Durantes os quatro dias da Universidade Marxistas Internacional 2020 os militantes da Esquerda Marxista, seção brasileira da Corrente Marxista Internacional (CMI) estão empenhados em disponibilizar em nossa página breves relatos dos 16 temas tratados na Escola. O objetivo é estimular nossos leitores a aprofundar o conhecimento sobre nossas posições e a juntarem-se a nós na construção da CMI. Para sua localização procure pelo dia e o tema que deseja fazer a leitura.
Relato do informe “Por que o capitalismo falhou?”, apresentado no segundo dia da Universidade Marxista Internacional (26/7), por Adam Booth, militante de Socialist Appeal, seção britânica da CMI.
O mundo atual está de cabeça para baixo e do avesso, por conta do aprofundamento da crise que se arrasta desde 2008, agravado pela pandemia do coronavírus. A catástrofe em que se encontra o mercado mundial, a paralisação da produção, o dilema da oferta e da demanda são alguns dos temas levantados pelo informante.
As projeções econômicas da burguesia não são nada animadoras. Como exemplo, o FMI prevê para este ano uma queda 5% no PIB em todo o mundo. O desemprego tem disparado em todo o mundo. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) prevê que 1,5 bilhão em todo o mundo perderá sua renda como resultado dessa crise.
Ao contrário de alguns dos comentaristas burgueses otimistas, que falam sobre uma recuperação em forma de V, os marxistas afirmam com muita clareza que a economia mundial não vai se recuperar. A pandemia deixará uma cicatriz permanente no mundo e isso ocorre pois quando o capitalismo entra em colapso, não entra em algum tipo de modo de pausa.
Essa crise vem a reboque da crise que se arrasta desde 2008, de um período longo de austeridade. Logo não se trata de crise efêmera, temporária. Estamos enfrentando o que nós marxistas chamamos de crise orgânica do capitalismo, em que todas as contradições acumuladas no sistema vêm à tona.
A pandemia certamente exacerbou a situação, mas o fato é que não causou a crise, somente acelerou todas essas contradições e toda essa grande crise que está se formando há algum tempo.
À medida que o mercado mundial diminui, o protecionismo está em ascensão O comércio mundial está desacelerando e desmoronando e os países estão procurando, em vão, exportar a crise para outro lugar.
A economia mundial está presa em um círculo vicioso. E isso porque a renda de uma pessoa é a venda de outra. Quando os trabalhadores estão desempregados, eles perdem seus salários e, se não têm salários, a chamada demanda efetiva diminui.
Explorando a questão do protecionismo, Adam resgata a Teoria Geral de John Maynard Keynes, economista liberal burguês inglês.
Keynes sugeriu que os governos deveriam intervir na economia, compensando a falta de demanda, fornecendo investimento público e criando empregos. Para ele, ao se fazer isso, você daria salários aos trabalhadores, o que aumentaria o consumo e, por sua vez, o investimento, transformando aquele círculo vicioso em virtuoso, em que a economia iria reiniciar, ter vida e voltar a viver nela.
Keynes, no entanto, não se preocupou em saber se as coisas eram úteis para a sociedade, desde que os trabalhadores recebessem dinheiro e, portanto, a economia estivesse funcionando. Em resumo, a teoria de Keynes tratava-se de salvar o capitalismo, não de suprir necessidades.
As ideias de Keynes foram aplicadas parcialmente no New Deal de Franklin Roosevelt na década de 1930. No entanto, a grande depressão continuou até a segunda guerra mundial. E, de fato, houveram repetidas quedas na economia, inclusive nos Estados Unidos. No final, o desemprego só parou por causa da guerra, que dizimou todos os trabalhadores desempregados.
O próprio Keynes após a grande depressão foi forçado a admitir. Ele disse que “é politicamente impossível para uma democracia capitalista organizar os gastos na escala necessária para realizar as grandes experiências que provariam o meu caso, exceto em condições de guerra”.
Em suma, a única maneira pela qual o keynesianismo poderia funcionar era com a existência de uma guerra, com o extermínio de milhares de trabalhadores desempregados e o investimento em armas. O que é muito irônico, porque Keynes se via como um pacifista.
Irônica é também a realização do programa keynesiano caber, na atualidade, ao chamado partido comunista da China, que não tem nada de comunista e muito menos de partido.
Keynes, durante sua vida, opôs-se avidamente ao comunismo, socialismo e marxismo. Enfatizou repetidamente que ele não estava do lado da classe trabalhadora ou do movimento operário. De fato, ele se autoproclamava como parte da elite liberal. Em suas próprias palavras, “a luta de classes me encontrará do lado da burguesia educada”.
O programa keynesiano foi um dos que tentavam salvar o capitalismo de suas próprias contradições. E isso também é irônico, porque hoje são os líderes de esquerda do movimento trabalhista que são os mais ávidos apoiadores destas ideias. Eles abandonaram completamente o socialismo e só querem administrar o capitalismo, exatamente como Keynes propôs.
Nessa mesma linha de pensamento, cabe citar também a Modern Monetary Theory – MMT (teoria monetária moderna) que, na realidade, também não tem nada de moderno, muito menos de teoria. Na tentativa desesperada de salvar o capitalismo, esse “neo-keynesianismo”, dá ênfase na criação de dinheiro, a fim de financiar os gastos do governo e estimular a economia.
Marx explicou que as crises são inerentes ao capitalismo. Por causa das contradições no coração do sistema capitalista. E a principal contradição é o que Marx chamou de superprodução. Essa é uma contradição que surge das relações dentro do próprio capitalismo, porque o capitalismo é um sistema baseado na propriedade privada dos meios de produção, visando o lucro.
Quanto aos keynesianos e aos defensores da MMT, sua utopia consiste exatamente em pensar que os governos podem estimular a economia. A dinâmica do sistema capitalista não é definida pelos governos e seus gastos, nem pelas necessidades da sociedade. A dinâmica do capitalismo é definida pela capacidade do capitalista de obter lucro. Se não puderem lucrar, não investirão.
E isso porque, no capitalismo, a maioria do dinheiro não é criada pelo governo, em primeiro lugar. Não é o dinheiro criado que estimula a economia, mas o contrário. A maior parte do dinheiro é criada por bancos privados, porque as pessoas procuram empréstimos para investir, para ter hipotecas etc. E quando você tem uma crise no sistema que exige dinheiro, o crédito também cai.
Marx desvendou a origem do lucro, mostrou como isso leva a essa contradição inerente ao sistema capitalista. Afirmou que as crises não são simplesmente por falta de demanda. Ou seja, a origem da crise não está em consumo, como sugerem os keynesianos e os advogados da MMT. Pelo contrário, a causa da crise é a superprodução.
E isso é uma coisa muito importante a enfatizar. Porque para os reformistas, os keynesianos e a MMT, tudo é uma questão de distribuição. Eles acham que você pode regular o capitalismo, pode tributar os ricos para dar aos trabalhadores um pouco mais de dinheiro e contornar esse problema.
O marxismo enfatiza não a distribuição, mas a produção. A desigualdade que vemos ao nosso redor é por causa da propriedade privada dos meios de produção. É inerente ao capitalismo, porque os lucros são o trabalho não remunerado da classe trabalhadora. E as crises também são inerentes ao capitalismo pela mesma razão.
Todas essas crises, a desigualdade, só podem ser combatidas com a questão da propriedade. Ao invés de tentar tributar os ricos, precisamos expropriar os capitalistas.
Mas por que o capitalismo não está sempre em crise?
Historicamente, os capitalistas reinvestiriam seu excedente, a fim de manter a economia funcionando. De fato, a concorrência os obriga a reinvestir seus excedentes em indústrias e tecnologias mais produtivas.
Mas todas essas questões, devidamente apontadas por Marx e Engels, apenas abririam o caminho para crises ainda maiores no futuro. Porque, ao reinvestir o excedente em mais produção e mais tecnologia, você criaria forças ainda mais produtivas, que precisariam encontrar um mercado ainda maior. Eventualmente, o mercado mundial ficaria saturado e você teria conflitos imperialistas. Isso foi comprovado na prática, na prática, com a primeira e a segunda guerra mundial.
A partir daí, os capitalistas buscaram outra solução. Eles se voltaram para o crédito. Emprestar aos trabalhadores dinheiro que eles não têm, para estender artificial e temporariamente a demanda e expandir o mercado. Mas na outra face da moeda do crédito está a dívida. Todo esse crédito concedido às famílias e empresas agora aparece do outro lado da balança, como uma enorme montanha de dívidas.
Na década de 1970, após a grande crise, o mundo presenciou um enorme boom de crédito. E isso foi para tentar superar um ataque simultâneo aos salários dos trabalhadores, conduzido pelos governos Thatcher e Reagan, para tentar aumentar os lucros. Quando os salários dos trabalhadores eram atacados, os lucros eram mantidos emprestando um dinheiro aos trabalhadores que eles não tinham. E essa foi a causa por trás de episódios como o escândalo das hipotecas subprime nos Estados Unidos, que desencadeou a crise financeira de 2008.
Desde então, os burgueses tentam desesperadamente superar essa crise e sair dela, empregando as medidas mais extraordinárias para tentar contorná-la. Mas não houve nenhuma recuperação real desde 2008. A desigualdade cresceu, os salários reais estagnaram e até declinaram.
Há também que se enfatizar que não existe uma “crise final” do capitalismo. A classe dominante sempre pode obter algum tipo de recuperação, sempre pode encontrar uma “saída” para a crise. Em particular, fazendo os trabalhadores, os pobres e os jovens pagarem sob a forma de austeridade, de ataques aos seus direitos. Isso é o que foi feito última década e é o que tentarão aprofundar nos próximos anos, para recuperar todo o dinheiro gasto no passado, tentando sustentar o sistema.
Como resultado, o que se prepara para o próximo período é uma onda revolucionária, uma reação da classe trabalhadora. Os movimentos revolucionários que eclodiram em todo o mundo ao longo do ano passado são exemplo disso.
A tarefa dos comunistas é intervir nesses movimentos para lutar e resistir, usando as ideias do marxismo, para explicar aos trabalhadores que não podemos reformar o sistema capitalista, ele deve ser derrubado.