Imagem: Letícia Valério

Pensar e agir politicamente: caminhos de resistência e luta do movimento Mulheres pelo Socialismo – Florianópolis durante a pandemia

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo Especial nº 08, de 11 de junho de 2020. Confira a edição completa.
Como aprendemos com a Revolução Russa de outubro de 1917, um dos primeiros pressupostos para que as mulheres se aproximassem da vida política foi criar espaços públicos onde o trabalho doméstico pudesse ser socializado e assim se garantisse sua liberação para pensar para além das demandas de cuidado, alimentação, limpeza, organização, entre tantas outras que ficavam especialmente sob sua responsabilidade. Neste sentido, trazer as mulheres para o cenário político significava fazê-las compreender profundamente os elementos sociais e econômicos imbricados na luta de classes e os caminhos a serem construídos dentro de uma sociedade liderada pelo proletariado que acabara de nascer.

A experiência na Rússia bolchevique nos auxilia a pensar a tão reivindicada “representatividade” nos espaços políticos defendida por vários grupos de esquerda. Para a esmagadora maioria desses grupos, basta ser mulher para ocupar um cargo político, ser chamada para falar ao microfone numa manifestação ou numa mesa de debate. Essa defesa constrói um caminho reformista da sociedade capitalista e não a sua superação, desconsiderando que esta sociedade é responsável por todas as opressões e violências que centenas de milhares sofrem todos os dias. Além disso, a política reformista trata a mulher como apenas um corpo feminino, um número a ser disputado com os homens, a ser somado num espaço para aparentemente demonstrar que ali todos terão voz e vez. 

Contudo, para além das aparências e da democracia burguesa que a promulgada representatividade feminina traz em seu bojo, o que vemos é que muitas mulheres que ocupam cargos políticos importantes, como a Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro, Damares Alves – só para citar um exemplo -, não representa a grande maioria das mulheres trabalhadoras, subjugando-as a um papel de submissão e subordinação aos homens e ao sistema. Sendo assim, nosso recorte deve ser de classe e não apenas de gênero. Cabe ainda lembrar que as mesmas organizações de esquerda que defendem que as mulheres as representem a qualquer custo nem sempre oferecem a elas condições para que possam realizar um estudo aprofundado sobre as questões políticas-econômicas que as oprimem.

Tendo essas questões em vista e indo na contracorrente do que disseminam, nós do Mulheres Pelo Socialismo em Florianópolis temos nos esforçado ao máximo para mantermos nossas discussões e estudos mesmo durante o período de pandemia e de tantas outras tarefas pelas quais somos responsáveis. Compreendemos que em cada encontro que realizamos, cada tema que nos debruçamos, cada leitura e estudo que fazemos, além de trazer novos conhecimentos e olhares sobre nossa condição de mulher dentro da sociedade capitalista, nos dá ainda mais força para construir a resistência necessária junto aos demais trabalhadores de nossa classe para colocar abaixo esse sistema que só tem nos oferecido dor e sofrimento. 

Um pouco antes da Covid-19 chegar ao Brasil, em fevereiro deste ano, realizamos encontros para planejar nossa intervenção no 8M (Dia Internacional da Mulher) e cada integrante assumiu e preparou alguma tarefa. Assim o MPS se somou às mobilizações organizadas para o 8M em Florianópolis. Usando camisetas com arte elaborada por uma das integrantes do movimento, expressando também nossa luta pelo “Fora Bolsonaro”, distribuímos panfletos, dialogando com as pessoas presentes acerca das contradições inerentes ao sistema capitalista e explicamos que as opressões que atingem as mulheres não serão resolvidas no interior de um sistema que depende destas opressões para manter a exploração. Também intervimos com a confecção de um painel artístico que serviu de tela para que fossem expressas as opressões vivenciadas pelas mulheres. Este painel expressivo teve como intenção disponibilizar para as mulheres que estavam presentes no local um espaço artístico onde elas se sentissem à vontade para expressar, em palavras, imagens e cores, as opressões que vivenciam diariamente. Esta foi nossa última atividade presencial, já que a partir de 16 de março foi decretada a quarentena em nosso município.

Mesmo não podendo mais realizar nossas reuniões presenciais, continuamos a nos encontrar virtualmente e, nos primeiros dois meses da pandemia, onde muitas ainda não tinham retornado ao trabalho, conseguimos fazer reuniões semanais para discutir temas como o governo Bolsonaro e a disseminação da Covid-19, as implicações das medidas restritivas ao coronavírus na vida da mulher trabalhadora, a necessidade dos trabalhadores derrubarem Bolsonaro e tudo o que sua política representa, os reflexos da pandemia junto aos trabalhadores da saúde e da educação, entre outros.

Os debates aí realizados contaram com a leitura de textos baseados nos clássicos do marxismo, relatos e entrevistas feitas com trabalhadores e produção de vídeos e ilustrações artísticas sobre os temas. Também tivemos (e ainda estamos tendo!) a chegada de novos integrantes ao grupo vindos de diferentes locais como São Paulo e Londres, facilitada pelo encurtamento das distâncias que a ferramenta virtual oferece. 

