A questão do Estado segundo a DS
A questão do Estado está no centro da discussão com a DS, e ao mesmo tempo, com a política executada pela direção do PT. Qualquer verdadeiro marxista, e não os reformistas e farsantes que tentam deturpar as ideias socialistas, conhece o verdadeiro caráter do Estado capitalista. Nas teses de sua X Conferencia, e agora na recente resolução de sua cordenação nacional “A crise mundial, as possibilidades do Brasil e PT”, datada de 9 de março de 2012, os dirigentes da DS sustentam que:
A questão do Estado segundo a DS
A questão do Estado está no centro da discussão com a DS, e ao mesmo tempo, com a política executada pela direção do PT. Qualquer verdadeiro marxista, e não os reformistas e farsantes que tentam deturpar as ideias socialistas, conhece o verdadeiro caráter do Estado capitalista. Nas teses de sua X Conferencia, e agora na recente resolução de sua cordenação nacional “A crise mundial, as possibilidades do Brasil e PT”, datada de 9 de março de 2012, os dirigentes da DS sustentam que:
“- Estancamos o processo de privatização neoliberal. Essa diretriz deve ser aprofundada no fortalecimento econômico, mas também no caráter público, democrático e nacional das empresas estatais. Suas associações com empresas privadas – as eventuais concessões de serviços públicos – devem ser delimitadas e específicas, e, sobretudo, subordinadas a rigorosa gestão pública. Além disso, o Estado deve ser capaz de ampliar a oferta de serviços públicos diretamente. Seria extremamente danoso supor um maior rendimento de serviços públicos sob gestão privada, em geral financiada com recursos públicos. O mito da eficiência privada já está bastante desmoralizado pela crise do neoliberalismo. Trata-se agora de construir outro modo de gestão, que seja pública, desburocratizada, “desclientizada” e eficaz na satisfação das necessidades do desenvolvimento;
– A construção de um mercado interno de massas aliado à soberania econômica e política do Brasil, impulsionando o crescimento econômico junto com distribuição de renda, elevação do salário e do emprego é inseparável da construção de uma nova matriz produtiva nacional e uma nova estrutura agrária democratizados, eficientes e sob comando do planejamento público, com sustentabilidade ambiental;
– A construção de um Estado de solidariedade social, feminista e multiétnico, com igualdade de acesso aos bens culturais e sociais, com solidariedade de gerações, com reformas progressivas face à extremamente desigual distribuição da renda e da propriedade, deve resultar em elevação da qualidade e extensão das políticas sociais e de promoção da igualdade.
Tal processo só pode se completar e, ao mesmo tempo, mudar de qualidade, se sua dimensão propriamente política expressar uma refundação democrática do Estado brasileiro, baseada na democracia participativa e na supressão do seu caráter liberal. Esse ponto nodal, ao mesmo tempo resultado convergente de várias dimensões da revolução democrática e diretriz presente em cada uma delas, representaria a mudança de qualidade do processo de construção de uma alternativa ao neoliberalismo e conquista da hegemonia do socialismo democrático. A compreensão dos caminhos que podem conduzir a esse momento estratégico é o nosso maior desafio”.
O que está dito acima, de uma forma clara e explícita, é a adesão por parte da DS de uma estratégia reformista, de colaboração de classes com a burguesia, de preservação das relações sociais de exploração do capitalismo e de abandono da luta pelo socialismo. Em nome de uma pretensa “revolução democrática” a DS adota formulas tais como “estancamos o processo de privatização neoliberal”, a “construção de uma nova matriz produtiva nacional e uma nova estrutura agrária democratizados”, a “refundação democrática do Estado brasileiro” e a “conquista da hegemonia do socialismo democrático” totalmente contraditórias com a situação política atual. Nada disso está acontecendo e demonstramos exaustivamente na primeira parte de nosso texto que ocorre exatamente o contrário. O que a DS está tentando fazer é criar uma fachada teórica para as políticas aplicadas pela coligação governamental liderada pelo PT e que conta com o pleno apoio do chamado “campo majoritário” que dirige o PT. São formulas vazias, ocas, que podem ser preenchidas com qualquer coisa, pois são mero exercício de marketing político. A realidade é bem diferente.
