A crise econômica ajuda a aprofundar ainda mais a crise das instituições burguesas. Começam a se revelar fissuras no seio da burguesia que já não pode mais negar a sujeira no Congresso Nacional, mas busca passar que existe uma ‘parte ética’.
O Senado brasileiro é composto por 81 senadores, hoje distribuídos segundo os seguintes partidos:
Casa do Povo ou Casa da Burguesia?
Teoricamente, o Governo Lula, eleito pelo povo trabalhador, contaria então mais de 65% dos votos no Senado Federal. Esta conta, porém, é ilusória. Em termos gerais, só existem dois partidos de base operária no Senado: o PT e o PCdoB – contando os dois juntos com 13 senadores. Além destes, podemos contar uma série de partidos nacionalistas e pequeno-burgueses (PDT, PSB, PSOL), que contam com 8 senadores ao todo. Somando os partidos de base operária aos partidos nacionalistas e pequeno-burgueses, chegamos a um total de 21 senadores.
A grande e média burguesia contam então com o restante dos senadores (PMDB, DEM, PSDB, PP, PR, PRB, PTB) totalizando 60 senadores. Ou seja, em termos de classe, a classe operária é sub-representada neste órgão, ainda mais que dos senadores todos, hoje, somente 1 tem origem ligada à luta operária (Paulo Paim, PT-RS). Os demais senadores do PT são médicos (2), professor universitário (4), Servidor público (2), professor do ensino médio (2), engenheiro chefe (1). Como se vê, a maior parte da base organizada do PT que são os operários industriais, contam somente com um representante direto.
Este órgão então, que representa e bem a grande burguesia, no momento em que a crise atinge o país – crise econômica com amplas repercussões sociais e políticas – este órgão formado pelos políticos “mais experientes” do país, contando com dois ex-presidentes (Sarney e Collor), começa a exalar um odor putrefato como há algum tempo não se via.
Lembremos: quando se falam das patifarias, toda a imprensa anota que elas começaram muito tempo antes. Então, o que levou a que somente agora tudo isso viesse a lume? Por que não conseguiram fazer, como de outras vezes, um grande “acordo de cavalheiros” que encobertasse tudo, redistribuindo benesses, favores e cargos entre os diferentes envolvidos para que todos calassem a boca?
Formalmente, a crise tem origem na disputa da presidência do Senado, onde se enfrentaram o Senador Tião Viana (PT) e o Senador José Sarney (PMDB), dividindo um setor “ético” contra o setor ligado ao Senador Renan Calheiros (PMDB) que no ano passado esteve ameaçado de ser cassado e só sobreviveu devido ao apoio do governo à manutenção de seu mandato.
Renan, seguramente o homem mais poderoso do Senado, que já foi presidente da instituição e levou ao máximo o procedimento de distribuição de benesses e nomeações, é o Senador mais articulado e, na luta contra a sua cassação, obteve uma ampla ascendência sobre os outros senadores. Ele articulou a candidatura de José Sarney, este senhor que sempre consegue um alto posto com as sobras dos outros. Virou presidente por ser vice na chapa de Tancredo Neves quando do fim da ditadura militar. Virou presidente do Senado para que não aparecesse de modo tão evidente a figura do “grande eleitor” que era Renan Calheiros.
O PT, que muitas vezes dobrou-se e redobrou-se para manter a “base aliada” unificada, traindo cada vez mais a classe, em diferentes votações contrárias ao interesse dos trabalhadores (Reforma da Previdência, MP da “regularização” das terras, etc.), encheu-se de brios e resolveu mostrar ao que veio, tendo lançado um candidato para “renovar” o Senado antes de Sarney e mantendo este candidato contra a candidatura de “consenso” que Sarney pretendia representar.
Na votação, Sarney obteve 49 votos e Tião Viana 32. Se olharmos o quadro com atenção, lembramos que a classe operária junto com a pequena burguesia tem 21 senadores, sendo esta a base principal que votou em Viana. De última hora, por divergências com Renan, o PSDB aliou-se a Tião e lhe garantiu mais 11 votos. Sim, a partida estava decidida e, a partir daí, nada deveria se mexer.
Mas, em tempos de crise, pequenos movimentos podem levar a grandes conseqüências. Nós estamos vendo isso no Irã e, embora a batalha “titânica” do Senado possa ser comparada a uma briga de botequim (para não dizer uma briga num bordel) frente ao tamanho da Revolução Iraniana, a situação guarda uma certa semelhança: lá uma eleição fraudada, como sempre fraudaram as eleições por lá, levou a um movimento de massas impressionante (ler artigo de Alan Woods: A Revolução Iraniana: O que significa e para onde vai?).
Aqui, Renan, não se contentando em apenas ganhar as eleições, ao invés de se comportar como sempre se comportaram os vencedores destas “batalhas titânicas” no senado – tentando agraciar ao máximo os vencidos e recompô-los dentro das benesses e cargos – resolve que não quer ficar sozinho com a pecha de “anti-etico”. E resolve atacar o Senador Tião Viana, depois das eleições, deixando “vazar” para a imprensa que a filha de Tião usara o telefone de uso exclusivo do Senado em uma viagem de férias para o México, gerando uma conta de mais de 14 mil reais. Tião, irritado, paga a conta e resolve dar o troco.
Assim começaram as “batalhas titânicas” do Senado – esse local sagrado da alta sapiência política, onde o que mais se troca são cargos e benesses e pouco se trata do interesse público e da nação.
As denúncias começaram a se suceder, de nomeações de filhos de senadores, de viagens internacionais com dinheiro do Senado, de pagamento de viagens para parentes (até o “tão ético” Suplicy entrou nessa, pagando as viagens de sua namorada com a cota do Senado) e chegaram até o esquema que organizava tudo isso.
Um bode expiatório
Aqui, queremos fazer a defesa do Sr. Agaciel Maia, um injustiçado. Há 14 anos na Diretoria Geral do Senado, posto que ocupou com diversos presidentes de diferentes partidos:
José Sarney (PMDB) de 1995 a 1997;
Antonio Carlos Magalhães (PFL – hoje DEM) de 1997 a 2001;
Jader Barbalho (PMDB) de 2001 a 2003;
José Sarney (PMDB) de 2003 a 2005;
Renan Calheiros (PMDB) de 2005 a 2007;
Tião Viana (PT) por dois meses de 2007 (após renúncia de Renan, assumiu pois era o vice);
Garibaldi Alves (PMDB) de 2007 a 2009;
José Sarney (PMDB) eleito novamente em 2009.
Como podemos ver, o Senado consegue quase sempre eleger parlamentares do PMDB, exceção feita ao breve período em que ACM foi presidente (em dois mandatos). E todos os presidentes mantiveram Agaciel na Diretoria Geral. Reconheça-se que o Senador Tião Viana (PT) teve pouco tempo para mudar qualquer coisa, pois assumiu sendo vice de Renan Calheiros em 11/10/2007 e foi substituído em 12/12/2007 por Garibaldi Alves, sendo o seu mandato interino enquanto não se realizava nova eleição.
Hoje, na situação atual, todos apontam Agaciel como o responsável, inclusive os que mais se apresentam como lideres dos éticos, Cristovam Buarque (PDT), Artur Virgilio (PMDB) e Mercadante (PT). Mas, se ele cometeu todos os crimes possíveis, como ninguém notou nada e como todos os presidentes de Senado o mantiveram por 14 anos? Apontar o dedo para Agaciel e seus auxiliares e esquecer quem os nomeou é uma tentativa canhestra de, uma vez que toda a sujeira subiu do porão para o teto da casa, querer fingir que tudo está bem e que os “coitadinhos” dos senadores nada tiveram a ver com isso.
E a sujeira aumenta a cada dia. Nomeação de parentes, o que todo mundo já desconfiava e volta e meia isso é assunto de alguma nova denúncia. Nada de novo por aí. Agora, que dois senadores tenham funcionários morando no exterior – um lotado no gabinete da Senadora Seris (PT) e mora em Nova York, outra na liderança do PTB, Isabela Murad, é parente de Sarney e mora em Barcelona (Espanha). Realmente, a coisa foi um pouquinho além do “normal”.
Depois, todos os contratos de terceirização feitos pelo senado, foram feitos sem o uso de pregão eletrônico, embora seja lei o uso deste. Uma comissão designada para estudar tais contratos recomendou a anulação de todos os contratos!