A partir de meados de maio, nossos encontros passaram a ser quinzenais por conta de algumas estarem retomando as atividades laborais presencialmente e outras estarem sendo submetidas à sobrecarga do tele-trabalho, além, obviamente, das jornadas duplas e triplas que algumas mulheres mães do grupo enfrentam. Todas essas questões, sentidas e sofridas pela classe trabalhadora, recaem ainda mais sobre nós mulheres e é esse o diálogo que construímos dentro do grupo, com a presença de homens que estão ombro a ombro se colocando na luta contra esse e todos os tipos de opressões, parte inerente a esse sistema fétido. 

Com os ataques aos direitos dos trabalhadores se intensificando mesmo durante um período que exige isolamento e gera a dificuldade de nos manifestarmos em massa, o ódio de classe se exacerba enquanto os pedidos de impeachment do presidente se enfileiram na Câmara. Nós, enquanto movimento, aprovamos a palavra de ordem pelo “Fora Bolsonaro” desde o primeiro encontro de 2019, enquanto alguns grupos e partidos de esquerda e até movimentos feministas afirmavam que “ainda não era hora” ou que “seria pior com o Mourão”, confundindo a classe trabalhadora. 

Nesse sentido é que promovemos um encontro online debatendo justamente os limites de um processo de impeachment e deliberamos a participação na Plenária aberta dos Comitês de Ação pelo Fora Bolsonaro de Florianópolis. Na oportunidade tivemos a explanação de Serge Goulart sobre o “Programa Emergencial para a Crise no Brasil” disponível em nossas plataformas e que na sequência passou a ser o tema dos debates dentro do MPS.

Contudo, como diria Lênin, “há décadas em que nada acontece e há semanas em que décadas acontecem”. O evento de Minneapolis, em que George Floyd, homem negro,  foi sufocado até a morte por um policial se desdobra, como uma gota d’água em um copo cheio, em insurreições nos Estados Unidos, as quais rapidamente se alastraram para outros países. George Floyd tinha três filhas e trabalhava como motorista e segurança, porém na ocasião de sua morte já se encontrava desempregado por conta dos efeitos da pandemia e suas últimas palavras de agonia representam a agonia de milhões de trabalhadores pelo mundo: “Eu não consigo respirar!”.

Junto ao movimento legítimo “Black Lives Matter” surge um levante de pessoas que, para expressarem seu ódio ao racismo e ao sistema, confundem essa bandeira com a bandeira antifascista. Diversas pessoas, das mais variadas classes, ordens e instâncias, passam a se autodenominar dessa forma. Daí a sensibilidade de avaliar que nesse momento era necessário redirecionar a pauta para discutirmos e debatemos sobre as confusões advindas entre o movimento do antifascismo histórico alemão e o que de fato está acontecendo neste momento. E o estudo prosseguirá com “A revoada das galinhas verdes”, como exemplo do movimento no Brasil.

As pessoas seguem morrendo aos montes, pela Covid-19 e mais aindamente pelo vírus que é o capitalismo. Essa realidade é ainda mais dura para a população preta, independentemente de idade, como foi o caso do menino Miguel de 5 anos, filho de uma empregada doméstica, que morreu ao ser negligenciado pela “sinhá”, que estava responsável pela criança enquanto a mãe passeava com o cachorro da família. Foram suficientes meros R$ 20 mil para que a homicida fosse liberada, enquanto a perda dessa mãe se fez definitiva, o que evidencia o recorte de classe no que diz respeito às violências submetidas às mulheres e aos filhos das mulheres trabalhadoras. 

Ao longo da realização dos encontros, outras proposições surgiram a fim de difundir o fruto de nossos debates e estudos, disseminando nosso alinhamento político. Desse modo o grupo produziu um vídeo sobre os efeitos da pandemia para a classe trabalhadora, um texto e ilustração fortalecendo a luta pelo Fora Bolsonaro, além do vídeo com as reivindicações da “Plataforma de Luta pela Emancipação Política da Mulher Trabalhadora”. Sempre compreendendo a necessidade das mulheres estarem ao lado dos demais trabalhadores e jovens da sua classe construindo perspectivas para derrubar esse sistema e fazer surgir um novo mundo.  

  • Pela garantia de vida e saúde às mulheres trabalhadoras e seus filhos vítimas de violência.
  • Pelo Programa Emergencial para a crise no Brasil. 
  • Pelo fim do capitalismo, raiz do racismo, machismo e todas as formas de opressão.
  • Por um governo sem general nem patrão.
  • Fora Bolsonaro!

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A arte que ilustra o artigo é da @leticiavaleriolyrica, integrante do MPS desde 2018, que encontra na arte a sua arma de luta contra as opressões inerentes ao sistema capitalista! O trabalho foi feito no início da quarentena especialmente para ilustrar o texto de mesma autoria em que ela expressa que: “Lugar de mulher é na luta por respeito, liberdade, igualdade, dignidade, emancipação, autonomia, reconhecimento, bons salários, creche pública para todos, direito ao próprio corpo, licença maternidade e paternidade ampliada, profissionalização, politização, é onde ela quiser, mas com condições de ter uma vida integralmente bem vivida!”. Vamos fortalecer o trabalho da incrível @leticiavaleriohumana.