Para comprovar essa intenção, basta ver um dos manifestos que têm circulado nas últimas semanas, lançado por uma organização, Pacto pela Democracia, que tem por trás Jorge Paulo Lemann (o homem mais rico do país), Maria Alice Setúbal (herdeira do Banco Itaú) e Beatriz Bracher (mãe de Candido Bracher, presidente do Itaú). O manifesto “Juntos pela Democracia e pela Vida” diz:
“É preciso reconhecer de forma inequívoca que a ameaça fundamental à ordem democrática e ao bem-estar do país reside na própria Presidência da República”.
E para os que veem o perigo do fascismo na próxima esquina, análise que já combatemos em outro artigo, o manifesto também coloca:
“Causa inquietação e repúdio notar a semelhança de muitas dessas trajetórias (de construção de regimes totalitários no século XX) com o que vivemos no Brasil hoje. Portanto, é urgente o chamado para conter esta marcha de ruptura do Estado Democrático de Direito”.
Reafirmamos, os setores centrais da burguesia sabem que não há base social para o fascismo e que ir por este caminho pode gerar uma explosão revolucionária. Por isso defendem o chamado Estado Democrático de Direito, a democracia capitalista, uma fachada mais conveniente para seguir atacando os trabalhadores e as liberdades democráticas.
Os trechos do manifesto acima deixam claro que a burguesia está farta da incompetência do presidente e seus ministros. No entanto, isso não significa que está decidida e coesa em derrubá-lo agora. Principalmente pela falta de uma alternativa, um nome capaz de estabilizar a situação política e fazer avançar as contrarreformas e demais ataques à classe trabalhadora. Outro fator que pesa é que forçar a queda de Bolsonaro agora pode aprofundar ainda mais a situação convulsiva que o país atravessa, abrindo espaço para o questionamento do conjunto das instituições do regime. Por isso, a depender da burguesia, este processo de desgaste diário do governo pode durar até 2022.
O editorial de O Globo de 31 de maio, além de defender o diálogo entre os diferentes setores sociais que, segundo eles, defendem a liberdade e a democracia, completa:
“Esta via política não deve excluir Bolsonaro, que, por sua vez, precisa fazer um gesto pelo entendimento, a melhor alternativa também para ele e seu governo. Com a pacificação, o presidente abrirá espaços de negociação no Congresso, para além do centrão, a fim de executar sua agenda, paralisada, como tudo, devido à crise política. E continuará assim com o fim da epidemia, se este momento não for superado”.
Ou seja, O Globo tenta aconselhar Bolsonaro a se enquadrar para “executar sua agenda”, leia-se: contrarreformas, privatizações, retirada de direitos, e assim ter chances de resistir até o fim do mandato.
Já o manifesto citado anteriormente, “Juntos pela democracia e pela vida”, apresenta como conclusão:
“A partir desse sentido comum, é dever cerrar esforços para barrar a marcha bolsonarista, mobilizando a sociedade e as instituições para fazer falar essa maioria e trazer o presidente e seu governo à contenção e à responsabilidade por todos os meios legais disponíveis, existentes precisamente para prover os anticorpos necessários na proteção da democracia e da Constituição”.
Portanto, sem falar em derrubar Bolsonaro, a tarefa colocada pelo manifesto seria pressionar e confiar que as demais instituições vão conter os excessos irresponsáveis do presidente.
Mais um impeachment seria mais um atestado de falência do regime burguês. Por isso FHC pede a renúncia, saída menos traumática. No entanto, se a permanência do atual presidente continuar prejudicando os negócios, se sua popularidade cair ainda mais, se Bolsonaro perde todas as condições de governar e querer se manter agarrado ao cargo, a burguesia será obrigada a entrar definitivamente no caminho da derrubada de Bolsonaro.
A classe dominante tem suas razões para querer o fim do pesadelo que é este governo, de preferência da forma mais tranquila possível. A classe trabalhadora tem outros motivos e outros métodos. Só quem pode levar à frente de maneira consequente a luta pelo “Fora Bolsonaro” é a classe trabalhadora e a juventude com sua mobilização independente. Buscar alianças com setores da burguesia é buscar alianças com o inimigo, que sonha em substituir Bolsonaro, mas para colocar em seu lugar um funcionário mais eficiente e capaz para seguir os ataques aos trabalhadores e garantir a paz e o lucro de seus negócios.
Erro brutal significa, portanto, líderes da esquerda, como Boulos e o presidente do PSOL, Juliano Medeiros, Freixo (PSOL), Haddad (PT), Flávio Dino e Manuela D’Ávila (PCdoB), assinarem um manifesto, “Estamos Juntos”, que diz que agora é “esquerda, centro e direita unidos para defender a lei, a ordem, a política”. Ou seja, unidade entre as classes para defender o Estado burguês (sua lei, sua ordem, sua política, sua Constituição). O manifesto nada fala de lutar para derrubar o governo. E unindo a “esquerda” com a direita, assinam também Fernando Henrique Cardoso, Luciano Huck, Nelson Jobim, entre outros.
Os atos do último domingo (7/6) foram importantes para avançar na mobilização independente pelo “Fora Bolsonaro”, grito que foi ouvido em diferentes manifestações pelo país. É interessante observar como a imprensa burguesa tratou de maneira positiva os atos, por exemplo a edição do Fantástico, da Rede Globo, que foi ao ar no próprio domingo à noite. Ou o editorial do Estadão de 9 de junho, que diz:
“A firme reação da sociedade ante as patranhas do governo Bolsonaro em relação à pandemia coincide com o início de um movimento de defesa da democracia, que no domingo passado, a despeito da necessidade de manter o isolamento social, levou milhares de pessoas às ruas, em protestos pacíficos. Para o governo, esses cidadãos cansados do embuste bolsonarista são ‘terroristas’.”
Rede Globo, Estadão, Folha etc. defendendo manifestantes e manifestações que não são de pequeno-burgueses vestindo a camisa da seleção? Será que os bolsonaristas estavam certos e sempre foram órgãos da imprensa comunista disfarçados? Não, certamente não. Além dos protestos serem úteis para pressionar e desgastar Bolsonaro. O que essas vozes da burguesia buscam é controlar os protestos no campo seguro da defesa da democracia. Eles sabem que os milhares que se manifestaram no último domingo contam com a simpatia de milhões que ficaram em suas casas por conta da pandemia. E que estes protestos, na verdade, não foram apenas em defesa da democracia capitalista. Eles temem um novo junho de 2013, temem um Chile de 2019 no Brasil, temem que a ira insurrecional que explodiu nos EUA exploda aqui também. Eles temem uma revolução que coloque abaixo o seu sistema e abra caminho para a democracia dos trabalhadores, o verdadeiro poder da maioria. Tentam então unir todos que estão contra Bolsonaro na defesa de seu Estado Democrático de Direito, de sua democracia em que a minoria segue pisando sobre a maioria.
Colocar o “Fora Bolsonaro” como centro da mobilização, e não a defesa da democracia, é o que pode arrastar e organizar todos os que estão fartos deste sistema de maneira independente da burguesia, e preparar o caminho para que a queda de Bolsonaro seja a antessala da constituição de um verdadeiro governo dos trabalhadores sem patrões nem generais. O resto são armadilhas, a velha tática da classe dominante de mudar tudo para tudo ficar como está.