo discurso da pandemia, usam a vigilância e o controle por meio do teletrabalho, instituindo um professor tarefeiro, aquele que passa grande parte do seu tempo elaborando tarefas a serem enviadas às famílias via WhatsApp e deixam para as famílias a tarefa da educação.
Constitui-se em um retrocesso do trabalho, fragmentando a presença docente, despedaçando-a em incontáveis zeros e uns (linguagem usada pelos computadores), literalmente desumanizando a prática docente, a socialização presencial, banalizando a importância de um acompanhamento para os estudantes, para as famílias e necessariamente para os trabalhadores da Educação Básica. Tudo isso disfarçado, ideologizado, pelo uso das tecnologias digitais, desrespeitando o direito efetivo à aprendizagem.
Enquanto professores ocupam seu tempo, o prefeito assalta os salários da categoria tentando aprovar a Reforma da Previdência dos Servidores Públicos Municipais, assim como praticou o confisco de férias e o desconto do vale alimentação no mês que iniciou o isolamento social. Aos trabalhadores contratados em caráter temporário (ACTs), trouxe a preocupação, a falta de amparo e a ansiedade até obterem a confirmação de que seus contratos seriam renovados, ainda que provisoriamente. Mesmo em plena pandemia, o prefeito e os vereadores de sua base de apoio agem de forma sorrateira, surrupiando nossos direitos.
A maioria dos professores já se mostram cansados com o teletrabalho, afinal, se já era difícil lidar com a precariedade das condições materiais nas escolas no ensino presencial, imagina com mediação à distância. Literalmente, os professores estão trabalhando 24h diárias, haja visto que em alguns casos, como o de Florianópolis, os números de celulares dos docentes titulares foram repassados às famílias. Estas, dentro de uma gama infinita de boa vontade e ausência de senso do que fazer com os filhos, enviam, a qualquer hora do dia, mensagens de desespero, condescendência ou pedidos de ajuda.
Some-se a isto várias cobranças em relação ao preenchimento de um Sistema de Gestão Educacional para que de alguma forma horas de trabalho sejam contabilizadas, bem como ao controle das devolutivas de atividades produzidas pelos estudantes. Outro fator que agrava o quadro do atendimento realizado na Rede Municipal de Ensino de Florianópolis é o fato de o prefeito exigir que muitas famílias se exponham à Covid-19 indo às escolas buscar atividades impressas para fazerem em suas residências.
A educação nunca possibilitou a todos os estudantes o acesso aos conhecimentos produzidos historicamente pela humanidade! Inclusive, nunca tivemos um acesso universal à educação pública no Brasil. Antes da pandemia, nunca chegamos a atingir a totalidade da demanda por vagas nas fases da Educação Básica e no Ensino Superior. Hoje, com o teletrabalho e outras medidas, o que está se buscando é desmontar qualquer educação possível e, no limite, acabar com a própria escola. A resistência dos professores e demais educadores, junto com todos os trabalhadores, é que pode barrar este caminho, manter o pouco que temos de educação pública e conquistar uma educação pública para todos. É preciso destacar que não somos contra o uso das tecnologias digitais como mais um recurso didático para mediar o processo de ensino/aprendizagem. A forma como se tem defendido as atividades não presenciais tem se caracterizado como uma verdadeira destruição do processo de alfabetização. Para a maioria dos que já estão alfabetizados, faltam recursos tecnológicos e sociais (comida, moradia, local de estudo, acesso digital) para cumprir as necessidades de um ensino digital e a distância.
O desenvolvimento de atividades não presenciais de aprendizagens na Rede Municipal de Florianópolis da forma como se apresenta neste momento propõe soluções aligeiradas e descabidas, com foco apenas em interesses econômicos e políticos. É um despautério, portanto, acreditar que neste cenário estudantes estão aprendendo e professores estão ensinando. Fica evidente o quanto a pandemia desmascarou literalmente a “educação” existente no Brasil, mesmo em capitais como Florianópolis, onde supostamente as desigualdades sociais são menos aparentes.
Em tempo, sabemos que a classe trabalhadora será ainda mais prejudicada em todos os aspectos, dentre eles o do acesso à educação, pois ainda que se denunciem constantemente todas as adversidades, o que há neste momento são políticas públicas educacionais, sociais e econômicas voltadas para a destruição dos direitos conquistados em mais de um século de lutas, a volta às condições existentes no século 19. Portanto, cabe a nós trabalhadores nos unirmos e transformamos todos os ataques que sofremos em luta para derrubarmos o governo Bolsonaro, assim como o prefeito Gean Loureiro e toda a política que representam, e instituir um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais onde a educação, de fato, possa ser um direito de nossa classe.
- Em defesa da educação pública, gratuita e para todos!
- Fora Bolsonaro! Por um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais!