Por que fracassou a aliança do “centro democrático” com a esquerda?

Na noite do dia 1° de fevereiro, o deputado Baleia Rossi (MDB), integrante do chamado “centro democrático” apoiado pela esquerda, foi abandonado já durante o dia pelo PSDB e pelo DEM (partido do antigo presidente da Câmara) e sobrou para ele o apoio dos partidos de esquerda e do seu próprio partido, no qual é líder. Mas se olharmos a contagem de votos, diríamos que a maioria deles veio dos partidos de esquerda, o que foi um fracasso frente ao candidato Arthur Lira que embarcou mais de 300 votos, a maioria da Câmara, e foi eleito em primeiro turno.

Sim, há uma pergunta: por que fracassou essa aliança da esquerda com o “centro democrático”? Afinal de contas, partidos como PSDB e DEM estavam fazendo um esforço para se desvincular de Bolsonaro e, no último minuto, chegaram a um acordo, pelo menos a maioria de seus deputados, com o candidato de Bolsonaro. A maior parte, provavelmente, beneficiado pelas emendas parlamentares, abandonou Rodrigo Maia (DEM) e Baleia Rossi.

Os partidos no Brasil

Há um consenso hoje entre os analistas burgueses e a esquerda, de um modo geral, de que os partidos hoje são pouco representativos, mas que eles têm a sua existência real. Essa existência é reconhecida pelo TSE através de uma série de normas que exigem assinaturas de 1% de eleitores, apoiadores etc. Em outras palavras, todos eles reconhecem um partido como existente ou real a partir do fato do Estado — mais precisamente o poder Judiciário — reconhecer a existência desse partido político. E uma vez que ele passa a existir e consiga eleger os parlamentares ou prefeitos, ele passa a receber verbas do Estado e, portanto, ele depende ainda menos de seus filiados e se torna parte da engrenagem do Estado.

Esse tipo de situação é nova sob o capital. Durante o século 19 e início do século 20, a maior parte dos partidos, fossem de esquerda ou até de direita, constituíam-se por frações das classes dominantes que se organizavam em torno deles e não dependiam do Estado para sua existência. É verdade que vários dos partidos burgueses confundiam suas existências com a existência do Estado e, em particular, nos regimes tipo nazistas e fascistas, o Estado é substituído pelo partido, e o partido pelo Estado. Nos regimes stalinistas, resultado da degeneração burocrática da revolução russa, da mesma forma, o partido se confundia com o Estado. Um e outro foram expressões bastante diferenciadas e opostas da crise de representação da burguesia, crise essa que impedia de construir uma base sólida ideológica para seus partidos.

Em certa medida — e de uma maneira muito longínqua —, o movimento que Trump fez nos EUA, ao criticar e questionar as próprias Instituições repetidamente e a forma como foram realizadas as eleições, foi o de colocar-se na construção de um partido do velho tipo, baseado nas verbas vindas da própria burguesia, com as doações da burguesia. Ao contrário da maioria das eleições, as verbas, apesar de serem resultados de doações, eram ressarcidas ao partido pelo Estado, isso falando dos Estados Unidos.

Aqui no Brasil, na França e em outros países os partidos são vinculados diretamente ao Estado e recebem dinheiro dele para sua sobrevivência. Muitos continuam a dizer que os partidos atuais são frutos da ditadura, que são rachas de partido tal etc. Sim, é verdade, mas antes de tudo, estão hoje baseados em cálculos de líderes e caciques políticos que sabem operar sob a burocracia da legislação partidária e sobre as regras que foram estabelecidas para constituir partidos que representem esse tipo de coisa. O PT e o PCdoB, embora tenham uma origem na classe operária, adaptaram-se a esta “nova forma” durante os anos 1990.

O PTB, PSD e antiga UDN — partidos existentes antes da ditadura militar — representavam apenas determinados setores da burguesia; anteriores a 1964, possuíam uma certa representação de parcelas da burguesia.  Na situação atual, o único partido que “tentou” se constituir como um representante da burguesia foi o PSDB, para tentar representar a burguesia industrial nacional, ainda existente em São Paulo — e recebeu o apoio da intelligentsia de São Paulo exatamente por isso. O primeiro governo do PSDB, de Fernando Henrique Cardoso (FHC), praticou uma onda de desnacionalização que destruiu a sua possível base social. Dessa forma as indústrias foram totalmente desnacionalizadas e abertas ao Capital estrangeiro.

O atual Estado e suas representações políticas

O atual Estado brasileiro é extremamente bonapartista. A existência dos partidos diretamente vinculados ao Estado dá uma amostra disso. A candidatura de Bolsonaro, por sua vez, mostrou que alguém fora desse sistema partidário tem condições legais e consegue concorrer com êxito contra os partidos vinculados a esse sistema. Isso foi o que Bolsonaro fez, usou o partido apenas como uma escada para se colocar como presidente; depois ele rompe com o PSL e tentou construir um partido. Sua fraqueza política impediu que fosse registrado nas regras atuais.

Então, na situação política atual, as crises que se originam no Congresso são mais do que crises entre partidos e facções eleitorais, são entre deputados que se comportam mais como vereadores de esquina do que como deputados Federais com projetos nacionais, para promover obras como pontes, estátuas, reparos em praças, às vezes um hospital ou uma avenida. A burguesia tenta fazer com que essa representação pobre e ignara possa ser a sua representação e do imperialismo para conduzir as chamadas reformas e permitir que o ataque mais direto ao proletariado se faça.

