Ódio de classe e o assassinato do CEO da United Healthcare

Na quarta-feira pela manhã, os americanos acordaram com a notícia de que o CEO da United Healthcare, Brian Thompson, foi morto a tiros em um ataque seletivo do lado de fora de um hotel em Manhattan. Os capitalistas do país e seus representantes derramaram lágrimas coletivas pela morte de um dos seus. Um dos primeiros a reagir foi o governador Tim Walz de Minnesota, companheiro de chapa de Kamala Harris na última eleição, que descreveu a morte de Thompson como “uma perda terrível para a comunidade empresarial e de assistência médica”.

[Originalmente publicado em 6 de dezembro em Communistusa.org, embora tenha sido publicado antes da prisão de Luigi Mangione, a análise continua oportuna e relevante]

Milhões de trabalhadores em todo o país não compartilhavam desse sentimento. O seguro saúde é uma das indústrias mais odiadas do país, tendo afetado negativamente a vida de quase todos os trabalhadores na forma de prêmios elevados, negações de cobertura e muito mais. Despesas médicas são a principal causa de falência nos EUA, com 41% da população endividada por contas médicas e três milhões de americanos endividados no valor de US$ 10.000 ou mais. Isso, apesar de 90% dos americanos terem cobertura de seguro.

A United Healthcare está entre as mais culpadas, visto que está na vanguarda das negações de atendimento, negando 32% de todas as reivindicações. Para piorar a situação, a empresa começou recentemente a usar algoritmos de IA para processar reivindicações de assistência médica que supostamente têm uma taxa de erro de 90%. O resultado? Milhões de pessoas recebem contas de cuidados médicos que deveriam ter sido cobertos, inclusive pelas próprias regras da empresa, mas encontram pouca solução sem uma luta contra isso no labirinto burocrático da empresa ou levar o assunto aos tribunais. Milhões de americanos enfrentam rotineiramente a escolha entre contrair dívidas enormes ou colocar sua saúde em risco e aceitar os riscos de não buscar os cuidados de que precisam.

Ao mesmo tempo, a United Healthcare lucrou com a morte e a miséria que sustentam seu modelo de negócios. Em 2023, as receitas da empresa subiram 14,6%, ou US$ 47,5 bilhões, alcançando US$ 371,6 bilhões. De acordo com a Forbes, “o United Health Group relatou US$ 22 bilhões em lucros em 2023, incluindo US$ 5,5 bilhões no quarto trimestre, à medida que seu portfólio de seguros de saúde e serviços de provedores cresceu em porcentagens de dois dígitos”. Há uma razão para ser a quarta empresa mais valiosa do país, superada apenas por gigantes como Walmart, Amazon e Apple.

Então, não precisamos especular muito sobre os motivos do assassino de Thompson. Três cápsulas de balas encontradas na cena supostamente tinham as palavras “negar”, “defender”, “depor”, escritas nelas, presumivelmente uma referência ao pesadelo labiríntico que empresas como a United apresentam aos seus “clientes” durante alguns de seus momentos mais sombrios. Para um homem com um patrimônio líquido estimado em US$ 43 milhões e um salário de aproximadamente US$ 10 milhões por ano, “tristeza”, “choque” e “horror” não são as palavras na mente de muitos trabalhadores americanos. Em vez disso, é provável que seja a primeira vez em algum momento que muitos tenham sentido a sensação de que foi feita justiça. Afinal, não nos pedem para derramar lágrimas quando chefes da máfia são mortos — é apenas um dos riscos que você assume quando está no negócio de brincar com a vida das pessoas.

O ódio de classe é palpável nas seções de comentários dos milhares de artigos e vídeos que apareceram nos últimos dias. Uma pequena amostra desses comentários foi fornecida pelo New York Times:

“Pensamentos e franquias para a família”, dizia um comentário abaixo de um vídeo do tiroteio postado online pela CNN.

“Infelizmente, minhas condolências estão fora da rede.”