Após oito anos de governo Lula e um ano da administração Dilma Roussef o que estamos assistindo está longe do PT ter mantido e aprofundado seus compromissos históricos com a classe trabalhadora, conforme a DS quer fazer crer. Como é possível falar em “estancar as privatizações neoliberais” e “construir uma nova matriz produtiva nacional” se os governos Lula-Dilma mantém um “modelo” econômico totalmente subordinado com os interesses estratégicos do imperialismo e que vem transformando a “matriz produtiva” em país exportador de produtos agrominerais, abrindo mão do desenvolvimento industrial? Como é possível defender as reivindicações dos trabalhadores se o governo liderado pelo PT está coligado com PMDB, PSB, PTB, PR, PP, partidos da burguesia, empresários, capitalistas e gente do agronegócio? Como é possível construir a “identidade socialista democrática com o socialismo petista” se no Maranhão a direção do partido, o seu Lula, o seu José Dirceu obrigaram o PT local a apoiar a oligarca Roseana Sarney nas eleições de 2010?
Como é possível construir um partido para a defesa dos direitos do trabalhador se no Rio de Janeiro, em nome da governabilidade, o PT apoia oficialmente um político burguês como o governador Sergio Cabral que vive de prevaricações com empresários e empreiteiros milionários?
E o que dizer agora quando soubemos pela imprensa que o senhor José Dirceu, um dos cardeais do PT, foi o facilitador das concessões milionárias em favor do empresário Eike Batista para exploração de petróleo na Bacia de Campos e nos poços do Pré-Sal em detrimento da Petrobrás.
Como é possível defender os interesses do povo brasileiro se agora, em visita ao Porto de Açu, no norte do Estado do Rio de Janeiro, a senhora Dilma Rousseff declara de alto e bom tom que a Petrobrás tem que se unir com o grupo econômico do bilionário Eike Batista, que acumula uma grande fortuna pessoal à custa de exploração da jazidas minerais e petrolíferas que deveriam pertencer ao povo brasileiro. Ela não recebeu um mandato nas eleições presidenciais para ser facilitadora do capital privado. O que é isso senão uma conduta que visa beneficiar o capital privado e o enriquecimento de grandes grupos capitalistas que não têm nada a oferecer ao povo brasileiro a não ser miséria e exploração?
Em nome do “modo petista de governar”, do “socialismo petista” e da “revolução democrática”, parafraseando Marx, o que existe não é uma política da miséria, mas uma miséria de política.
Os governos Lula-Dilma são os frutos amargos da política de colaboração de classes resultante da estratégia reformistas das “frentes populares”. Estão apoiados, sem dúvida, no voto das massas populares, mas governam para os empresários, os capitalistas, os banqueiros e para os interesses do capital estrangeiro. Este fruto amargo, indigesto, vem sendo apresentado ao povo brasileiro como uma “vitória” da política do PT. Esta é a parte que cabe à DS no partido e nas coligações governamentais em todos os níveis: apresentar esta mixórdia como uma “revolução democrática”.
A desgraça desta política é que ela sempre fracassa. De uma forma ou de outra sempre fracassa. Especialmente porque existe o elemento chamado luta de classes e a contradição irreconciliável entre elas. A política do reformismo se sustenta em tempos de calmaria, mas quando a sociedade capitalista enfrenta os grandes terremotos sociais esta estratégia leva os trabalhadores e as suas organizações a um beco sem saída. Em geral se coloca o seguinte dilema: ou os trabalhadores acumulam forças e passam a impugnar o poder da burguesia ou esta fará de tudo para domesticá-los. Não há como conciliar contradições tão antagônicas entre o capital e o trabalho.
Mas essa miséria de política tem as benções da DS, pois está conforme o curso da “revolução democrática” com o objetivo de “refundar” o Estado brasileiro. Apresentam como alternativas a “democracia participativa” e a “economia solidária”, verdadeiras pérolas da colaboração de classe entre o proletariado e a burguesia. Mas para esse grandioso esforço intelectual vão buscar algumas “receitas” extraídas do legado do marxismo, em especialmente a teoria da revolução permanente de Leon Trotsky e do pensamento do marxista italiano Antonio Gramsci. Mas vamos ver, parte por parte, como tudo isso é uma farsa.
Em que consiste a teoria da “revolução democrática”?
Logo após a sua fundação, em 1980, a DS assim definia a estratégia da revolução socialista no Brasil:
“O desenvolvimento do marxismo revolucionário a partir da obra de Trotsky está representado, sobretudo:
a) a lei do desenvolvimento desigual e combinado, que torna possível ultrapassar os mecanicistas e anti-dialéticos esquemas de ‘etapas’, apreendendo a complexidade do capitalismo chegado ao imperialismo, suas formas de dominação, etc.
b) desdobramento da lei do ‘desenvolvimento desigual e combinado’ e o conceito de ‘revolução permanente’, que se concretiza na fórmula: a revolução passa, em países como o Brasil, em que consideráveis segmentos permanecem dominados por relações pré-capitalistas, e em que prevalecem regimes autoritários, por um processo ininterrupto em que as transformações democrático-burguesas e as tarefas da construção do socialismo são conduzidos pela classe operária e seus aliados, num único e mesmo processo em que a revolução nacional só se completa com a revolução internacional.
c) como expressão política, concretização programática das duas idéias anteriores, se coloca o Programa de Transição, que é o ponto de partida fundamental na definição do programa de lutas da classe operária no nosso tempo.” (A questão internacional, caderno da DS, março de 1980.)
Nesta época, a DS se alinhava, em geral, com o legado da IV Internacional. Eles foram a seção brasileira do Secretariado Unificado (SU) que se reivindicava, sem muita razão, da IV Internacional. Em linhas gerais, a tese acima não está errada. A DS participou da fundação do PT. Mas com o tempo, depois de inutilmente buscar formar a “frente dos revolucionários” dentro do partido, como não deu certo, a DS começou um giro em direção a atalhos que a aproximassem da direção do partido, especialmente após a vitória da Luíza Erundina na prefeitura de São Paulo, em 1988. Dessa forma, a DS passou a fazer corte a cúpula reformista do PT, em um giro à direita que foi se aprofundando até ao apoio descarado à estratégia petista, replica das velhas frentes populares, a teoria do “democrático popular”, da qual falamos na primeira parte deste texto. Já dissemos e voltamos a repetir que este giro foi apoiado pela direção do SU, por Ernest Mandel, Daniel Bensaid, Michel Lowy entre outros.
Acompanhando o curso reformista da antiga Articulação a DS chega a Brasília com o governo Lula, com Miguel Rosseto na pasta da reforma agrária. A DS vem se construindo amparada no aparelho de Estado e acabou rompendo com o SU e com ligações internacionais indesejáveis. Para justificar a participação em um “governo social-liberal”, expressão usada pelo SU na época de rompimento com a DS, Raul Pont, Juarez Guimarães, Miguel Rosseto & Cia criaram a teoria da “revolução democrática”, amparada pela defesa da “democracia participativa” e da “Economia Solidária”, ideias nascidas a partir do Fórum Social Mundial.
Vejamos, agora, o que eles dizem a respeito:
“Foi a lógica desse conceito que foi ao centro do programa do PT nas resoluções do 5º Encontro Nacional, em 1987, vinculando um governo democrático-popular à realização das tarefas anti-monopolistas, anti-latifundiárias e anti-imperialistas, que levariam a uma dinâmica de revolução permanente.
Hoje, trata-se de pensar o conceito de revolução permanente, herdado dessa tradição, na nova tradição programática do socialismo democrático, que está em processo vivo de elaboração histórica no PT. O conceito de revolução democrática pretende realizar essa mediação, estabelecendo que justamente a radicalização da luta democrática – no plano político, econômico, cultural – é o centro de acumulação e passagem da luta por reformas da ordem à conquista de um novo Estado, que, refletindo na correlação de forças os valores do socialismo, permita pensar um período histórico de transição democrática ao socialismo.” (Juarez Guimarães, Em torno ao futuro de uma tradição, 2009).
“(…) Ao propor as diretrizes de um programa da revolução democrática para o PT, estamos conscientes de sua transcendental novidade histórica. Desde 1988, o PT tem formulado programas para governar o Brasil a partir da possibilidade inédita de uma vitória nas eleições presidenciais. Entre sua identidade socialista democrática, sintetizada no documento “Socialismo Petista” e a experiência de governar o Brasil, em correlações de forças muito adversas e em um Estado que guarda ainda características fortemente anti-republicanas, criaram-se inevitavelmente defasagens, desencontros, conflitos. Mas o PT soube manter e aprofundar, no fundamental, os seus compromissos históricos com a classe trabalhadora. O programa da revolução democrática propõe-se, então, a sintetizar a identidade socialista democrática do PT com o seu programa de governo.” (Teses da X Conferencia da DS, agosto 2011).
Está aqui resumido, nestas citações, o centro da discussão, a questão do Estado capitalista. A partir da leitura das teses da X Conferencia e de outros documentos da DS, podemos levantar alguns pontos da “estratégia da revolução democrática” (as citações são das teses da DS):
“O conceito de revolução democrática pretende realizar essa mediação, estabelecendo que justamente a radicalização da luta democrática – no plano político, econômico, cultural – é o centro de acumulação e passagem da luta por reformas da ordem à conquista de um novo Estado, que, refletindo na correlação de forças os valores do socialismo, permita pensar um período histórico de transição democrática ao socialismo”. Assim, a teoria da “revolução democrática” é pensada como uma transição decorrente da radicalização da luta democrática e da afirmação dos “valores do socialismo”.
Para atingir o objetivo da transição democrática rumo a “um novo Estado” é preciso preservar as instituições democráticas do Estado existente, que embora “ainda guarde características anti-republicanas”, é um espaço de disputa pelo avanço dos “valores do socialismo”.
“Uma mudança da natureza do Estado equivale a sua refundação democrática através de um novo modelo de Estado”. A natureza das instituições é vista de tal forma que podem ser progressivamente esvaziadas de seu conteúdo particular de classe, isto é, podem deixar de ser suportes da dominação de classe da burguesia. Assim, a “revolução democrática” consolida “os avanços obtidos por reformas e conquistas parciais mas os reorganiza em uma nova lógica unitária de Estado a partir de novos princípios de civilização”.
Assim, como não está na ordem do dia a aplicação de um programa socialista, porque as massas “não têm uma cultura socialista”, é preciso evitar a todo custo confrontos diretos entre o proletariado e a burguesia. Os movimentos sociais têm como objetivo maior democratizar o Estado, refundar o Estado. Através da conquista de uma maioria parlamentar significativa o movimento operário e as lutas populares podem e devem conquistar reformas estruturais que transformarão por etapas a natureza do regime capitalista e acabarão por mudar a própria natureza do Estado burguês.
A etapa atual que defrontamos é a aliança contra o neoliberalismo e a consolidação de uma democracia avançada. Essa aliança só pode ser conseguida com a formação de uma “hegemonia” e de um “bloco histórico”, que no momento passa pela aliança com todas as forças que garantam a governabilidade do governo petista, ou seja, a atual base aliada. Não convém por em causa o regime da propriedade privada sob o risco de quebrar estas alianças tão necessárias.
Como está fora de questão qualquer impugnação dos poderes do Estado burguês na via da revolução socialista (constituição de órgãos de duplo poder, os conselhos de operários e trabalhadores) a estratégia da revolução democrática implica em avançar as formas de “democracia participativa” (nos moldes do Orçamento Participativo da Prefeitura de Porto Alegre) e as experiências da chamada “Economia Solidária” onde os trabalhadores se organizam em cooperativas para uma “autogestão” de empresas.
Aqui estão resumidas as teses da “revolução democrática”. O que estas teses afirmam é o conceito de uma evolução gradual para um socialismo imaginário, pensado não como um movimento real para abolir a ordem burguesa existente, mas como uma “hegemonia” de valores “éticos” e ideológicos. Dentro deste conjunto de conceitos, não existe qualquer referência a uma ruptura com o regime burguês e sequer faz menção à necessária abolição da propriedade privada dos meios de produção. O fio condutor das teses da “revolução democrática” é uma conquista gradual de poderes nos marcos das instituições burguesas, procurando a todo custo esvaziá-las de seu conteúdo. É por isso que políticas do tipo “democracia participativa” e “economia solidária” substituem a experiência clássica do movimento operário de se constituir em conselhos como alternativas de poder às instituições do Estado capitalista.