Evidentemente que isso não é uma crise de agora, ela se acha traduzida nos jornais como “crise de governabilidade” e se tornou mais evidente nas diferentes coligações que FHC fez para manter a “governabilidade”, para permitir que seus projetos passassem. Também nos governos do PT nas diversas coligações que Lula sabia manejar à vontade. Dilma não tinha essa habilidade e durante o seu governo perdeu essa maioria instável, que depende muito mais de verbas estatais do que realmente de ideologia ou adesão a qualquer projeto. Essa é a origem das diversas crises entre o governo e o Congresso.

Conclusão

A eleição se deu de uma forma que o centrão carrega a ilusão junto com a maioria dos que elegeram Lira de que ele vá se comportar como seu mais digno representante frente a Bolsonaro, ou seja, aquele que mais vai negociar verbas para suas negociatas de meia tigela, de vereadores de esquina. O problema é que não é esse o sentido que a burguesia está imprimindo do Congresso. O apoio e as verbas saíram do Ministério da Economia justamente para eleger alguém que se comprometeu até a medula com o governo e que vai ter que honrar com esse compromisso, sob pena de ter que riscar do seu caderninho todas as verbas prometidas e toda defesa frente aos ataques constitucionais da Justiça. E Lira, em vez de se comportar como representante do centrão, vai se comportar como representante de Paulo Guedes, ou seja, um representante direto da burguesia que exige, antes de tudo, as contrarreformas, para que acabe de vez com qualquer perspectiva de que haja alguma empresa nacionalizada abrindo caminho para a privatização do Banco do Brasil e da Petrobras, e ao mesmo tempo destrói mais direitos trabalhistas com a reforma administrativa que está em vista.

Com um novo déficit orçamentário que vai ser criado, vai voltar à tona a nova reforma da previdência. Haverá novos ataques que vão ser colocados em pé e que os deputados, que antes esperavam negociar fatia por fatia disso, para obter o calçamento da sua cidade do interior, terão que engolir pacote vindo de cima para baixo.

A primeira decisão de Lira, já na presidência do Congresso, beira ao surrealismo que, diante da decisão, ficava em dúvida se ria ou se tudo isso era exatamente o que parecia: a demonstração do autoritarismo e do estado bonapartista. Lira decidiu que a candidatura do Bloco de Baleia Rosse para a Mesa, a quem derrotou e com boa vantagem, mais do dobro de votos, foi anulada. Que o bloco que o sustentou está dissolvido e que todos os partidos burgueses que queriam ter assento na mesa diretora do Congresso, perdem esse assento, e o PT vai da primeira secretaria do Congresso para a quarta, que é o último posto. Constituiriam um bloco de Lira “só com o apoio dos seus deputados e não dos outros deputados”. Isso, evidentemente, mostra como vai se comportar o novo presidente do Congresso. A “negociação” que fez com os partidos colocou o PT na segunda secretaria (subiu dois postos), colocou Bivar (presidente do PSL) como 1º secretário e garantiu a presidência da CCJ (a mais importante comissão da Câmara) para uma bolsonarista de carteirinha.

Se acusavam o Rodrigo Maia de autoritário, aguentem Lira agora. Mas ele não vai ser autoritário apenas com os seus oponentes, e sim, contra todos os deputados, impondo a política que a burguesia imperialista exige. Por outro lado, uma outra conclusão que se impõe é o verdadeiro fracasso chamado política de aliança com o “centro democrático”.  Se desde o primeiro minuto o PT tivesse lançado uma candidatura e procurado atrair para si os partidos operários burgueses, mas que tem sua representação no Congresso, como o PCdoB, e se tivesse também proposto ao PSOL uma aliança com seus 10 deputados, ele poderia ter arrastado alguns partidos que tinham alguma representatividade e alguns deputados da burguesia para ter um mínimo contraponto a Lira. Mas nada disso aconteceu e Baleia Rossi apareceu como aparecem as baleias hoje, acuado desde o início, e só descansou até ser morto e esquartejado.

Post Scriptum

O canto de cisne da “pata” reformista

O PSOL lançou Erundina como candidata. De certa forma, isso representou uma vitória que vai ser utilizada para dizer que a política do PSOL vai ser independente dos demais.

Erundina teve 16 votos, mas para chegar nesse número ela teve que disputar dentro do PSOL, empatar, e, somente com o apoio de Guilherme Boulos, conseguir lançar a candidatura. Isso, evidentemente, fazia parte de um cálculo do PSOL: a possibilidade de que a candidatura de Baleia Rossi fosse para o segundo turno, e assim, o partido poderia “combater” o candidato de Bolsonaro ou, em outras palavras, apoiar Baleia Rossi. Evidente que essa segunda parte não se concretizou, mas por que Erundina bateu o pé até o fim?

Erundina surgiu no PT como a candidata da esquerda à prefeitura de São Paulo contra a direita do PT. Foi eleita prefeita de São Paulo (a primeira grande vitória eleitoral do PT) e durante a primeira metade de seu mandato cumpriu um papel à esquerda, apoiando greves e manifestações. Depois, em nome da “governabilidade”, ela girou à direita, ultrapassou significativamente os governos reformistas do PT até então e, posteriormente, depois de ter sido eleita deputada, ela abandonou o PT para virar ministra de Itamar Franco quando Collor foi impedido de continuar na presidência. Então ela, e seu grupo, cumpriram uma trajetória à direita. Entrou no PSB e posteriormente, seu grupo saiu do partido bastante diminuído e entrou no PSOL. Ao entrar no PSOL, com espaço quase todo ocupado, Erundina passou a jogar para ocupar um espaço “à esquerda”, e foi esse papel que ela jogou na sua última candidatura.

Entretanto, Erundina e esses deputados novos do PSOL, a começar por Freixo e todos os outros que ele acompanha, na realidade não podem cumprir um papel real à esquerda, pois são incapazes de representar a classe operária. A “radicalidade” de Erundina é, na verdade, apenas o canto de um cisne reformista que tenta se mostrar como algo à esquerda.