No TikTok, um usuário escreveu:

“Sou enfermeiro de pronto-socorro e as coisas que vi com pacientes moribundos negados pelo seguro me deixam fisicamente doente. Simplesmente não consigo sentir simpatia por ele por causa de todos aqueles pacientes e suas famílias.”

“Pago US$ 1.300 por mês pelo seguro saúde com uma franquia de US$ 8.000. (US$ 23.000 por ano) Quando finalmente atingi essa franquia, eles negaram minhas reivindicações. Ele estava ganhando um milhão de dólares por mês”, dizia um comentário no TikTok.

Outro comentarista escreveu: “Isso precisa ser a nova norma. COMAM OS RICOS.”

“A viagem de ambulância para o hospital provavelmente não será coberta.”

Uma mulher expressou sua frustração ao tentar obter uma cama especial para seu filho deficiente coberta pela United Healthcare. Outra usuária descreveu suas dificuldades com contas e com a cobertura após dar à luz.

“É tão estressante”, disse a usuária em um vídeo. “Eu fiquei doente por isso.”

A resposta prática foi pesada, pois o NYPD [Departamento de Polícia de Nova Iorque – NdT] adotou uma abordagem de “todos a postos” para encontrar o assassino. A mensagem que seria enviada se alguém escapasse impune de um assassinato de tão alto perfil é extremamente perigosa. Temendo que esse ato pudesse inspirar imitadores, os chefes de segurança privada de dezenas de empresas da Fortune 500 se reuniram via Zoom para discutir os riscos que agora enfrentam os executivos de suas próprias empresas.

Conforme relatado pelo WUSA9 News:

O presidente e CEO da [empresa de proteção executiva] Global Guardian, Dale Buckner, explicou que, nas primeiras quatro horas após o incidente, a empresa recebeu 47 solicitações de proteção executiva. No dia seguinte, esse número havia aumentado em mais de 20 consultas adicionais, com expectativas de que a demanda continuaria a aumentar.

“Eles estão preocupados, é claro, você pode imaginar que este é um evento um pouco precursor”, disse Buckner.

“Você viu um aumento material nos requisitos para esses tipos de serviços. Agora temos duas guerras quentes, uma no Oriente Médio, uma na Europa. No total, há 56 guerras acontecendo agora ao redor do mundo. 56. É o maior número desde a Segunda Guerra Mundial”, disse Buckner.

“Os conselhos estão finalmente percebendo que, para realmente proteger seus ativos, a proteção executiva não é mais opcional”, disse Buckner. “No mundo em que vivemos, tornou-se uma necessidade.”

O que levaria alguém a cometer esse assassinato? De muitas maneiras, a pergunta responde a si mesma. Mas o que é menos aparente é que esse assassinato ocorreu em um período em que nenhuma liderança significativa foi oferecida pelos líderes da classe trabalhadora para levar a luta à classe dominante. Em vez disso, a maioria dos líderes trabalhistas se alinhou ao Partido Democrata, o partido que está mais obviamente entrelaçado com a indústria de seguros de saúde. Outros, como Sean O’Brien, do Teamsters, apoiaram o RNC e Trump, legitimando o presidente eleito que tem um histórico igualmente horroroso em questões trabalhistas e tem laços familiares com executivos de seguros de saúde.

A conversa sobre “Medicare para todos” durante a corrida de Bernie Sanders em 2016, limitada como foi, deu lugar, primeiro à defesa leal de Biden e Harris, depois a lamentos patéticos pelos erros de um partido que nunca representou os trabalhadores. Na ausência de uma luta em massa da classe trabalhadora contra a classe dominante como um todo, não é surpresa que um indivíduo decida agir contra uma das figuras mais vilipendiadas da classe capitalista.

O que é necessário é construir uma força política de massa da classe trabalhadora armada com um programa comunista para expropriar a riqueza dos bilionários — para lidar com a classe capitalista como uma classe, não como indivíduos. Somente por meio da ação revolucionária de massa podemos liquidar a classe capitalista, não por meio da violência individual, mas por meio da apreensão de sua riqueza e da reequipagem e reorientação da economia para longe da busca cega pelo lucro e em direção à melhoria de toda a humanidade.

TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE