A cidade de Jackson, no estado do Mississipi, sul dos Estados Unidos, é o município com a maior quantidade de negros do país (censo de 2020), apontando mais de 80% de negros! Não inocentemente, neste local, 215 corpos foram encontrados em sepulturas intencionalmente não identificadas, atrás da prisão central da região, desde 2016.
Como nota ilustrativa sobre esta unidade federativa, não podemos esquecer que o Mississipi foi o último a retirar de sua bandeira o emblema do escravismo norte-americano, em 2020. A conhecida flâmula de fundo vermelho, cruz azul na diagonal com estrelas brancas, representa, historicamente, os Estados do Sul contrários à abolição da escravidão, durante a Guerra Civil Norte-Americana de 1861 a 1865. Aliás, a abolição que o estado se negou a assinar em 1863.
São elementos que engendram a luta de classes nos EUA, atravessada pelo racismo e a desumanização dos corpos explorados pelo capital e suas instituições de repressão. Isto pois, apesar do fim da escravidão ter acontecido em 1863 com a abolição e em 1865 com a 13ª Emenda Constitucional, o tratamento dispensado pelo Estado burguês aos presidiários reproduzem, como um exemplo, o fio condutor da senzala.
O sistema carcerário dos EUA, que, para o governo Lula-Alckmin é modelo de gestão em sua privatização, gasta cerca de US$ 52 bilhões para enjaular mais de 1,46 milhão de pessoas em um país com 340 milhões de habitantes, atrás apenas da China com 1,69 milhão (com 1,4 bilhão de habitantes). O Brasil é 3° nesta tenebrosa tabela de classificação, sendo 68,2% de negros e ultrapassando em 230 mil presos ao que o sistema comporta (Anuário da Segurança Pública de 2023).
Nos EUA, enquanto a população negra é “somente” de 12,6% e latina de 18,9%, a maioria dos encarcerados são justamente negros e latinos. Dados oficiais afirmam que a taxa de negros presos é cinco vezes maior que de brancos:
Novamente, uma expressão do racismo como mecanismo de exploração e segregação entre os trabalhadores, que tem como alvo da polícia negros e jovens pobres.
A própria entidade burguesa de direitos humanos que em nada serve aos direitos dos explorados e oprimidos, a ONU, em seu relatório publicado em setembro de 2023, denunciou a “escravidão moderna” nos presídios norte-americanos. Neste documento, afirma casos como de mulheres algemadas em trabalho de parto, perdendo seus filhos, e homens negros em trabalhos forçados em campos de plantação de algodão “sob a vigilância de homens brancos em cavalos”. E não, não se tratava de 1840, mas de 2023.
É esta situação geral que impulsiona ações brutais como a morte e o descarte destes 215 corpos, dentre eles homens livres, encarcerados ou “indigentes”, na Hinds County Penal Farm, a prisão da cidade negra de Jackson. As sádicas sepulturas eram identificadas com um número em uma placa de metal, onde os corpos sem qualquer cuidado, nem mesmo postos em caixões, eram jogados nesta autêntica vala comum do Mississipi, desde 2016.
Um detalhe carregado de simbolismo deste perverso empreendimento policial diz respeito às valas serem cavadas compulsoriamente pelos presidiários, a mando dos responsáveis pela prisão. Os relatos são de covas rasas com cheiro fétido e o sobrevoo de urubus seguindo as carniças humanas. Para piorar, nenhuma família era notificada das mortes e, muito menos, do local onde o corpo de seu parente estava, mesmo quando o preso e/ou “indigente” possuía identificação ou um familiar à sua procura.
Esse é o caso de Bettersten Wade, que passou sete meses achando que seu filho, Dexter Wade, estava desaparecido desde março de 2023. Porém, o jovem negro havia sido morto pelo atropelamento de um carro da polícia de Jackson.
Dexter, pai de duas crianças, tinha consigo sua identidade e demais documentos, mas, mesmo assim, a polícia não notificou sua mãe, entregando seu corpo ao necrotério da região até que tivesse o destino atrás da prisão. Sua mãe entrou em contato com o Departamento de Polícia de Jackson em 14 de março, em seguida ao “desaparecimento”, enviando foto de Dexter. A polícia não lhe ajudou em nada, ignorando seu pedido de socorro. O irmão de Bettersten também fora vítima fatal da polícia, aos 62 anos, em 2019.
Apenas em agosto, a trabalhadora que perdera seu filho foi avisada pela polícia da morte de Dexter, mas só conseguiu localizar o corpo após dois meses, tendo que pagar uma taxa de US$ 250 por reivindicá-lo, no lote n° 672.
As revelações destes atos demonstram mais de 20 homicídios aos quais a polícia de Jackson simplesmente não notificou qualquer familiar ou órgão público, dentro de um período de somente um ano. Jonathan David Hankins, de 39 anos, Marrio Terrell Moore, de 40 anos e dezenas de outras identidades e histórias se repetiram, com familiares encontrando seus corpos meses depois dos supostos desaparecimentos, tendo a participação direta ou indireta da polícia local, incluindo a omissão nas responsabilizações quando confrontada pelos familiares.
Apesar de uma relativa cobertura da imprensa burguesa e nas redes sociais sobre os casos, principalmente devido às mães dos mortos indo aos jornais pedindo ajuda na divulgação, a cobertura não é proporcional aos crimes contra estas vidas. Assim como não é realmente atento e mobilizado o combate ao sistema carcerário, nos EUA e no Brasil, que justificam esse modo de tratamento aos jovens negros – que tenham ou não cometido algum crime.
Ainda assim, ecoa entre os jovens trabalhadores norte-americanos a revolta com esse caso e toda a situação dos negros e latinos no país. A radicalização da classe, em sua camada mais avançada, já nos deu demonstrações de revoltas sociais massivas, em todos os lugares do mundo, como nas sucessivas manifestações do Black Lives Matter, nos EUA. Essa camada mais consciente, que também se atrai às ideias do comunismo, compreende o fundamento do Estado capitalista e suas instituições, que só têm a dispensar mortes e tragédias para nossa classe.
Diante disso, o aterrorizante é que tais valas comuns nos fundos desta prisão de Jackson simplesmente são resultados, sem filtros na “maior democracia do mundo”, da condição da fração mais explorada dos trabalhadores, que sente o racismo histórica e cotidianamente, subjetiva e objetivamente. Da cultura solapada pelo segregacionismo dos EUA, passando pelos piores postos de trabalho ou ao desemprego propriamente dito, até o assassinato pelas mãos ou pisões de um policial: é isto que o capitalismo impõe aos trabalhadores, especialmente negros.
Contudo, reiteramos que, assim como as próprias valas do Mississipi exemplificam em suas 215 vítimas, os corpos coisificados e desumanizados têm todas as cores e etnias, mas mantém a unidade inquebrável de pertencerem ao proletariado e sua juventude.
Mais do que nunca na história humana, somente a revolução social sob as forças do comunismo internacional é capaz de retirar nossa espécie e toda a vida na Terra desta absoluta barbárie, sepultando e identificando, com todas as letras e em todo o mundo, o verdadeiro responsável: o putrefato capitalismo.