A mídia já esqueceu, Lula já disse que entendeu e a justiça referendou um dos fatos que marcaram a chegada da crise econômica mundial ao Brasil: a demissão em massa dos metalúrgicos da Embraer. 4.270 trabalhadores perderam o emprego. A luta continua!
O ataque que reduziu os postos de trabalho da Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica) despertou a solidariedade de vários setores da classe trabalhadora. Protestos, atos públicos e marchas culminaram na organização de um Comitê Nacional pela Reestatização da Embraer e Readmissão dos Demitidos, a partir de uma Audiência Pública na Assembléia Legislativa de SP no dia 15/07.
Depois uma série de atividades da campanha “A Embraer é Nossa” aconteceram entre os dias 02 e 10 de agosto. Em São José dos Campos um ato-show (02/08) e, em Brasília, uma Audiência Pública no Senado (04/08).
Mas no dia 10 de Agosto, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) considerou ser legal a demissão dos mais de 4 mil trabalhadores! Por 7 votos a 2, a Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TST confirmou a decisão do presidente da Corte, ministro Milton de Moura França, que, em Abril, acolheu recurso Embraer, e anulou os efeitos de acórdão do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 15ª Região (Campinas-SP).
Vale lembrar que, apesar do TRT Campinas ter considerado as demissões abusivas e imposto uma multa à Embraer, não havia determinado a reintegração dos demitidos. Mas agora nem isso foi aprovado. Ficaram vencidos os ministros Maurício Godinho (relator) e Kátia Arruda, tanto quanto à abusividade da demissão em massa quanto à prorrogação dos contratos de trabalho até 13 de março.
No entanto, a seção especializada do TST manteve o pagamento de indenizações adicionais pela dispensa, proporcional ao tempo de serviço de cada empregado, e declarou, por 5 votos a 4, que, de agora em diante, é necessária a negociação com os sindicatos antes da efetivação de demissões em massa de trabalhadores.
A pressão sobre o governo Lula deve continuar. “Queremos engajar toda a sociedade nessa luta. Não podemos deixar as demissões caírem no esquecimento. A partir do julgamento, vamos implementar as mobilizações e garantir a discussão da re-estatização em todos os setores da sociedade”, afirmou Antonio Carlos Spis, membro da Executiva Nacional da CUT, ainda em Julho.
Demissões injustificadas
Nenhum argumento da empresa justifica as demissões. É verdade que a crise afetou a demanda do setor aeroespacial, porém, os resultados obtidos nos últimos anos seriam suficientes para manter todos os trabalhadores empregados. “A Embraer não possui problema de caixa (liquidez), pois dispõe de R$ 3,3 bilhões, dinheiro suficiente para pagar a folha de pagamento de todos os seus funcionários por dois anos” *.
Além disso, os gráficos sobre faturamento (receita líquida) e lucro líquido demonstram a força econômica da empresa.
O leitor mais atento irá perceber, no entanto, que o lucro líquido de 2008 caiu 35% em relação a 2007 (de R$ 657 milhões para R$ 428 milhões). Porém, a perda não se deve nem à produção e nem à venda de jatos e aviões. Pelo contrário, em 2007 foram entregues 169 aeronaves. Em 2008, foram 204. E para 2009, a Embraer estima entregar 242. Essa projeção da própria empresa se baseia na quantidade de pedidos firmes em carteira (ou seja, aviões encomendados que não podem mais ser cancelados), no valor de US$ 20,9 bilhões para produzir em 2009 e nos anos seguintes.
Em grande parte, a queda no lucro líquido da empresa se deve às perdas com operações financeiras. Em 2008, a Embraer perdeu R$ 188,8 milhões com atividades especulativas. “Esse valor perdido na especulação representa, mais ou menos, o custo anual dos 4.270 funcionários demitidos. O custo anual dos trabalhadores demitidos alcança um valor aproximado de R$ 200 milhões. Estas contas foram realizadas contando com informações da empresa, fornecidas para o sindicato dos metalúrgicos e para a imprensa em geral, de que foram demitidos 3.776 horistas, com salário médio de R$ 2.568,00 e 494 mensalistas, com salário médio de R$ 6.840,00”.
