Os comunistas na Internet e a criatividade militante (Parte 2)

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo Especial nº 05, de 30 de abril de 2020. Confira a edição completa

PARTE 1

O papel das direções caducas e o papel dos comunistas na internet

Como andam as direções da classe trabalhadora na época da quarentena? Muitas lives, poucas iniciativas para organizar as diversas categorias. Enquanto a crise econômica se aprofunda e os trabalhadores são jogados à morte e ao desespero, a maior central sindical do país, a CUT, organiza nas redes sociais a “Semana dos Trabalhadores e das Trabalhadoras”. Essa semana se organiza em torno de diversos dias, com  “conversas” com os dirigentes sindicais e convidados, sendo Lula o principal deles, por uma live musical, sendo finalizada por um ato “político, religioso e artístico” no dia 1º. O evento substitui o primeiro de maio nas ruas, suspenso devido a pandemia. Segundo o site da CUT,

Haverá transmissões diárias de entrevistas com lideranças sindicais nos canais oficiais da entidade no Facebook e YouTube, além de intervenções artísticas e notícias sobre o mundo do trabalho das categorias que compõem a base da entidade.1

Não é novidade que essa central sempre tentou fazer do primeiro de maio uma grande “festa da democracia”, no lugar de usá-lo como instrumento político para fazer avançar a consciência de classe ao organizar atividades e preparar os trabalhadores em cada local de trabalho. Portanto, não há surpresa alguma na proposta festiva e de contemplação aos dirigentes da CUT. Só conseguimos não nos surpreender com esse tipo de evento, porque sabemos que os atos do primeiro de maio nas ruas já haviam se transformado em palanques de impulsão de lideranças parlamentares e sindicais desde a eleição de Lula.

No site da Central não há nada que diga respeito a plenárias de base online organizadas por ao menos um dos seus quase 4 mil sindicatos2. Essas plenárias online tenderiam a se transformar futuramente, tendo em vista o ânimo dos trabalhadores antes da quarentena em todo o mundo, com um explosivo 2019, em assembleias em cada empresa, bairro, escola, universidade. Assembleias de base compondo movimentos de massa contra a austeridade, o desemprego e a fome deflagrariam o duplo poder no Brasil, levando a classe trabalhadora a uma consciência de sua força como nunca antes vista. 

A CUT, quando não está tentando conter o movimento de massas, tenta apodrecer suas raízes. Nesse sentido, não houve diferença política essencial do trabalho online para o presencial. Quem quer estabelecer tratados de paz com a burguesia e construir palanques para conservar sua posição social ou ascender, encontrará formas de fazer isso, seja pela internet ou fora dela. Da mesma maneira, quem busca preparar a classe para a revolução socialista, dando a ela consciência de sua força e seu lugar revolucionário na história, continuará buscando formas de criar um partido político independente e revolucionário, comunista de fato. 

A esquerda burguesa e pequeno burguesa, que pode ser hoje resumida como aquela organizada em torno das direções do PT, PCdoB e Psol, confia plenamente na Constituição e nas instituições burguesas para atingir seus objetivos, que deixaram de ser os da classe trabalhadora. O que mais temem são as massas revoltadas em ação, pois veem nela um elemento de desestabilização de um regime que lhes deu cargos no Estado e diversos aparelhos em sindicatos e movimentos sociais. Estão enfeitiçados pela máquina administrativa e estão dispostos a perder suas vidas por ela.

A defesa em seus programas, cada um a seu modo, de uma etapa “democrática”, popular, de unidade nacional, reflete o real papel dessas direções na luta de classes: guardiãs da ordem burguesa. Ao contrário do que defendem, a revolução não é um ato que se pode esperar chegar ou estar ao alcance da mão para ser preparada. Precisamos de milhares de novos comunistas! As gerações experimentadas no século 20 estão tomadas pelo desânimo decorrente das traições das direções stalinistas, e as novas gerações, apesar de cheias de energia e disposição, são inexperientes, e pouco conhecem o materialismo histórico.

Confiaríamos a tarefa de percorrer grandes distâncias, no menor tempo possível, a um condutor novato de veículos que não sabe o que é o volante, a marcha, a embreagem e o acelerador ao sentar no banco de motorista pela primeira vez? Também não é garantido que terá sucesso o motorista novato que apenas conhece teoricamente o veículo e seu funcionamento, mas certamente a preparação prévia diminui de forma considerável os riscos na empreitada.

 Em uma revolução é necessário que exista uma direção revolucionária, formada durante anos de lutas e estudos, apta para se oferecer como liderança à classe trabalhadora, contra o inimigo reacionário comum que se apresenta, em tempos de crise, de maneira evidente aos olhos de todos: os patrões e seus governos.

A condição mais imediata e íntima da revolução é a prontidão das massas para realizar uma revolução. Mas essa prontidão não pode ser preservada, deve ser usada no exato momento em que se revela.3

Sendo assim, o grande medo das direções caducas, assim como o dos seus aliados burgueses, é ser deixada para trás. Afinal, para a massa de trabalhadores que não se organizam em volta dos seus círculos não há motivo algum para fazer festas nessa “democracia”; o peso da opressão e da austeridade vêm tanto da esquerda quanto da direita. 

