Imagem: Sérgio Lima/Poder 360

Ofensiva do STF contra o bolsonarismo abre precedentes para atacar esquerda

Após as manifestações golpistas de bolsonaristas no dia 8 de janeiro, parte da esquerda suspirou aliviada quando Alexandre de Moraes atendeu ao requerimento da Advocacia Geral da União (AGU) para proibir protestos em todo o país. A medida tem duração indeterminada. No total, o Superior Tribunal Federal (STF) abriu sete inquéritos para apurar os “atos antidemocráticos”, sendo que só três a pedido da Procuradoria Geral da República (PGR); três estão sob sigilo. Mas qual é o erro em se apostar em tais medidas judiciais para combater o bolsonarismo e a extrema-direita?

Poucos sabem que no Brasil temos um judiciário legalmente autorizado não apenas a julgar, mas também, em certas situações, a investigar, produzir provas, e julgar a partir delas. Como resultado de negociações com os militares na transição para a Nova República, leis da época da ditadura mantiveram-se, como o direito a juízes abrirem inquéritos policiais, previsto pelo artigo 5º do Código de Processo Penal.

Ou seja, o Judiciário no Brasil é, em parte, inquisitorial. No “inquérito das fake news”, por exemplo, o STF é, supreendentemente, “vítima”. Ou seja, a parte autora e principal interessada em punir os acusados, quem investiga, quem produz provas ao seu favor – por vezes provas ilegais, como os “prints” de conversas via WhatsApp usados para uma operação de busca e apreensão contra empresários bolsonaristas – e quem julga. No Brasil, em tese provas obtidas de maneira ilegal só poderiam beneficiar o réu, nunca a parte autora.

A mesma esquerda que aplaude tais medidas também se entusiasmou quando Flávio Dino, Ministro da Segurança Pública de Lula, prometeu rigor aos golpistas ao propor uma Projeto de Emenda Constitucional (PEC). Essa, dentre outras medidas, puniria plataformas de internet que não derrubarem publicações “terroristas” ou “antidemocráticas”. Mais ousado foi Renan Calheiros, autor de outra PEC – e Renan tenta fundir a sua à de Dino –, que autorizaria o STF a investigar e julgar todo e qualquer cidadão que atente contra o “Estado Democrático de Direito”.

Em resumo, Flavio Dino quer colocar a polícia na gestão das redes sociais, censurando publicações livremente. Já Renan Calheiros quer tornar algo que já ocorre pontualmente, como o STF investigando pessoas sem foro por prerrogativa de função (“privilegiado”), em uma expressa autorização legal.

Voltemos então à pergunta inicial. Não é ótimo que os bolsonaristas e a extrema-direita de maneira geral sejam contidos? Sim, ambos querem instaurar uma cruzada contra a classe trabalhadora organizada, contra os direitos sociais e as liberdades democráticas. Entretanto, defender a proibição de todos os protestos e ocupações, juízes com poderes inquisitoriais e a censura nas redes sociais trava também, e principalmente, a nossa luta.

Hoje os bolsonaristas são impedidos de saírem nas ruas e se manifestarem nas redes sociais. Amanhã, serão os grevistas, os professores, os estudantes, os operários e todos aqueles que, ao perderem as esperanças nas urnas e nas instituições da República, encontrarão contra si os mesmos mecanismos burocráticos de perseguição e censura que vem sendo desenvolvidos. Vamos a outro exemplo.

O ministro Alexandre de Moraes determinou: é proibido ocupar vias e prédios públicos em todo o país. O plenário do STF confirmou a determinação. Em suma, o STF proibiu todo e qualquer tipo de protesto nas ruas, definiu infrações e punições que sequer existem na lei e sobrepôs as já existentes, como as do Código de Trânsito.

Assumindo a condição de intérprete final da Constituição de forma absoluta, o STF está, verdadeiramente, agindo por cima da lei como um “poder moderador” – tal qual disse o próprio ministro do STF, Dias Toffoli. Em Botucatu, lideranças de um protesto organizado por partidos de esquerda foram ameaçadas pela prefeitura e pela polícia com a determinação de Moraes. O protesto foi cancelado.

O que estamos vendo ocorrer é o fortalecimento do bonapartismo judicial. O termo “bonapartismo” que usamos aqui foi cunhado por Marx para nomear as lideranças que, aparentemente representando todo o povo e acima das classes, utilizam o aparelho do Estado para proteger a ordem estabelecida através da força. Na prática, o “Bonaparte” pode ser uma instituição ou mesmo uma pessoa. No capitalismo, o bonapartismo serve para defender os interesses da classe dominante, especialmente sua fração mais poderosa.

O STF, portanto, não está defendendo a classe trabalhadora, mas afiando as armas que usará contra ela no futuro. As maiores direções de esquerda (especialmente CUT, PT, PCdoB, PSOL, UNE, UBES) que estão apoiando o bonapartismo judicial, direta ou indiretamente, expressamente ou por omissão, estão cometendo um crime contra os trabalhadores e seus instrumentos organizativos.

Os órgãos de poder dos trabalhadores nunca deveriam ser substituídos pelos poderes desse Estado, ou seja, dos parlamentos, das forças armadas, da polícia, do judiciário burgueses. As massas sabem que as instituições da República protegem com grande eficiência uma minoria privilegiada de bilionários enquanto jogam migalhas para a maioria. Colocar-se em defesa destas instituições é colocar-se do outro lado da trincheira.

Chamar toda confiança ao “Estado Democrático de Direito” é abrir caminho para que a extrema-direita continue recrutando, com sua demagogia, cada vez mais gente para a sua suposta luta “contra o sistema”. Sendo assim, toda forma de intimidação reacionária precisa ser respondida nos locais de estudo, trabalho e moradia com reuniões, manifestações e serviços de ordem, no sentido da construção de uma frente única contra o bolsonarismo e a extrema-direita.