Jair Bolsonaro e Edir Macedo no Templo de Salomão, em São Paulo Foto: Alan Santos/PR

Os mercadores da fé

Na última quinta-feira, 18 de março, o bispo e fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo, juntamente com sua esposa, foi vacinado contra o novo coronavírus em Miami, onde mantém uma luxuosa residência.

Segundo o Portal IstoÉ, no mês de março do ano passado, ainda no início da pandemia, Edir Macedo teria dito aos fiéis “para não se preocuparem com a disseminação do coronavírus”. Para ele, a tensão que o mundo já vivia à época era uma “tática de Satanás” e “trabalho da imprensa para causar desespero”.[1]

Alguns meses após este pronunciamento ele mesmo contraiu a doença e foi internado no hospital Moriah, do qual é dono. Isso é bastante comum entre os mercadores da fé, como Edir Macedo. Creditam as doenças que acometem seus fiéis a possessões demoníacas, feitiços etc., mas, quando adoecem, procuram a ciência. No seu caso preferiu não esperar sua vez no Brasil: correu para os EUA e tomou a vacina contra o coronavírus, única possibilidade, até o momento, de combater a terrível doença.

No momento em que, no Brasil, o número de mortos pela Covid-19 se aproxima dos 300.000, com o sistema de saúde colapsado, sem vagas em UTIs e na iminência de esgotamento dos medicamentos necessários à intubação, boa parte das seitas neopentecostais, como igreja universal de Macedo, faz coro com o negacionismo assassino de Bolsonaro. O charlatão Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial, chegou a vender sementes de feijão a R$ 1000,00 que, segundo ele, fazia milagres, incluindo a cura para a Covid-19. Enquanto isso, o Procurador da República nomeado pelo atual presidente, Augusto Aras, após receber dois líderes neopentecostais, saiu em defesa da abertura de templos[2], mesmo diante do ápice da contaminação. O governador de São Paulo, João Dória, em um dos seus Decretos, definiu que igrejas e templos estão inseridos entre as atividades essenciais.

Mas quem é Edir Macedo? Oriundo de família católica, ex-escriturário da Loterj, Edir Macedo iniciou sua carreira religiosa juntamente com seu cunhado, o também pastor R. R. Soares, no salão de uma funerária, onde fundou a Igreja Universal do Reino de Deus. No início dos anos 80 rompeu com seu cunhado que criou a Igreja Internacional da Graça de Deus.

Ao longo dos anos 80 e 90, Macedo investiu pesado em programas de rádio e televisão e na construção de novos templos, muitos, em cinemas desativados, chegando ao ponto de adquirir um grande conglomerado de comunicações, a Rede Record.

A vida de Edir Macedo e sua igreja é narrada no livro “O Reino. A história de Edir Macedo e uma radiografia da Igreja Universal”, do jornalista Gilberto Nascimento.[3] O autor conta que “Edir Macedo é um dos raros homens no mundo — e o único no Brasil — a ter sob os seus domínios uma igreja, uma rede de TV, um partido político [o Republicanos] e um banco”. Além disso, mantém em nome de bispos e fiéis, uma operadora de plano de saúde, hospitais, clínicas médicas, fábrica de refrigerantes e outros empreendimentos. Seus templos estão espalhados por cerca de 120 países, sendo que a sede está situada no ostentoso Templo de Salomão, em São Paulo.

Para conquistar e consolidar seu império midiático e empresarial, Macedo sempre manteve boas relações com o poder político. Aliou-se a Collor, FHC, Lula e Dilma- que prestigiou, com sua presença, a inauguração do Templo de Salomão. Entretanto, quando o governo Dilma começou a ruir, Macedo apoiou o impeachment e hoje colabora com o governo Bolsonaro. O pastor ainda mantém uma significativa bancada de deputados na Câmara Federal e em 2016 elegeu seu sobrinho, e, também, pastor da Universal, Marcelo Crivella para a prefeitura do Rio de Janeiro.