O Partido Comunista é, no período da revolução mundial, por sua própria essência, um Partido de ataque, um Partido de assalto à sociedade capitalista: ele tem o dever, a partir de uma luta defensiva contra a sociedade capitalista, de aprofundar essa luta, ampliá-la e transformá-la em ofensiva. Além disso, o Partido tem o dever de fazer tudo para conduzir de uma só vez as massas a esta ofensiva, estando dadas as condições favoráveis.4

Os reformistas falam, a todo momento, que ainda não há “relação de forças” para iniciar uma mobilização que seja, em parte, conspirativa contra o Estado; temem a repressão. Os comunistas não têm medo de se tornarem inimigos perigosos para a classe dominante e seu aparato repressivo, porque confiam na capacidade da classe trabalhadora em entrar em movimento. E diante das massas em movimento, as instituições burguesas, com toda sua velharia policial e burocrática, se tornam ineficazes. 

Além disso, o que os quadros da revolução falam ou fazem na internet, ou fora dela, não poderá ser nunca fruto puro da revolta ou do ódio individual destilado, mas sim a expressão de debates e decisões coletivas. A vanguarda da classe operária não irá colocar tudo a perder nem arriscará sua vida e sua família, se não tiver esperança na vitória futura. Por isso mesmo a organização dos comunistas não pode ser amadora e se expor a riscos desnecessários. Discursos ou postagens suicidas, individualistas, ideias inflamadas para bolhas de curiosos, de “amigos e seguidores” iconoclastas que não querem se organizar ou se preparar para a revolução, definitivamente não podem compor as atitudes de um comunista na internet. Agindo assim, coloca-se em risco todos os camaradas e o crescimento da organização.

Em suma, a situação atual é que grande parte da classe trabalhadora e da juventude está muito mais tempo em casa, e os panelaços contra Bolsonaro e seu governo, assim como sua desaprovação nas pesquisas, se intensificam diariamente junto ao número de mortos da pandemia. As ideias de transformação radical da sociedade e os chamados para que a classe trabalhadora e a juventude se preparem com os comunistas para a revolução estão muito mais atrativos do que antes da quarentena, pois encontram fundo em necessidades urgentes. 

A falta de privacidade, a vigilância dos governos ou as falhas nos sistemas de videoconferência na internet deverão ser compensados por uma ação individual impecavelmente impulsionada pelo coletivo. Para isso, no âmbito interno da organização, deve haver total liberdade de debate e discussão. Longe de ser um prejuízo para a Esquerda Marxista, as ações na internet, como parte de um plano coletivo de intervenção na luta de classes, despontam um período de expectativa de crescimento, recrutamento e aprimoramento dos quadros e lideranças. 

Uma organização de combate se adapta aos mais variados terrenos, mas é preciso também olhar para dentro de suas fileiras, para cada camarada que se sente esmagado por viver neste mundo verticalizado, impiedoso, implacável. Em “A Ideologia Alemã” Marx e Engels afirmam que:

As ideias dominantes não são nada mais do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, são as relações materiais dominantes apreendidas como ideias; portanto, são a expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante, são as ideias de sua dominação.

 A escola bolchevista-leninista – como Trotsky nomeava aqueles que combatiam na Quarta Internacional pelo socialismo, mas também contra os traidores – ensina aos jovens a transformarem as ideias em força material. Ao longo dos anos, os militantes comunistas se tornam artistas que compreendem que cada ideia ganha seu devido alcance de acordo com as possibilidades dadas pelas relações materiais dominantes, e que, por isso, é preciso preparar cuidadosamente os instrumentos intelectuais e materiais para quando estas relações se alterarem abruptamente. 

Quando as relações se colocam a favor dos comunistas, ou seja, quando a classe social oprimida se levanta em uma revolução e fica disposta a tomar os meios de produção, é necessário que já esteja formado, antecipadamente, um corpo de oficiais capazes de auxiliar essa classe a ir até o fim no seu objetivo, tomando o poder político da sociedade e transformando-a de baixo para cima. Hoje é pela internet que está sendo formado o corpo de oficiais do futuro exército proletário.

Referências:

1 <https://www.cut.org.br/noticias/ao-sair-do-governo-moro-acusa-bolsonaro-dos-mesmos-crimes-que-ele-cometeu-c5e3>

2 <https://www.cut.org.br/noticias/adesao-de-novos-sindicatos-fortalece-luta-da-cut-contra-ataques-do-governo-bolso-f538>

3 Leon Trotsky, “Through What Stage Are We Passing?” , <https://www.marxists.org/archive/trotsky/1924/06/stage.htm>

4 Resoluções do 3º Congresso da III Internacional Comunista <https://www.marxists.org/portugues/tematica/1921/congresso/index.htm>