Aumenta a quebradeira de grandes bancos: Crise financeira e centralização imperialista do capital.
Há exatamente um ano, nosso boletim* da 1ª semana de outubro/2007 “Ventos de Outubro” iniciava-se assim: “O movimento contraditório da sociedade capitalista é sentido pelo burguês prático da maneira mais desconcertante pelas vicissitudes da indústria moderna através do seu ciclo periódico, cujo ponto culminante é a crise geral. Já percebemos o retorno dos seus sintomas anunciadores; ela se aproxima de novo; pela globalidade do seu campo de ação e intensidade de seus efeitos, ela fará a dialética entrar na própria cabeça dos especuladores, que se multiplicaram na mesma velocidade que o capital pela totalidade do sistema”.
Naquele início de Outubro de um ano atrás também sentíamos a não realização da tão esperada oktoberfest econômica e seus coloridos abalos sísmicos do encerramento da atual fase de expansão do capital global, que se iniciara em 2003 e completava então quatro longos anos.
Um ano depois, entretanto, estamos bem mais felizes e confiantes. Os acontecimentos ocorridos no final se setembro e começo de outubro de 2008 foram mais que suficientes para deixar extremamente otimista qualquer profissional desta tão difícil arte da crítica da economia política.
Diferentemente do Outubro de um ano atrás, quando se podia vislumbrar pela previsão da crítica da economia apenas a possibilidade de uma crise geral para o segundo semestre de 2008, o que agora se vê com mais clareza é a concretização daquela possibilidade e a chegada de um generoso e verdadeiro mês de Outubro, de uma verdadeira oktoberfest econômica. Continuemos nesta paciente crônica da necrologia do capital.
Juntando cadáveres
Na noite de sexta-feira, 26 de Setembro de 2008, os capitalistas de todo o mundo foram dormir profundamente preocupados com a crise econômica mundial. Um dia antes, quando ainda comemoravam a perspectiva de aprovação do hiper pacote de resgate de 1 trilhão de dólares pelo Congresso dos EUA, foram abalados por novas e preocupantes notícias. A principal foi a falência do Washington Mutual, o segundo maior banco de poupança e investimentos dos EUA, cujos restos mortais foram imediatamente absorvidos pelo JPMorgan, outro grande banco americano com alto poder de sucção e centralização do capital.
Foi a “maior falência bancária da história dos EUA”, segundo a Bloomberg.com. Os correntistas do WaMu, como o falecido era conhecido no mercado, sacaram US$ 16,7 bilhões das contas desde 16 de setembro. O banco entrou em colapso quando seu nível de crédito foi rebaixado no mercado para junk (podre, sem valor) e suas ações viraram pó. Caíram 95% nos últimos doze meses, para US$ 0,45 por ação.
O cadáver do WaMu ainda estava quente, quando os capitalistas foram novamente abalados pela notícia de derretimento fatal das ações de dois outros grandes bancos de investimentos dos EUA. No início do pregão de sexta-feira, as ações do Wachovia Corp. e do National City Corp. já tinham caído 27% e 20%, respectivamente. Já caíram mais de 80% desde o ano passado: “Wachovia Corp. e National City Corp. desabaram depois que ficaram paralisadas as negociações do pacote de resgate do governo e que o Washington Mutual Inc. foi fechado pelos órgãos reguladores e vendido para o JPMorgan Chase & Co. (…) O Wachovia, do mesmo modo que o WaMu, tem problemas com hipotecas imobiliárias, especialmente aquelas herdadas por suas aquisições poucos anos atrás… Enquanto o Wachovia pode ser um alvo para resgate, ainda não está claro quem está interessado em incorporá-lo neste momento.” (Bloomberg.com, 26/9/2008)
Centralizando capital
Quando esses bancos fecham as portas, pouco ou nada sobra para suas inconsoláveis viúvas, quer dizer, acionistas. Neste caso do WaMu, o único que vai se beneficiar (e muito) será o JPMorgan, que chegou antes que outros grandes bancos para devorar a carniça, pagando o valor simbólico de US$ 1,9 bilhão.
Resta saber quanto o Tesouro de mister Paulson vai pagar pelos micos (ativos podres) do WaMu, agora na mão dos seus amigos do JPMorgan, e outros gestores da enorme massa falida. Valor de face? É o mais provável. Logo teremos a confirmação, depois do mega pacote ser aprovado pelos “representantes do povo” e colocado em prática pelos burocratas do Tesouro. Ou será que está previsto no pacote o sigilo dessas tenebrosas transações? Também é o mais provável.
Mas, além da corrupção burocrática – coisa absolutamente normal no regime capitalista e no correspondente Estado burguês – é nessa estreita relação entre os banqueiros e os governos, em períodos de crise, que, desde o início deste regime, se desenrolam simultâneos períodos de profunda centralização do capital. Crise e centralização do capital são duas coisas absolutamente inseparáveis. E quanto mais profunda a centralização, mais próximos os bancos ficam do Estado, maior é o poder dos bancos e dos correspondentes Estados nacionais.
É exatamente esse processo clássico de centralização do capital que se repete atualmente nos EUA, com a mais escancarada colaboração de Washington com Wall Street, quer dizer, dos “representantes do povo” com os barões do sistema bancário da maior economia do planeta.
Nas crises catastróficas a democracia é desvelada de maneira mais ampla. E, dependendo da possível recuperação do capital, quer dizer, passados esses períodos de crise, em que se abrem diversas possibilidades de solução entre as classes sociais, esse regime político tipicamente capitalista pode também, no caso de vitória da burguesia sobre os proletários, sair ainda mais reforçado para organizar novas eras de expansão do capital e domínio do Estado.
Economia e geopolítica
É por isso que soa um pouco exagerada as diversas afirmações de que a época de dominação financeira (e econômica) dos EUA está terminando. Isso tem ocorrido principalmente entre os capitalistas europeus. A mais recente autoridade a bater nesta tecla foi o presidente da Rússia: “A época de domínio econômico dos EUA terminou, e o mundo precisa de um sistema financeiro ‘mais justo’, afirmou o presidente russo nesta quinta-feira, em são Petersburgo. O tempo de dominação de uma única economia e de uma única moeda se tornou coisa do passado de uma vez por todas, afirmou o presidente russo durante um fórum sobre as relações entre Rússia e Alemanha, no qual estava presente a chanceler alemã, Ângela Merkel” (France Press, 2/10/2008).
Há poucos dias, a mesma idéia foi defendida, quase que com as mesmas palavras, pelo ministro da Economia da Alemanha. De duas, uma (ou as duas coisas): ou esses indivíduos não conhecem nem um pouco as regras de funcionamento da economia política e da concorrência entre capitais; ou, estão muito mais amedrontados com a ingovernabilidade que já começa a balançar seus Estados nacionais e os novos vazios geopolíticos entre as potências imperialistas.
A ingovernabilidade global surge apenas na esteira de uma crise econômica catastrófica e leva necessariamente a guerras imperialistas bem mais extensas do que as que ocorreram no último período de crise (2001-2003). Não é por acaso, portanto que os governos da Rússia e da Alemanha estejam particularmente preocupados com o novo quadro de concorrência inter-imperialista que surgirá com esta crise que está apenas começando.
De todo modo, como todas as burguesias européias, a russa e a alemã sabem por instinto dessas conseqüências do processo de centralização do capital e aumento do poder monetário. Sabem melhor do que ninguém que a economia do imperialismo e as guerras são duas coisas que, necessariamente, sempre caminharam juntas.
A chegada deste brilhante Outubro de 2008 e a crise econômica geral do capital cada vez mais provável anuncia que esse processo de ingovernabilidade do Estado burguês também entrou na ordem do dia.
* Este texto foi publicado no boletim Crítica Semanal da Economia.