Artigo publicado originalmente no jornal Tempo de Revolução 30, de agosto de 2023. Faça sua assinatura e apoie a imprensa comunista.
“Todavia, nesses dias, fomos sobretudo ativos. Não apenas estávamos na tormenta, como a alimentávamos. Tudo era feito às pressas, mas não tão mal, pelo contrário, muito bem.” (Leon Trotsky, Minha Vida)
A história do movimento operário é farta de exemplos de jornais revolucionários. A preocupação de dialogar com a classe trabalhadora por meio da imprensa obrigatoriamente nos leva aos tempos de Karl Marx e Friedrich Engels. Em maio de 1842, Marx escreveu seu primeiro artigo para a Rheinische Zeitung (Gazeta Renana) criticando a censura do governo prussiano e, em outubro, tornou-se redator-chefe do jornal. No mês seguinte, Marx conhece Engels, que visitava Colônia e, ao retornar à Inglaterra, Engels envia uma série de artigos narrando a situação da classe trabalhadora para serem publicados na Gazeta Renana. Posteriormente, esses artigos juntos se tonariam a obra que conhecemos como “A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra”.
Em 1848, no calor do movimento revolucionário que varria a Europa, Marx e Engels editaram a Neue Rheinische Zeitung (Nova Gazeta Renana), jornal que se caracterizava por narrar em tempo real os desdobramentos da Primavera dos Povos.
Lênin explica, em um artigo publicado em abril de 1914, que a história da imprensa operária russa está entrelaçada com a história do movimento democrático e socialista1. A precursora da imprensa operária no país foi a revista Kólokol (Sino), editada por A. I. Herzen e N. P. Ogariov, ambos fortemente influenciados pelo movimento de cunho republicano dos primeiros revolucionários russos, os dezembristas2. A revista desempenhou um papel importante no desenvolvimento do movimento democrático e revolucionário geral, na luta contra a autocracia e o regime de servidão. Diversos órgãos de esquerda surgiram desde os tempos de Herzen, mas no início do século 20 entraram em cena os jornais marxistas que jogaram um papel determinante na luta de classes: Iskra (A Faísca) e Pravda (A Verdade).
Em dezembro de 1900 nasce o jornal Iskra, primeiro periódico político marxista ilegal de toda a Rússia, órgão do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR). Lênin foi o organizador e dirigente deste periódico, que em seu “cabeçalho […] exibia uma citação da resposta dos dezembristas, escrevendo ao poeta Pushkin do exílio na Sibéria: ‘Da faísca surgirá a chama!’ Quase um século depois de terem sido escritas, essas linhas estavam destinadas a se tornar realidade”3.
Quando o Iskra surgiu, o POSDR era praticamente inexistente como uma força organizada e é com esse propósito, de estabelecer as bases para uma verdadeira organização revolucionária, que Lênin inicia o combate para que o jornal marxista se tornasse essencialmente um organizador coletivo:
“Um jornal, todavia, não tem somente a função de difundir ideias, de educar politicamente e de conquistar aliados políticos. O jornal não é somente um propagandista e agitador coletivo, mas também um organizador coletivo. Sobre esse último aspecto, se pode comparar o jornal com a estrutura de andaimes que envolve o edifício em construção mas permite adivinhar seus traços, facilita os contatos entre os construtores, lhes ajudando a subdividir o trabalho e a dar conta dos resultados gerais obtidos com o trabalho organizado.” 4
A principal batalha travada pelo Iskra nesse período foi contra os economicistas (combate realizado também por Lênin em “O que fazer?”), corrente oportunista que minimizava o significado da teoria revolucionária, negava o papel dirigente do partido da classe operária e se inclinava frente ao caráter espontâneo do movimento operário.
Com a cisão do POSDR em 1903, após o 2º Congresso do partido, o Iskra se tornou o órgão dos mencheviques (que na prática representavam a continuidade do economicismo) e os jornais bolcheviques “que defendiam a tática do marxismo consequente, fiel ao antigo Iskra, foram Vperiod [Avante] e Proletari”5. Apesar da crescente influência dos bolcheviques no período posterior, com as enormes dificuldades impostas pela distância e pela repressão czarista, os jornais bolcheviques não tiveram o mesmo brilho durante um momento chave da história russa que foi a revolução de 1905.
A década seguinte foi marcada pelo refluxo com a derrota da revolução e com a intensificação da repressão por parte da monarquia russa. A maioria dos jornais revolucionários eram impressos fora da Rússia e levados clandestinamente ao país.
Em 1912, em meio a uma onda de greves e intensificação da luta de classes, surge o Pravda. Com uma tiragem inicial de 60 mil exemplares, sustentado financeiramente pelos próprios trabalhadores, o periódico ao mesmo tempo em que foi recebido com entusiasmo pela classe operária chamou a atenção da repressão estatal. Isso fez com que o jornal mudasse de nome inúmeras vezes para driblar a censura e os constantes confiscos.
Apesar do sucesso imediato, a produção do jornal foi bastante conturbada em 1912, quando o Comitê de Redação (composto por Stalin, entre outros) se opôs à publicação dos ataques de Lênin aos liquidacionistas que surgiram no embate sobre a participação na Duma, censurando seus artigos. Ao final, após enorme pressão, Lênin conseguiu corrigir os erros do comitê e apresentar suas posições na imprensa bolchevique. Essas polêmicas que envolveram os periódicos russos do período, em que divergências internas apareciam publicamente, fizeram parte do processo de construção e consolidação do Partido Bolchevique.
Tanto o Iskra quanto o Pravda cumpriram seu papel e foram os verdadeiros andaimes do maior partido operário da história e que levou a classe operária russa ao poder em 1917.
A imprensa operária no Brasil
Jornais revolucionários surgiram antes mesmo da Proclamação da República no Brasil, mas tratemos dos principais periódicos produzidos pelas organizações operárias no século passado.
Em 1917, foi lançado em São Paulo o jornal A Plebe, que tinha entre os seus colaboradores Astrojildo Pereira, futuro fundador e dirigente do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Nele, seus redatores buscavam conceituar tanto o anarquismo quanto o comunismo e tentaram conectar seu jornal com as lutas da época, para citar um exemplo:
“O editor-proprietário do jornal, Edgard Leuenroth, participou ativamente da greve de 1917 na cidade de São Paulo, tornando-se uma das lideranças do movimento, inclusive através de A Plebe.”6
Em maio de 1925 é fundado o jornal A Classe Operária, que “embora fosse órgão oficial do PCB, não assumia formalmente essa condição, preferindo qualificar-se como um ‘jornal de trabalhadores, feito por trabalhadores, para trabalhadores’. Seus principais fundadores foram Astrogildo Pereira e Otávio Brandão Rego, auxiliados por José Lago Molares e Laura Brandão”7.
Na década de 1930 surgem os grupos trotskistas, que foram expulsos do PCB após seu processo de burocratização a partir da degeneração do Partido Bolchevique e da Internacional Comunista, e com eles o jornal A Luta de Classe. “Apesar da diversidade de denominações [dos distintos grupos que surgiram], a existência de um fio de continuidade em termos de linha política, de militantes, de filiação internacional e a manutenção de seu órgão oficial [atestaram a] unidade [dos trotskistas]”8.
Esses são apenas alguns exemplos dos inúmeros jornais revolucionários publicados no Brasil.
Vale ainda destacar o jornal O Trabalho, lançado pela Organização Socialista Internacionalista (OSI) em 1978, que foi uma das mais importantes publicações trotskistas do final da ditadura.
Por fim, a Esquerda Marxista contou com alguns periódicos ao longo das últimas décadas, sendo eles: O Trabalho (Maioria)9, Luta de Classes, Foice & Martelo e o atual Tempo de Revolução.
Um jornal impresso na era da internet?
Embora os jornais revolucionários tenham jogado um papel indiscutível na história do movimento operário é preciso compreender como e porque eles alcançaram isso. Há uma questão que também precisa ser respondida um século após os eventos acima relatados: com o advento da internet e o declínio das mídias impressas, um jornal impresso ainda é necessário?
Sobre essa questão, devemos considerar alguns elementos. Em primeiro lugar, a internet pode ser facilmente censurada e, em questão de minutos, um site ou uma rede social podem ser derrubados no país. Os marxistas devem ter consciência de que a burguesia é capaz de rapidamente abandonar qualquer “princípio” democrático caso seja útil para preservar seu regime. Difundir um jornal impresso clandestinamente pode ser uma tarefa desafiadora, mas os exemplos históricos demonstram como ainda hoje é algo possível, dependendo do nível de organização do partido revolucionário e da sua influência na classe trabalhadora.
