Para um ativista de esquerda mais desatento pode parecer uma contradição o anúncio de fechamento da fábrica da FORD em São Bernardo. Afinal de contas, a reforma trabalhista de Temer veio para garantir diminuição do custo do trabalho no Brasil e o governo Bolsonaro promete ir mais fundo nesse sentido. Por que então a multinacional decide pagar uma bolada bilionária para cessar suas atividades no país?
Uma grande corporação como a FORD, que atua em dezenas de países, tem seus planos de médio e longo prazo que podem parecer incompreensíveis aos trabalhadores. No capitalismo é assim: quem decide o que fazer com as fábricas erigidas com o suor da classe trabalhadora por décadas, não são os trabalhadores. Os que roubam o produto de seu trabalho, os que abocanham a mais-valia produzida fazem o que bem entendem, sempre em favor da reprodução de seu capital em detrimento das vidas de milhares de trabalhadores e suas famílias.
Os donos dos grandes meios de produção, os capitalistas, são parasitas da sociedade. Não podemos esperar nada diferente deles. Pouco ou nada nos importam as suas motivações. A questão que nos interessa é: como agem os trabalhadores diante disso? E suas organizações, os sindicatos? E as direções desses sindicatos?
No ato público realizado no pátio da Ford em São Bernardo, no dia 26 de fevereiro, personalidades desfilavam discursando aos trabalhadores que estão com a espada da demissão sobre suas cabeças. O ex-ministro do governo Lula, também ex-prefeito de São Bernardo pelo PT e ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Luiz Marinho; outro ex-diretor do sindicato e atual deputado estadual pelo PT, Teonilio Monteiro da Costa, o “Barba”; outro ex-presidente do sindicato, também ex-presidente nacional da CUT e atual deputado federal pelo PT, Vicentinho; além de outros dirigentes sindicais e Guilherme Boulos, da coordenação nacional do MTST e ex-candidato à presidência da república pelo PSOL.
Nos discursos de todos eles aparecia a cobrança ao atual prefeito de São Bernardo e ao atual governador de SP, Doria – ambos do PSDB – por não estarem presentes no ato de solidariedade aos trabalhadores. Ou seja, em vez de ajudarem os trabalhadores a desenvolver sua consciência de classe, considerando governantes do PSDB como inimigos de classe, cobram deles uma postura de aliado ou de quem deveria estar “do nosso lado”, ajudando a incutir ilusões nos trabalhadores.
Boulos e Marinho chegaram a cobrar Bolsonaro! Boulos disse que Bolsonaro como presidente deveria defender os trabalhadores da FORD no Brasil e, argumentando que o fechamento da FORD aqui ia causar desemprego no Brasil para criar empregos em outros países, o governo Bolsonaro deveria tomar medidas para fechar as portas do país para os produtos da FORD. Wagnão, atual presidente do sindicato, foi na mesma linha de Boulos, sugerindo que Bolsonaro deveria adotar medidas protecionistas para defender os trabalhadores brasileiros da FORD.
Esta linha nacionalista burguesa defendida por eles é antagônica ao internacionalismo proletário. Para os socialistas, a classe trabalhadora não tem pátria e não se pode combater o desemprego em um país querendo impedir a criação de empregos em outro.
Esta linha de isolar a luta dos trabalhadores da Ford dentro da própria fábrica nunca poderá ser vitoriosa para os trabalhadores. O sindicato deveria fazer assembleias nas outras grandes montadoras do ABC propondo que todos entrassem em greve em solidariedade aos trabalhadores da FORD. Para que todos os metalúrgicos compreendessem que fazem parte da mesma classe, que o inimigo é a mesma classe proprietária e não cada patrão individual um inimigo diferente e com isso tomar consciência de sua própria força.
Mais que isso, aos trabalhadores da Ford, a direção do sindicato deveria propor: greve, ocupação, produção sob controle dos trabalhadores. A história da classe trabalhadora está cheia de exemplos de lutas heroicas dos trabalhadores que impediram o fechamento de empresas e a destruição dos postos de trabalho. Foi assim com os cordões industriais no Chile, com as empresas recuperadas na Argentina, na Venezuela, na Revolução Russa, na Revolução Alemã, no Maio de 68 na França! É possível!
O exemplo mais recente vem do próprio Brasil. Em 2002, a CIPLA, uma empresa com mais de 1.200 trabalhadores em Joinville (SC) foi ocupada depois que o patrão parou de pagar os salários e ameaçou fechar a fábrica. Os trabalhadores elegeram um Conselho de Fábrica em assembleia e os próprios trabalhadores colocaram a empresa pra funcionar. A ocupação da CIPLA deu início ao Movimento das Fábricas Ocupadas, dirigido pelos militantes da Esquerda Marxista, que ocupou dezenas de empresas no Brasil, salvando milhares de postos de trabalho e lutando pela estatização sob controle dos trabalhadores. Inclusive, em 2007, a Conselho de Fábrica da Cipla e Interfibra se reuniu com a Comissão de Fábrica da FORD para apresentar o movimento.
Mas, em vez disso, os dirigentes sindicais propuseram uma campanha de boicote “Não compre um FORD até que a empresa decida ficar em SBC” e esperar até que uma delegação do sindicato voltasse dos EUA onde se reuniria com a direção mundial da Ford em 07/03.
Na assembleia, militantes do PSTU distribuíram um panfleto onde corretamente dizia que era necessário exigir a estatização da fábrica sob controle dos trabalhadores. Embora não agitassem que era necessário que os trabalhadores ocupassem a fábrica para viabilizar esta consigna sob um governo do Bolsonaro, a palavra de ordem é adequada à situação. Mas onde está a coerência do PSTU, cujos militantes dirigem o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e, diante da ameaça de fechamento da GM, acabou assinando um acordo de congelamento de salários e retirada de direitos em vez de encampar a luta pela estatização da GM sob controle dos trabalhadores?
Na nova assembleia em 12/03, Wagnão trouxe a proposta da matriz após a reunião nos EUA: A Ford vai cessar suas operações no Brasil, mas está disposta a vender a empresa em vez de fechá-la; e a direção do sindicato se dispôs a ajudar a encontrar um comprador e mediar uma transição para manter os atuais empregos. Vergonhoso! Nem sequer greve propuseram. Passaram um acordo com o patrão e querem colaborar com a direção mundial da Ford, sem luta.
O fogo de uma luta pra valer contra o fechamento da Ford poderia incendiar os metalúrgicos de todo o ABC e com isso a classe trabalhadora no Brasil inteiro. Este seria um bom caminho de barrar a contrarreforma da previdência, revogar a reforma trabalhista e até derrubar Bolsonaro. No bojo de uma luta dessas, até a prisão sem provas de Lula poderia ser revertida. Mas esses dirigentes perderam a confiança na capacidade de luta da classe trabalhadora brasileira. Porém a classe lutará e forjará na luta novas lideranças.