Esta estratégia reformista visa canalizar e enquadrar a luta de classe do proletariado na “participação” na gestão do Estado capitalista e na “participação” na exploração capitalista por meio das “cooperativas” da chamada “Economia Solidária”. Os conceitos clássicos do marxismo de “luta de classes”, “ruptura”, “revolução social” estão totalmente ausentes.
Estas teses são apresentas pela DS como uma “novidade”, mas não são. Pelo contrário, é uma réplica de muitas teorias reformistas que a história já descartou porque não deram muito certo. É claramente visível que as teses da DS tentam copiar as concepções “eurocomunistas” praticadas pelos mais importantes partidos comunistas europeus nos anos 70-80, especialmente o Partido Comunista Italiano. A “via italiana para o socialismo” de Palmiro Togliatti e o “compromisso histórico” de Enrico Berlinguer, só para citar as duas mais importantes estratégias do PCI, buscaram uma afinidade teórica com Antonio Gramsci para legitimar uma política de sustentação do regime burguês. A DS faz a mesma coisa agora, repete cada argumento dos eurocomunistas italianos, inclusive abusando indevidamente do pensamento de Gramsci.
Este imbróglio teórico da DS carece completamente de consistência. A estratégia da revolução permanente desenvolvida por Trotsky não é uma evolução da democracia burguesa, mas uma ruptura com esta em países capitalistas atrasados, onde as questões da democracia, da questão camponesa e da luta anti-imperialista só podem ser resolvidas por meio da ditadura do proletariado, pré-condição para a transição ao socialismo, processo que não se esgota em um só país, mas tem uma dimensão internacional.
Da mesma forma, é completamente descabido estabelecer parentesco entre as ideias de Gramsci, a maioria delas elaboradas em condições precárias nas prisões fascistas da Itália, que contêm imprecisões e ambiguidades, com a conquista democrática, gradual, dos poderes do Estado burguês, repetindo a mesma associação feita pelos partidos comunistas “eurocomunistas” na Europa dos anos 70-80. Mas vamos continuar a nossa crítica parte por parte.
A estratégia da revolução permanente e a “teoria” reacionária da “revolução democrática” são incompatíveis
Os teóricos da DS e os grandes formuladores da teoria da “revolução democrática” insistem na identidade desta concepção com a estratégia da revolução permanente de Trotsky. Afirmam que é uma “atualização” desta estratégia na medida em que “a radicalização da luta democrática – no plano político, econômico, cultural” vai permitir a afirmação dos “valores” do socialismo. É incrível como essa gente consegue misturar teorias, conceitos e estratégias como se fossem alquimistas misturando elementos na busca da pedra filosofal que transforma tudo em ouro. O que não se faz para garantir os privilégios do poder e as “boquinhas” das administrações governamentais!
Mas vamos esclarecer os conceitos. Na verdade, o que significa a estratégia da revolução permanente?
A origem da estratégia da revolução permanente remonta às analises de Marx das revoluções burguesas de 1848 vistas como prólogo imediato da revolução proletária. Na concepção de Marx a revolução permanente significa uma revolução que não transige com nenhuma forma de dominação de classe, que não se detêm no estágio democrático e que avança para as medidas socialistas e para a guerra contra a reação. Uma revolução “na qual cada etapa está contida em germe na etapa precedente e só termina com a liquidação total da sociedade de classes.” (Trotsky). A insurreição da Comuna de Paris em 1871 foi a primeira confirmação desta verdade, um movimento revolucionário que inspira até os dias de hoje a luta pelo socialismo.
Na revolução de 1905 na Rússia, o grande ensaio geral da revolução de 1917 contra a autocracia czarista, renasce a concepção da revolução permanente, elaborada por Trotsky, que na época era o Presidente do Soviet (conselho) de deputados operários de Petrogrado:
“Ela demonstra que, em nossa época, o comprimento das tarefas democráticas, proposto pelos países burgueses atrasados, conduzia diretamente à ditadura do proletariado, que coloca as tarefas socialistas na ordem do dia. Nisto consistia a ideia fundamental da teoria. Enquanto a opinião tradicional considerava que o caminho para a ditadura do proletariado passa por um longo período de democracia, a teoria da revolução permanente proclamava que, para os países atrasados, o caminho para a democracia passa pela ditadura do proletariado. Por conseguinte, a democracia era considerada não como um fim em si, que deveria durar dezenas de anos, mas como o prólogo imediato da revolução socialista, à qual se ligava por vínculo indissolúvel. Desta maneira, tornava-se permanente o desenvolvimento revolucionário que ia da revolução democrática à transformação socialista da sociedade.” (Trotsky, A Revolução Permanente).
Ao mesmo tempo, a teoria da revolução permanente tem um caráter internacional:
“A teoria da revolução permanente implica o caráter internacional da revolução socialista que resulta do estado da economia e da estrutura social da humanidade. O internacionalismo não é um princípio abstrato: ele não é senão o reflexo político e teórico do caráter mundial da economia, do desenvolvimento mundial das forças produtivas e do ímpeto mundial da luta de classes. A revolução socialista começa no âmbito nacional, mas nele não pode permanecer. A revolução proletária não pode ser mantida em limites nacionais senão sob a forma de um regime transitório, mesmo que este dure muito tempo, como o demonstra o exemplo da União Soviética. (…) Se o Estado proletário continuar isolado, ele, ao cabo, sucumbirá vítima dessas contradições. Sua salvação reside unicamente na vitória do proletariado dos países avançados.” (Trotsky, A Revolução Permanente).
Aqui está em forma resumida a concepção da revolução permanente desenvolvida por Trotsky no decorrer do processo revolucionário na Rússia. E que pode ser estendido aos países capitalistas atrasados na medida em que as tarefas históricas de soberania nacional, agrárias e democráticas, na era de decadência do imperialismo, não puderam ser desenvolvidas pelas classes dominantes, em geral associadas ao capital estrangeiro. Dessa forma, podemos dizer que a revolução permanente é uma estratégia, porque implica em uma série de tarefas a serem realizadas pelas classes exploradas na luta contra a sociedade capitalista.
Os acontecimentos de fevereiro a outubro de 1917 na Rússia demonstraram claramente que, uma vez abolido o regime czarista, a questões referentes à paz, à democracia e à da terra não foram atendidas por uma república burguesa, mas sim por uma república operária baseada em conselhos de operários soldados e camponeses.
A tragédia da revolução chinesa de 1927 e da revolução espanhola de 1936-37 confirmou que, uma vez desencadeado o processo revolucionário, se o proletariado não impulsionar uma série de tarefas, se segue prisioneiro de direções oportunistas que o atrelam à burguesia, o resultado acaba em um desastre. O mesmo pode dizer do governo da Unidade Popular no Chile em 1973, da revolução no Irã em 1979 e da Nicarágua nos anos 80 onde a burguesia imperialista desalojou os sandinistas do governo. E o mesmo vai acontecer agora na Venezuela, se o governo Chávez e o PSUV não romperem com burguesia e se recusarem a se apoiar nas massas e nas suas reivindicações, a burguesia vai retomar a capacidade de iniciativa e reconquistar o governo, o que pode chegar ao extremo de uma derrota pela força.
Mas vejamos como a DS “entende” a estratégia da revolução permanente tentando combiná-la com a teoria da “revolução democrática”:
“Na história da Democracia Socialista, o conceito de revolução permanente, herdado da tradição de Trotsky, teve um papel decisivo. Tendo suas raízes clássicas na própria obra política de Marx, em diálogo com a tradição encarnada por Lênin, esse conceito pensava a possibilidade de revolução como um transcrescimento do enfrentamento das tarefas nacionais, agrárias, anti-imperialistas e democráticas em países da periferia do capitalismo, marcados por um desenvolvimento desigual e combinado. Esse conceito marcava uma identidade da DS. De um lado, crítica às teorias da revolução por etapas, empenhadas na defesa de uma revolução democrático-burguesa no Brasil como etapa histórica anterior à atualidade da revolução socialista. De outro, crítica às organizações políticas propagandistas ou doutrinaristas que, na defesa do caráter socialista da revolução brasileira, tendiam a secundarizar ou negavam a importância das lutas democráticas. Além disso, o conceito de revolução permanente, vinculando revolução brasileira à luta pela revolução internacional, fechava as portas para uma imaginação autárquica de socialismo nacional, em tudo contraposta aos clássicos do marxismo.