Edir Macedo e outros mercadores da fé, como R. R. Soares, Silas Malafaia e Valdemiro Santiago, lideram as chamadas “igrejas neopentecostais”. As referidas igrejas, ou seitas, pregam a “teologia da prosperidade”, no sentido de convencer os fiéis de que a fé, aliada às doações que fazem à igreja, podem não apenas salvar suas almas, mas resolver tanto os seus problemas espirituais, como os materiais. Para atrair o maior número de fiéis, adotam uma moral mais flexível que outras denominações evangélicas que chegaram ao Brasil no início no século XX, a maioria vinda dos EUA, como as igrejas Assembléia de Deus, Adventista do Sétimo Dia, entre outras.

Ao longo da história, as religiões sempre cumpriram a missão de alienar a humanidade, amortecer e fazer com que os explorados aceitem passivamente o fardo que lhe é colocado nas costas para sustentar os privilégios da classe dominante, para que após a morte sejam de alguma forma recompensados pela vida terrena miserável.[4]

Marx escreveu na Introdução de sua “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”:

A miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da miséria real e o protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração, assim como o espírito de estados de coisas embrutecidos. Ela é o ópio do povo.

A supressão [Aufhebung] da religião como felicidade ilusória do povo é a exigência da sua felicidade real. A exigência de que abandonem as ilusões acerca de uma condição é a exigência de que abandonem uma condição que necessita de ilusões. A crítica da religião é, pois, em germe, a crítica do vale de lágrimas, cuja auréola é a religião.[5]

Mas as novas igrejas, como a Universal de Edir Macedo, vão além da função alienante, pois transformam a fé em mercadoria e prometem prosperidade na vida terrena. Nos seus cultos transmitidos pela TV são comuns os “testemunhos”, seja de algum milagre que livrou o fiel de uma doença ou de um êxito financeiro. Claro que para alcançar a “graça” não basta a fé, é preciso prová-la por meio das vultuosas doações para a “obra de Deus”.

Por isso, a tarefa de um governo dos trabalhadores seria, sem necessariamente proibir a liberdade de credo, revogar todas as concessões de rádio e televisão onde os mercadores da fé praticam de forma descarada o estelionato e o charlatanismo e responsabilizá-los pelos crimes que praticam cotidianamente contra o povo explorado.

O dia em que a humanidade, a classe trabalhadora, se libertar do jugo da exploração também será libertada de toda a ideologia que a impede de exercer plenamente sua consciência de classe. Ou, como disse Marx:

A crítica arrancou as flores imaginárias dos grilhões, não para que o homem suporte grilhões desprovidos de fantasias ou consolo, mas para que se desvencilhe deles e a flor viva desabroche. A crítica da religião desengana o homem a fim de que ele pense, aja, configure a sua realidade como um homem desenganado, que chegou à razão, a fim de que ele gire em torno de si mesmo, em torno de seu verdadeiro sol. A religião é apenas o sol ilusório que gira em volta do homem enquanto ele não gira em torno de si mesmo.[6]

Referências:

[1] Após estimular fiéis a não temerem a Covid-19, Edir Macedo é vacinado nos EUA. Portal Isto É. Edição 2670, de 19/03/2021. https://istoe.com.br/apos-estimular-fieis-a-nao-temerem-a-covid-19-edir-macedo-se-vacina-nos-eua/ Acesso em 20/03/2021.

[2] Aras defende abertura de templos de olho em apoio para vaga no STF. Portal UOL 19/03/2021. https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2021/03/19/aras-defende-abertura-de-templos-visando-apoio-de-evangelicos-a-seu-nome-p-o-stf.htm? Acesso em 20/03/3021.

[3] NASCIMENTO, Gilberto. O Reino. A história de Edir Macedo e uma radiografia da igreja universal. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

[4] Não é objeto do presente texto, mas é bom mencionar que a reforma protestante do Sec. XVI, que fez surgir as igrejas luterana, calvinista e anglicana, muito contribuiu para o desenvolvimento do capitalismo nascente, pois relacionava a riqueza material como uma benesse de Deus conquistada por meio do trabalho. Max Weber, teórico burguês e autor da “Ética protestante e o espírito do capitalismo”, escreveu: “O efeito da Reforma, como tal, em contraste com a concepção católica, foi aumentar a ênfase moral e o prêmio religioso para o trabalho secular e profissional”.

[5] MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. Trad. Rubens Enderle e Leonardo de Deus. 2ª Ed. São Paulo: Boitempo, 2010.

[6] MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. Trad. Rubens Enderle e Leonardo de Deus. 2ª Ed. São Paulo: Boitempo, 2010.