Isso é uma prova evidente de que os executivos e acionistas da empresa estão fazendo o mesmo que os demais capitalistas: após usarem e abusarem da especulação financeira para valorizar artificialmente seus capitais, provocando o estouro da atual crise mundial, agora buscam transferir para os trabalhadores os prejuízos causados por essa farra!
Ainda resta saber como a Embraer vai conseguir produzir mais aeronaves esse ano, com 4.270 funcionários a menos. A resposta é óbvia: aumentando a produtividade dos trabalhadores que continuam empregados, ou seja, aumentando a exploração! Cada metalúrgico vai ter que render ainda mais para a empresa, ganhando o mesmo salário (ou menos), trabalhando mais e sob ameaça de novas demissões.
Fica claro que, para defender suas propriedades e seus lucros, os capitalistas têm que atacar a classe operária. Mesmo que isso cause sérios problemas sociais, como desemprego, miséria, falta de condições de vida para ampla maioria da população, etc. Aliás, esse é o caminho adotado pelos capitalistas para sair de suas crises periódicas: destruição das forças produtivas e intensificação da exploração do trabalho e dos mercados existentes.
Privatização: um roubo!
O Brasil, desde a década de 1930, tem tarefas a cumprir quanto a seu processo de industrialização. Com o setor aeronáutico-espacial não é diferente. A burguesia brasileira que nascia naquela época já estava muito atrasada em relação às burguesias dos países capitalistas avançados e, portanto, desde muito cedo demonstrou ser totalmente incapaz de levar a cabo um projeto de desenvolvimento nacional independente.
As relações econômicas que a burguesia nacional manteve e mantém com os latifundiários e sua agricultura monocultora para exportação e, principalmente, os laços que a unem à burguesia imperialista, limitaram seu poder e a transformaram em sócia minoritária dos negócios mundiais geridos pelas companhias americanas, européias e japonesas.
Praticamente nenhum empresário brasileiro se atreveu a construir uma indústria de aeronaves no país, pois isso exigiria muito capital e tecnologia, com retorno de longo prazo e, pior, entraria em concorrência com as companhias estrangeiras. Por isso, o risco desse negócio foi assumido pelo Estado. Afinal, com meu dinheiro não, mas com dinheiro público, pode!
Assim surgiu o Centro de Tecnológico da Aeronáutica (CTA) em 1945 e, posteriormente, em 1969, a Embraer. Tudo muito democrático: ora sob a Ditadura de Getúlio Vargas, ora sob a Ditadura Militar.
O Estado investiu pesado em pesquisa para o desenvolvimento de tecnologia e formação de mão-de-obra especializada até a Embraer ser capaz de elaborar projetos e fabricar aeronaves e foi o responsável pelas principais encomendas. Em 1970, o governo encomendou à Embraer a fabricação de 242 aviões, equivalente a oito anos de produção. Assim, a empresa conseguiu criar os aviões militares Xavante e EMB-132 Tucano e o jato comercial EMB-120 Brasília, com espaço para 20 a 45 passageiros que chegou a conquistar 24% do mercado mundial de pequenos aviões.
Porém, a partir do governo Collor, a Embraer começa a sofrer uma série de dificuldades devido à abertura comercial e financeira (chamada de globalização) e à falta de apoio governamental. Na verdade, a empresa passa por um processo de sucateamento que culmina com sua privatização em 1994. “De 1989, quando a empresa tinha 12.607 funcionários até 1996, quando restavam 3.849, a Embraer perdeu 75% de sua força de trabalho, que havia sido acumulada, formada e preparada tecnicamente desde 1945 pelo estado brasileiro. Os que ficaram na empresa tiveram que suportar um arrocho salarial da ordem de 14,2%”.