Foi a lógica desse conceito que foi ao centro do programa do PT nas resoluções do 5º Encontro Nacional, em 1987, vinculando um governo democrático-popular à realização das tarefas anti-monopolistas, anti-latifundiárias e anti-imperialistas, que levariam a uma dinâmica de revolução permanente.
Hoje, trata-se de pensar o conceito de revolução permanente, herdado dessa tradição, na nova tradição programática do socialismo democrático, que está em processo vivo de elaboração histórica no PT. O conceito de revolução democrática pretende realizar essa mediação, estabelecendo que justamente a radicalização da luta democrática – no plano político, econômico, cultural – é o centro de acumulação e passagem da luta por reformas da ordem à conquista de um novo Estado, que, refletindo na correlação de forças os valores do socialismo, permita pensar um período histórico de transição democrática ao socialismo.” (Juarez Guimarães, Em Torno ao Futuro de uma Tradição, 2009).
Já abordamos em nossa polêmica com a DS afirmamos que a estratégia da revolução permanente e o conceito da “nova tradição programática do socialismo democrático” são concepções completamente antagônicos. Dizer que a radicalização da luta democrática e da luta por reformas objetiva a “conquista de um novo Estado” é falsificar grosseiramente o conceito da revolução permanente.
Os marxistas revolucionários sempre defenderam, e vão continuar defendendo, as reivindicações democráticas, de reforma agrária e de soberania nacional em oposição ao imperialismo. Mas o fazem na perspectiva da luta pelo socialismo, o que implica em uma independência política da classe operária e do proletariado em geral, buscando sempre uma aliança com todas as classes exploradas, especialmente os camponeses. Mas para isso é necessário um combate sem tréguas contra a burguesia e o seu regime.
A estratégia da revolução permanente sempre considerou, e isto é uma das características fundamentais do programa da IV Internacional, a luta pela frente única do proletariado, a luta pela unidade do proletariado e suas organizações, na via da constituição de governos operários ou eventualmente governos operários apoiados pelas massas camponesas.
Os marxistas revolucionários combatem claramente a participação de partidos operários em governos de coligação com a burguesia. Exigem a cada instante que estes partidos rompam com o governo burguês. É uma falsificação descabida por parte da DS, em relação à revolução permanente, apresentar esta concepção como fiadora da coligação praticada hoje do PT com a “base aliada” burguesa. Que os senhores Raul Pont, Juarez Guimarães, Miguel Rosseto & Cia. queiram justificar seus empregos na esplanada dos ministérios em Brasília ou nas administrações petistas pelo Brasil afora, que o façam em nome de qualquer coisa, mas deixem Marx, deixem Trotsky, deixem Gramsci fora de tudo isto.
Querer acreditar que o programa do PT, o governo democrático-popular, vai permitir a realização das “tarefas antimonopolistas, antilatifundiárias e antiimperialistas” dentro de “uma dinâmica de revolução permanente” é uma posição completamente absurda! Não poderia existir uma mentira mais deslavada! Os ideólogos da DS precisam esclarecer como que, um programa econômico de sustentação do capitalismo, de aplicação de políticas chamadas de “neoliberais”, combinados com uma coligação governamental com Sarney, Collor, Sergio Cabral, Michel Temer, vai desenvolver essa “dinâmica de revolução permanente”?
Qualquer militante da DS, sincero e honesto, que acredita realmente que seus dirigentes estão engajados de verdade na luta pelo socialismo, vai acabar perguntando a si mesmo, mais cedo ou mais tarde, por que a sua tendência participa de um governo desta natureza. E vai acabar descobrindo a triste realidade que a teoria da “revolução democrática” é uma farsa para encobrir uma adaptação dessa corrente às instituições do Estado burguês, aos cargos na administração pública, aos empregos, salários e privilégios do poder.
A estratégia da revolução permanente pressupõe a realização de um conjunto de tarefas pelo proletariado, apoiado pelas massas populares, no sentido de quebrar, destruir, desmontar o esqueleto do Estado capitalista substituindo-o pela ditadura do proletariado.