O número de mortes registradas por Covid-19 alcançou níveis alarmantes ao final de março no Brasil e mostra tendência a seguir em alta por mais dias. Em constante crescimento desde o ano passado, o número de casos da doença e suas consequências trágicas, deixam cada vez mais evidentes os responsáveis por essa barbárie, na qual os trabalhadores, desamparados, não têm valor algum, sendo entregues para a morte enquanto os altos escalões se ocupam com jogos políticos que atendem aos interesses da burguesia.
Pela primeira vez o país atinge 3 mil mortes diárias, pela média móvel semanal, sendo que cerca de 1/3 destes óbitos estão concentrados só no estado de São Paulo, considerado o mais rico do Brasil. Essas taxas são ainda mais preocupantes atreladas a desfaçatez de governantes e lideranças e ao colapso da rede de saúde, já que a ocupação dos leitos de UTI no estado se mantém acima de 90% e tem sofrido com a ameaça de falta de insumos, reduzindo as perspectivas de tratamento adequado às pessoas em quadros mais graves. Vale registrar que o número de óbitos deste último período supera o pior momento da pandemia em 2020 e guarda relação com infecções ocorridas ao final de fevereiro e início de março de 2021.
Apesar da progressão da pandemia apontar para seu agravamento, as medidas restritivas enfraquecem, enquanto aumenta a pressão para a retomada das atividades presenciais em favor da retomada da economia e da normalidade, com a promessa de uma campanha de vacinação ainda insípida. A bandeira contra o isolamento social tem sido a marca do governo Bolsonaro desde o início da pandemia, ao minimizar a doença e inserir protocolos preventivos, que além de questionáveis têm se mostrado nocivos. Entretanto, a negligência do governo federal não é a condição absoluta para o aumento vertiginoso dos casos de contaminação e para o aprofundamento da crise sanitária.
Em São Paulo, o governador João Dória (PSDB), que mesmo se apresentando como oposição ao atual presidente, caminha no mesmo sentido ao adotar medidas que beneficiam mais a sua campanha política do que a população. Ao longo do período da pandemia o governo do estado de São Paulo sustentou as medidas mínimas para o controle da pandemia (o que facilmente inspira confiabilidade para qualquer figura pública frente ao discurso da cloroquina), mas, efetivamente, manteve a população sob condição de precariedade e vulnerabilidade. No estado de São Paulo, a queda da renda foi mais acentuada do que em outros estados e o impacto foi maior entre trabalhadores mais pobres. Lideranças comunitárias apontam que nada foi planejado para administrar a crise na periferia, pois as orientações de distanciamento e restrição de circulação se chocam com a realidade de famílias inteiras que moram em poucos cômodos e dependem do trabalho informal, como fonte de renda, buscando superar a alta de preços. Para a classe trabalhadora, os planos de contenção e as respectivas fases são apenas um pano de fundo para a exploração habitual, que padece pela completa ausência de apoio por parte dos sindicatos.
A pressão pelo retorno às atividades presenciais no estado fica clara pelas diversas arbitrariedades sobre os planos de enfrentamento propostos pelo próprio governo, violando fases e protocolos de reabertura antes do previsto com flexibilização para o funcionamento do comércio e outras atividades não-essenciais, além de adotar estratégias de baixo impacto, como toque de recolher entre às 20h e às 5h e o grande arranjo com feriados e recessos, protegendo a figura de João Dória de medidas impopulares. O próprio tensionamento sobre a retomada das aulas presenciais revela um longo processo de negociações e atropelos. Já em junho de 2020, o estado de São Paulo anunciava a perspectiva de retorno em setembro do mesmo ano, que de fato foi concretizado, com protocolos performáticos de segurança.
Apesar da baixa adesão na rede pública na época, a rede privada legitimou a reabertura. Em 2021, o início do ano letivo com aulas presenciais foi fixado em 8 de fevereiro. Em declarações, João Dória e o secretário estadual da educação, Rosseli Soares, defendem as aulas presenciais alegando preocupação com a “estabilidade emocional” e qualidade de ensino e formação das crianças e jovens. Como se os comprometimentos da qualidade de vida e de educação formal tivessem surgido por conta do isolamento social e não por condições anteriores à pandemia, como fatores econômicos e sociais, além dos diversos ataques à Educação, com escolas com infraestrutura precária e falta de insumos básicos para ensino e higiene. No mesmo mês, os profissionais da educação se viram a mercê da própria sorte quando a APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) convocou uma “greve sanitária” que, além de fajuta, foi deslegitimada pelos seus proponentes ao orientarem os trabalhadores a não aderir, frente ao risco de sofrerem retaliações. Assim, é impossível deixar de responsabilizar a organização e a sabotagem da greve pelo “grave quadro” de mortes de alunos e profissionais da educação.
Em meados de março, centrais sindicais (CSB; CUT; Força Sindical; UGT; CTB e NCST) se reuniram com João Dória, em solidariedade ao ataques e ameaças sofridos por ele de seguidores de Bolsonaro e com a pauta do auxílio emergencial e defesa da vacina, sob o entendimento de que os sindicatos, o governo e o setor patronal devem buscar saídas conjuntamente. O que se vê entre as lideranças sindicais é um festival de oportunismo e de abandono das pautas dos trabalhadores ao procurar conciliar-se com este governo e com a burguesia. Entretanto, em meio a pandemia, os sindicatos justificam a falta de ação em nome da preservação de vidas, ao respeitar o isolamento, e limitam-se a reivindicar a vacinação para as próprias classes profissionais, ironicamente, surfando com a promessa da imunização sobre os 328 mil mortos pela Covid-19 registrados no Brasil.
Mesmo se apresentando tardiamente, em quantidade insuficiente e com uma campanha lenta e paralisada em algumas cidades, a vacina contra a Covid-19 tem sido um trunfo do ano de 2021. Ao trazer alívio e esperança, adia confrontos e se configura como mais um recurso de barganha. Na prática, a promessa de vacinação pressiona os trabalhadores a se expor ainda mais esperando por um cenário de segurança que ainda não se confirma. No plano de conciliação, o sindicato que boicota a greve já anunciou ter obtido sucesso junto ao governo para início da vacinação dos profissionais para abril, enquanto o governo, por sua vez, elevou a Educação a serviço essencial, pressionando os municípios à reabertura após o período de feriados. Assim, no caso dos professores, a inclusão da categoria em grupo prioritário força o retorno à sala de aula em um momento em que toda a população de alunos e seus familiares continuam vulneráveis à uma doença que, em suas novas variantes, têm sido fatal à população mais jovem.
A demagogia de governantes e lideranças, que deveriam estar ao lado dos trabalhadores, tem levado as massas para o abismo e enfraquecido sua potência de luta em um momento cada vez mais crítico. Trata-se de uma atitude criminosa que, deliberadamente, priva trabalhadores e jovens do necessário para manutenção das próprias vidas em meio a uma situação de crise. A garantia de futuro não virá por arranjos e promessas, mas pela organização da classe e pela exigência de condições para a defesa da vida e vacinação para todos.