José de San Martín ao anunciar a independência do Peru Foto: Domínio Público

Peru: da independência à consolidação nacional (1821-1895)

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo Especial nº 13, de 20 de agosto de 2020. CONFIRA A EDIÇÃO COMPLETA.

LEIA A PARTE 1 Nesta edição, damos continuidade à série de artigos que trata da formação da sociedade peruana contemporânea e sobretudo, o que levou o movimento operário do país andino à situação em que se encontra. Esse é um estudo da maior importância para qualquer militante que procura entender as perspectivas da luta de classes na América do Sul, dada a importância histórica e cultural que tem o Peru em nosso continente.

No artigo anterior, discutimos as principais características das civilizações que ocuparam o território antes da chegada dos espanhóis, sua destruição nas mãos dos conquistadores comandados por Francisco Pizarro, a estrutura colonial erguida pelos colonizadores e a forma que se deu a independência do país. Agora, abordaremos a formação do Peru como país independente, os conflitos nos quais o país se envolveu e a forma como as estruturas coloniais influenciaram o país, que surgiu após a expulsão dos espanhóis. Ao contrário de outras partes da América Espanhola, como a região do Rio da Prata e da Grã-Colombia, o Vice-Reinado do Peru se manteve leal à Madri até os derradeiros momentos das campanhas de independência. Isso se deveu à especial atenção que a colônia sempre recebera dos espanhóis, preocupados em manter sob seu controle a região que continha a maior parte das minas de ouro e prata, principal fonte de lucros para a coroa espanhola. Foram necessárias diversas incursões militares, comandadas por José de San Martín, para que as tropas leais à Madri fossem definitivamente derrotadas. Uma vez  proclamada a independência, em 1821, as divisões entre as elites regionais que haviam impulsionado a luta desde o princípio logo tornaram-se evidentes. O império colonial erguido pelos espanhóis era por demais extenso e diverso para permanecer unificado sob uma única bandeira nacional. Desde o Rio Grande até a Patagônia, os estados criados pelos libertadores logo foram divididos e subdivididos à exaustão, em processos salpicados de sangue. No Peru não foi diferente. Após breve período unido sob a tutela de José de San Martin, seu território foi unido ao da atual Bolívia na Confederação Peru-Bolívia, que durou apenas três anos (1836-1839). A frágil república foi destruída pela ação de tropas vindas do Chile e da Argentina, que se aliaram a peruanos contrários à existência de um estado que concentrasse todas as riquezas minerais do antigo império espanhol. Após a dissolução da confederação, Peru e Bolívia se enfrentariam entre os anos de 1841 e 1842, sem que qualquer um dos lados obtivesse uma vitória definitiva. Enquanto as ex-colônias espanholas se fragmentavam ao som das espadas e dos canhões, as sociedades existentes no interior de cada uma delas permaneciam praticamente inalteradas. No antigo sistema de castas criado pelos colonizadores, a única mudança real foi a eliminação da casta mais elevada, a dos peninsulares, formada pelos espanhóis natos, expulsos após a independência pelos criollos, seus descendentes nascidos na América que haviam iniciado as campanhas de independência precisamente para substituí-los no controle do poder político da América hispânica. A economia da América hispânica também sofreu pouquíssimas mudanças com a independência. A principal atividade econômica era a extração de matérias-primas para a exportação. E no Peru, a descoberta do guano, uma espécie de fertilizante formado a partir da decomposição de fezes de aves, abriria uma nova era na história da política interna e externa do país. A partir de 1845, mesmo ano em que o fertilizante é descoberto na ilha de Chincha, assume a presidência o ex-militar Ramón de Castilla, um nacionalista que pretendia utilizar os recursos obtidos com a extração do novo fertilizante para modernizar seu país. Inovações tecnológicas como o telégrafo, iluminação a gás e ferrovias foram introduzidas durante os dezesseis anos de governo de Castilla (1845-1861). Contudo, por maiores que fossem os sonhos de Castilla e seus aliados, nem o guano nem qualquer outra riqueza natural poderia propiciar ao Peru um verdadeiro desenvolvimento econômico. Assim como todas as demais nações latino-americanas, a peruana permanecia e permanece restrita aos limites impostos pelos poderes imperialistas estrangeiros, que não tardariam a demonstrar seu interesse pelo guano. E foi justamente a antiga metrópole o primeiro a fazê-lo. A Espanha enviou uma esquadra para ocupar as ilhas Chincha, que continha as maiores reservas de guano, em 1864, e ali permaneceu por dois anos. Foram os espanhóis que levaram o fertilizante para outras partes do mundo, onde foi produzido segundo métodos modernos, o que fez com que o Peru perdesse, além de uma importante fonte de renda, qualquer esperança de desenvolvimento nacional. Enquanto se submetia aos poderes imperialistas externos, a elite peruana permanecia envolvida em conflitos custosos com seus vizinhos. Dentre os muitos que ocorreram nesse período, o mais marcante foi a Guerra do Pacífico (1879-1883), travada contra o Chile pela disputa de uma província litorânea ao sul do Peru. Após quatro anos de combates, o governo de Lima, aliado ao da Bolívia, foi forçado a render-se e ceder território aos chilenos, que ocuparam a capital peruana por dois anos. Após o fim das hostilidades, assumiu um governo de reconstrução nacional que controlou o país até 1895 e assim como todos os anteriores, manteve o país submisso ao imperialismo e em estado de tensão com os vizinhos.