Nem é preciso dizer que a empresa foi vendida bem abaixo do real valor de mercado que possuía na época; também sem levar em consideração os novos projetos em andamento (financiados pelo BNDES); e que foram utilizados “títulos podres” na aquisição da companhia; etc. Tudo isso configura uma verdadeira fraude e uma entrega sem vergonha ao capital privado de uma empresa estratégica para o país.
Após a privatização, a empresa passou por uma reestruturação, cujo objetivo foi aproveitar os novos projetos em fase de conclusão e aumentar a produtividade do trabalhador, reduzindo custos e intensificando a jornada.
Desde 1987, o BNDES vinha desembolsando milhões de dólares para criar um novo tipo de jato comercial, chamado de ERJ-145, que hoje é o grande sucesso da companhia, junto com os demais jatos da “mesma família” (ERJ-135, 170 e 190). Anos de trabalho, fruto de um planejamento estatal, chegaram prontinhos para a Embraer privada em 1995.
No entanto, o fator determinante para o crescimento da Embraer na última década foi o aumento da produtividade do trabalhador. “Segundo informação da empresa, no seu balanço anual, todo trabalhador da Embraer rendeu para a empresa, em 2007, US$ 237 mil dólares. Diminuímos US$ 29.856,00, que é o que a empresa gasta com o trabalhador, e fica um saldo líquido para a empresa de US$ 207.144,00 [por trabalhador]. Isto quer dizer que o trabalhador rende para a empresa, por mês, US$ 19.750,00 (enquanto o trabalhador ganha, por mês, US$ 1.409,00). Como a jornada de trabalho é de 43 horas semanais, em 21 horas e 30 minutos ou dois dias e meio de trabalho, o empregado paga seu salário mensal. É o mesmo que dizer que o funcionário da Embraer trabalha 20 dias de graça para os donos da empresa”.
Além disso, com a privatização, os lucros da companhia deixam cada vez mais de serem investidos na produção, pesquisa e tecnologia para engordar as carteiras dos acionistas e novos donos da Embraer. Conforme se vê no gráfico, cerca da metade do milionário lucro líquido da empresa nos últimos anos transformou-se em dividendos repartidos aos acionistas.
Lula e o caso Embraer
Desde a privatização, as ações que garantem direito a voto na administração da companhia foram sendo distribuídas no sistema financeiro internacional, sendo 54,6% na Bolsa de Nova York (NYSE) e o restante na Bovespa. Independentemente de a ação ser negociada lá ou aqui, a questão é que o controle acionário é exercido principalmente por fundos de pensão e bancos americanos. Cerca de 70% das ações estão nas mãos desses especuladores internacionais (54,6% NYSE + 8% Janus Capital + 5% Thornburg Inv., etc). Depois, 19,2% encontram-se sob a posse de órgãos ligados ao governo (13,9% Previ + 5% BNDES + 0,3% União) e 8% para o grupo brasileiro Bozano.
Nessa composição acionária encontramos dois detalhes importantes. O primeiro é que o edital de privatização proibia que a maioria das ações estivesse em mãos de estrangeiros. Lula poderia, então, impedir essa transferência societária, usando o poder de veto que tem através das ações denominadas “Golden Share” e decretar a nulidade da privatização, preparando assim o terreno para a re-estatização da empresa.
O segundo detalhe é a participação do governo federal nos rumos da empresa enquanto controlador de ações. Através da Previ, BNDES e do próprio Tesouro da União poderia intervir na Embraer para, no mínimo, posicionar-se contra as demissões e levantar o apoio popular necessário para colocar na ordem do dia a re-estatização da Embraer, como medida de soberania nacional e de garantia dos empregos, frente à pilhagem promovida pelos especuladores internacionais.
Poderia ainda emitir uma Medida Provisória, um Decreto-Lei – enfim, existem vários caminhos jurídicos, políticos e econômicos a serem adotados pelo governo Lula – para retomar a Embraer para o país e salvar os empregos no setor aeronáutico. Mas, sendo assim, o que o impede de tomar essa decisão?
