Os ensinamentos das lutas guatemaltecas

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo Especial nº 21, de 10 de dezembro de 2020. CONFIRA A EDIÇÃO COMPLETA.

Como acontece repetidas vezes na história, quando os jovens e os trabalhadores se colocam nas lutas e nas ruas, os poderes burgueses são forçados a recuar em seus ataques para tentar conter a chama revolucionária que há entre os explorados e oprimidos. Nas últimas semanas, a Guatemala nos oferece esse exemplo e demonstra a capacidade que os trabalhadores de todo mundo possuem em não apenas defender seus direitos, mas, principalmente, parir uma nova sociedade.

Para entendermos esses eventos, precisamos sempre reafirmar algo fundamental. Quando os marxistas afirmam a necessidade histórica da revolução permanente, explicando que o internacionalismo proletário não se trata de uma bandeira abstrata, não há outra comprovação mais concreta que a própria luta de classes. Evidentemente que cada país possui seu desenvolvimento histórico e contradições internas, que expressam a falência do sistema. Contudo, essencialmente em uma época de agonia e horror sem fim do capitalismo, os sinais de rupturas de classes e ebulições sociais são praticamente os mesmos em todos os países. Os guatemaltecos deixam isto bem claro, mostrando um enorme paralelo com o governo Bolsonaro no Brasil.

A Guatemala, país com maior economia na América Central – PIB de US$ 70 bilhões por ano -, possui uma história de intensas revoltas e revoluções, como os Dez Anos de Primavera de 1944 a 1954 e a luta das massas trabalhadoras que derrubaram o governo Otto Pérez e Roxana Baldetti. Em 2020, como acontece em todo o mundo, os jovens e trabalhadores deste país estão em movimento contra os ataques do governo Giammattei e o congresso nacional.

Assim como o governo Bolsonaro no Brasil, Alejandro Giammattei e os demais governantes burgueses do país anunciaram um orçamento de guerra para o próximo ano, após aprovação do congresso, cortando na carne da população para a manutenção das taxas de lucros da classe dominante. Feito Bolsonaro, que propôs retiradas de 8,61% da Educação, 12,13% da Saúde e 27,71% da Ciência e Tecnologia, elevando para 16,16% a verba para as Forças Armadas, Giammattei atacou a Saúde, a Educação e as instituições públicas de combate à pobreza e exclusão social, aumentando para a Defesa e os gastos supérfluos do governo federal.

Acontece que a revolta na Guatemala foi tamanha, com paralisações, grandes atos e, inclusive, grupos de manifestantes ateando fogo no Congresso, que a própria burguesia explicitou suas cisões a partir da ruptura realizada pelo vice-presidente Guillermo Castillo com o seu presidente Giammattei, ao pedir sua renúncia. As mobilizações de massa ocorrem após 11 meses do governo do partido de direita Vamos assumir a República.

Obviamente, esta onda de revoltas pelo fim de Giammattei não surge somente devido ao orçamento criminoso, mas por toda a crise do sistema, que se aprofunda com um governo burguês incapaz de ter realizado quarentena em qualquer período da pandemia de covid-19. A atuação do governo contra a paralisação da economia evitou uma maior crise financeira no país, mas contaminou 123.460 e matou 4.191 pessoas, segundo dados oficiais. Somam-se a isso os furacões no norte do país que levaram 150 vidas e causaram maiores desastres materiais.

Como resultado das massivas manifestações dos jovens e trabalhadores, o congresso anunciou, no último dia 23 de novembro, a suspensão do projeto de ajuste orçamentário. Porém, isso ainda não significa uma efetiva vitória, pois, como denuncia a oposição do governo, trata-se de apenas mais uma amostra da cisão entre os políticos da ordem, em que os dirigidos pelo presidente do congresso, Allan Rodríguez, buscam salvar seus mandatos entregando a cabeça do presidente.

Com o recuo do congresso, o vice Castillo manifestou seu apoio às “manifestações pacíficas” e voltou atrás no pedido de renúncia, pois, agora, com a suspensão do orçamento ou com novas emendas a ele, o governo mereceria uma segunda chance. Isto demonstra que as massas não devem parar sua organização e luta contra todo o sistema, pois cabe aos defensores da república burguesa atuar de todas as maneiras possíveis para manter seu poder, mesmo que isto represente entregar alguns anéis.

Diante de toda essa ebulição, Giammattei não vê muitas saídas, além de exigir a lei e a ordem:

Isto é, nada diferente do que fazem os reacionários e os “progressistas” quando veem as massas trabalhadoras em revolta, colocando fogo no país. No Brasil, foi desta mesma forma em que atuaram nas Jornadas de Junho e Julho de 2013, bem como no “Fora Temer” de 2016, no “Ele Não” em 2018, nos atos contra os cortes na Educação em 2019 e nas manifestações contra o racismo em 2020. De Dilma, Temer e Bolsonaro ao manifesto “Estamos Juntos”, os políticos “da lei e da ordem” abraçam-se contra os trabalhadores, seja aqui, na Guatemala, nos EUA e em qualquer outro país.

Esse cenário de crises evidencia o que sempre defenderam Lenin e os bolcheviques ao explicarem que a classe trabalhadora internacional só possui uma arma: a organização revolucionária. Os problemas que impedem o avanço das mobilizações como ocorrem na Guatemala são sintetizados na crise de direção do movimento operário, tão histórica quanto a gerada pelo capitalismo. Como tônica em todo o mundo, a ausência de uma direção marxista atua como um freio para a derrubada deste sistema podre, que brinca com as vidas da maioria da população.

Os trabalhadores guatemaltecos possuem a mesma tarefa que os brasileiros: formar seu partido revolucionário capaz de explicar a raiz dos nossos problemas e pôr abaixo os corruptos e assassinos governos burgueses, representados, nestes casos, por Giammattei e Bolsonaro. Assim, devemos nutrir nossa luta no Brasil com os ensinamentos da Guatemala, pois os paralelos evidenciam que tal como lá, a criminosa proposta orçamentária do governo federal pode colocar o país em convulsão social.