O segundo ponto a considerar, é que mesmo sendo muito útil para disseminar as ideias marxistas, um site não substitui a difusão do jornal em um local de trabalho, piquete ou ato, isto é, na atividade militante prática na luta de classes. Ainda hoje, quando necessitamos intervir em um ato ou uma assembleia não há quem questione a importância de um panfleto impresso para espalhar durante o evento, por exemplo, e um jornal é igualmente indispensável se queremos um instrumento para dialogar diretamente com nossos contatos.
Além disso, a produção coletiva desde a elaboração das pautas, passando pelo diálogo com os redatores, escrita e correção dos artigos, distribuição, venda militante e, finalmente, centralização nas células é um dos elementos da construção da organização revolucionária.
O Tempo de Revolução é hoje a cara pública da Esquerda Marxista e por meio dele buscamos apresentar a palavra de ordem correta, expressar seu conteúdo por meio de uma capa adequada e aprofundar nossas posições em nossos artigos. Buscamos ser como foram o Iskra e o Pravda, entre tantos outros, um jornal que educa seus leitores na teoria marxista e fornece um guia para a ação; que relata as principais lutas da classe trabalhadora e da juventude e extrai as lições necessárias para auxiliar nos combates que ocorrem a nível nacional e internacional; que possibilita a intervenção dos militantes no movimento operário e da juventude para ganhar novos quadros para o programa do marxismo.
Um militante que pega o seu jornal em célula, vende para um contato e, posteriormente, discute com esse mesmo contato sobre algum tema que o jornal apresenta, está, na verdade, construindo a sua própria organização.
Não ignoramos as possibilidades que a internet nos oferece, mas buscamos conectar as diferentes mídias e fazer com que uma complemente a outra.
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A venda militante da nossa imprensa é também um elemento de educação ao envolver o militante na responsabilidade de sustentar financeiramente a organização e assim garantir a nossa independência política. Um jornal operário só pode defender o marxismo se é sustentando por aqueles que o leem, e isso inclui os próprios militantes da Esquerda Marxista ao tornarem-se assinantes do nosso jornal. Chamamos a todos os nossos leitores que ainda não assinam o Tempo de Revolução para que façam isso agora, que ajudem a sustentar a imprensa operária e independente.
Chamamos a todos os nossos camaradas para que se tornem redatores, que se conectem com as lutas da juventude e dos trabalhadores, que mobilizem nas escolas e nas ruas contra o Novo Ensino Médio, que atuem nas suas categorias e disputem os sindicatos e, a partir da atividade diária, reflitam e escrevam sobre os combates que travam.
A imprensa operária é um instrumento fundamental para a construção de uma direção e de um partido revolucionários, esses são os passos indispensáveis para aqueles que buscam pôr um fim à decadente sociedade capitalista e construir o socialismo.
Notas e referências:
1 LÊNIN, Vladimir Ilich. La información de classe. Siglo XXI Argentina Editores S. A., Córdoba, p. 105, 1973.
2 Os primeiros revolucionários russos são conhecidos como dezembristas, porque a sua primeira revolta se deu em dezembro de 1825. Eles eram na sua maior parte jovens oficiais da nobreza que tinham tomado parte na guerra contra Napoleão, que acordara a sua consciência política. Embora eles próprios viessem da nobreza proprietária de terras, não apoiavam a servidão, que consideravam o maior mal do país. Compreenderam que a mais importante tarefa da Rússia era abolir a servidão e a autocracia.
3 WOODS, Alan. Bolchevismo: el camino a la revolución. Centro de Estudios Socialistas, Argentina, p. 146, 2017.
4 LÊNIN, Vladimir Ilich. Por Onde Começar. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1901/05/onde.htm. Acesso em 25 jul. 2023.
5 LÊNIN, Vladimir Ilich. La información de classe. Siglo XXI Argentina Editores S. A., Córdoba, p. 110, 1973.
6 DANTAS, Carolina Vianna. A Plebe. Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/PLEBE,%20A.pdf. Acesso em: 25 jul. 2023.
7 FERREIRA, Marieta de Morais. A Classe Operária. Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/CLASSE%20OPER%C3%81RIA,%20A.pdf. Acesso em 25 jul. 2023.
8 ABRAMO F.; KAREPOVS D. (Orgs.). Na Contracorrente da História: documentos do trotskismo brasileiro 1930-1940. Editora Sundermann, São Paulo, p. 41, 2015.
9 A Esquerda Marxista surgiu a partir do racha da Corrente O Trabalho (antiga OSI) ocorrido em 2006, após a minoria expulsar a maioria e tomar a sede da organização.