O que impede um ex-metalúrgico de ajudar seus colegas de profissão é o projeto político que Lula abraçou – apoiado pela maioria da direção do PT – de conciliação entre os interesses dos trabalhadores e dos patrões. Ao mesmo tempo em que o presidente Lula diz que se sente “inconformado” com as demissões, afirma que entende a decisão da Embraer. O que isso significa para os capitalistas? Significa que, apesar do governo ter ficado na bronca, não vai fazer nada contra, portanto, o caminho está livre para sugar a Embraer. E para os trabalhadores, o que significa essa política? Significa que o presidente deixará os trabalhadores sofrendo no desemprego.
“Senti que acabou, tinha o bebê que só tinha cinco meses, perdi o chão”, relata Rosângela, 35 anos, trabalhadora demitida da Embraer. Mas na verdade não acabou. Ela perdeu o emprego, mas não a esperança: “Tomara que re-estatize e que a gente possa retomar os empregos”.
Percebe-se assim, que é impossível conciliar classe patronal com classe operária e que esse tipo de política só favorece a burguesia.
Re-estatizar a Embraer para garantir os empregos e a luta pelo desenvolvimento de uma indústria nacional aeronáutica socialista!
No final do livro citado neste artigo – chamado “A Embraer é nossa”, os autores afirmam que a empresa encontra-se numa encruzilhada: “disputar o mercado mundial (sendo re-estatizada) ou se tornar uma subcontratada”.
Os companheiros têm razão quando dizem que a tendência é a Embraer tornar-se uma subcontratada ou subsidiária da Boeing (americana) ou da Airbus (européia), caso não seja re-estatizada. Mas, o objetivo da re-estatização, além de retomar os empregos, é disputar o mercado mundial?
Nesse ponto, nós marxistas, queremos aprofundar a discussão. Também achamos que a Embraer encontra-se numa encruzilhada, mas na seguinte: ou se re-estatiza a Embraer para garantir os empregos e a luta pelo desenvolvimento de uma indústria nacional aeronáutica socialista ou ela se tornará uma subcontratada das corporações imperialistas!
Têm razão os companheiros quando afirmam, em seguida, que “só a classe trabalhadora pode garantir a reestatização da Embraer”, afinal, como vimos, a burguesia brasileira não possui capacidade histórica de se enfrentar com o imperialismo para desenvolver um projeto nacional soberano no setor aeronáutico. Além disso, só a luta da classe trabalhadora pode garantir a ruptura da coalizão governamental entre o PT e partidos da direita para fazer com que Lula re-estatize a Embraer. Portanto, realmente essa é uma batalha para a classe trabalhadora, porém, é impossível dissociar essa tarefa democrático-nacionalista dos métodos e objetivos próprios dos trabalhadores.
Em sua luta pela re-estatização da Embraer, da Vale do Rio Doce e outras empresas privatizadas, a classe trabalhadora não apenas estará colocando na ordem do dia a construção de um projeto soberano para o país, não apenas estará questionando a coalizão de Lula com a burguesia, mas também e ao mesmo tempo, estará colocando em cheque o sistema capitalista brasileiro, que é o verdadeiro responsável pelas privatizações e demissões, pela exploração do trabalho e a transferência da maior parte da riqueza gerada pelos trabalhadores para o estrangeiro.
Nesse movimento, a classe trabalhadora brasileira estará se levantando para governar o país, para ao mesmo tempo libertar o Brasil da opressão imperialista e para se libertar da exploração capitalista, dando início à construção de uma sociedade socialista, capaz de avançar no processo de industrialização nacional, em aliança revolucionária com os trabalhadores e pobres de todo o mundo.
* Todos os gráficos e citações neste artigo, assim como várias informações importantes sobre a Embraer e seus trabalhadores foram extraídos do livro: “A Embraer é nossa!”. Godeiro, Nazareno (org). Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann. São Paulo 2009.