E todos estes processos, nomeações, contratações, passagens, diárias indevidas pagas a senadores, tudo isso foi feito através de atos secretos que uma comissão contabilizou em 663 atos secretos! Isto quando a Constituição Federal declara a necessidade da publicidade dos atos para serem válidos. A mesa do Senado reuniu-se e decidiu que somente um ato (o que concedia auxílio médico vitalício para Agaciel e seus dependentes) seria anulado, mantidos todos os outros 662! E, engraçado, se nos primeiros dias vários senadores vieram pedir a nulidade dos atos, como corretamente está mantendo um procurador da república designado para o caso, isto agora desapareceu do discurso até dos “éticos”, sendo substituído pelo pedido de afastamento de Agaciel. Ou seja, já temos o nosso bode expiatório, para que mexer com aquilo que nos ajudou durante 14 anos? Essa é a lógica que todos seguem e continuam seguindo.
Agora veio à tona que o senado mantinha duas contas à parte da contabilidade pública – esta que funciona com base numa conta única do tesouro nacional. Quais os pagamentos que foram feitos por estas contas? Como o dinheiro foi parar lá? Quem foi o Senador que autorizou a abertura de tais contas e a transferência de dinheiro para elas? Quem era o senador que autorizava os pagamentos que saíam de tais contas? São perguntas legítimas, mas ganhará um doce quem apostar que provavelmente estas perguntas não serão respondidas e que, muito rapidamente, também este crime será imputado ao “poderoso chefão” Agaciel ou a qualquer outro bode expiatório que apareça pelo caminho. Mais ainda, que toda a investigação contará com a prestigiosa ajuda do TCU (Tribunal de Contas da União), cujos Ministros são nomeados pelos… senadores! Os mesmos senadores que eles deveriam investigar. Alguém espera algo destes “auditores”?
A podridão existe e funciona há muito tempo. O problema é que em tempos de crise uma pequena faísca pode desencadear um incêndio de enormes proporções. Principalmente quando as brigas se sucedem e até mesmo as CPIs que são montadas (como a CPI da Petrobrás, ver outro artigo meu: Reforma Política e CPI da Petrobrás) servem para disputar cargos e verbas eleitorais e outras não tanto eleitorais. Uma pequena frase de que “eu sou a parte ética” leva a uma pequena denúncia sobre uso de telefone pela filha do senador e, a partir daí, toda a podridão é escancarada. Toda? Não sejamos tão otimistas. O cheiro ruim e a lama podre já se derramam demais. Mas muito mais pode subir, à medida em que as brigas pelo botim que escasseia (numa crise escasseiam verbas, até para estes fiéis serviçais da burguesia) se tornam cada vez mais desesperadas.
A Esquerda Marxista tem uma posição simples: O senado é uma instituição burguesa e como tal sempre foi um apêndice anti-democrático do Estado burguês, que em nome de manter a igualdade dos estados, serve para construir um órgão muito mais afastado da população que os demais. O mandato de 8 anos para cada senador é algo que não existe em mais nenhum lugar. Assim, para termos um país verdadeiramente democrático, extinguir o Senado seria um pequeno passo.
É claro que, em nossa opinião, isso não anistia nenhum dos crimes e roubos ali cometidos e, principalmente os mandantes, deveriam ser processados e presos. Além disso, é evidente que a existência da Câmara somente não eliminará toda a podridão que lá também existe e que os deputados estão tentando manter escondida, surfando em cima dela. O exemplo mais recente é o “parecer jurídico” que anistia os deputados que pagaram passagens para familiares, amigos e amantes.
Sim, em tempos de crise, os mares de lama que constituem a administração burguesa sobem e ameaçam passar por cima de todos. É possível limpar este mar de lama? Evidente que só é possível com uma revolução socialista, com a classe trabalhadora tomando o poder e expulsando de seus “altos cargos” esta escumalha que reúne senadores, altos funcionários, altos juízes, etc.
A experiência da Comuna de Paris, onde todos os seus integrantes e funcionários ganhavam o mesmo salário de um operário especializado ou ainda a experiência dos primeiros anos dos Sovietes da URSS mostram que é possível. O trabalho da Esquerda Marxista é ajudar os operários a fazerem a experiência, a entenderem quais são as classes representadas por estes senhores e que nada podemos esperar das administrações burguesas.