Declaração da Esquerda Marxista, seção brasileira da Corrente Marxista Internacional (CMI).
Na madrugada do dia 24/02, a Rússia atacou a Ucrânia com bombardeios em Kiev, Kharkiv (Carcóvia, em português) e outras cidades, iniciando uma guerra reacionária em todos os aspectos, qualquer que sejam as partes envolvidas, Rússia, Ucrânia, Estados Unidos, Reino Unido e diversos outros governos europeus.
Segundo Putin, trata-se de uma “operação militar especial” para “proteger a população do Donbass”. Putin afirmou, depois, que quer trazer à justiça quem cometeu o que chamou de “genocídio” e “crimes” contra russos nas áreas, além de “desmilitarizar e desnazificar” a Ucrânia. Já, em 25/02, declarou não reconhecer o governo de Zelensky como democrático e que quer estabelecer um governo democrático na Ucrânia. Neste momento as tropas russas já estão em Kiev a cerca de 9 km do centro da cidade. A queda da cidade e do governo é provavelmente, portanto, iminente.
Começando por reconhecer a independência das Repúblicas Populares de Donetsk (DPR) e Lugansk (LPR), na região do Donbass, sudeste da Ucrânia, em seguida Putin enviou tropas de “manutenção da paz” para ambos os territórios. E a escalada de guerra começou (ver declaração da seção russa da CMI aqui).
As recentes ações políticas e militares de Putin devem ser entendidas não como fruto da vontade ou das ambições pessoais de um ditador reacionário e sanguinário, mas como decisões políticas (“A guerra é a política por outros meios”, Carl von Clausewitz), como resultado da luta de classes que move o mundo. As ações de Putin têm razões políticas e econômicas com raízes nos problemas internos que a Rússia enfrenta.
A economia russa (que tem um PIB menor do que o do Brasil), se apoia em serviços (varejo, turismo, seguros, transporte, telecomunicações etc.), e na exportação de commodities (petróleo e derivados, gás natural, metais, madeira e derivados) além de produtos químicos e uma ampla variedade de equipamentos militares. E importa máquinas, veículos, produtos farmacêuticos, plásticos, produtos semielaborados de metal, carne, frutas e sementes, instrumentos ópticos e médicos, ferro, aço etc. Sua maior herança da ex-URSS é o poderoso complexo industrial-militar que lhe permite aparecer ou posar de “potência” mundial ou regional, ao menos.
A Rússia não tem, portanto, praticamente nenhuma semelhança com a estrutura da economia dos países imperialistas (EUA, UE, Japão, UK etc.), que se apoiam na industrialização histórica, na pilhagem de recursos em todo o mundo, através da dominação das colônias e, hoje, através dos diferentes mecanismos do capital internacional de controle de mercados e do capital financeiro internacional que tudo controla.
Seus problemas econômicos internos, que se transformam em problemas políticos (Putin nunca foi tão impopular como hoje), é que o levam a tentar cercar-se de governos amistosos ou submissos para tentar recuperar em parte o que perdeu com o esfacelamento da URSS. Não se pode esquecer que a economia da URSS era integrada, diversificada e estabelecida nos diversos países componentes da URSS. Por isso sua disposição para intervir e manter os regimes na Bielorrússia e no Cazaquistão, aumentando a dependência de ambos os países em relação à Rússia.
Um novo capítulo dessa disputa se dá na Ucrânia, a começar pelo reconhecimento da DPR e da LPR que abre o caminho para a guerra. É evidente que Putin não tem qualquer interesse na defesa dos trabalhadores ou da população da Ucrânia, seja ela de origem russa ou não. Pelo contrário, trata-se de conflito reacionário entre diferentes frações da burguesia. A classe trabalhadora do mundo não tem nada a ganhar apoiando qualquer um dos lados.
Para os que não entendem que se trata de economia e política, portanto de luta de classes, pode-se repetir a frase de James Carville, na companha de Clinton contra Bush, 1992, “É a economia, idiota!”.
Putin deixou clara a ideologia reacionária e chauvinista por trás dessa intervenção. Ele falou sobre a Ucrânia ser uma nação artificial lavrada no corpo da Rússia por Lenin e os bolcheviques. “A Ucrânia moderna foi completamente criada pela Rússia, ou para ser mais exato, pela Rússia comunista bolchevique”, disse ele. “Lenin e seus apoiadores fizeram isso de maneira grosseira, alienando os territórios históricos da Rússia. Milhões de pessoas que vivem lá não foram consultadas.” Ele acrescentou que “agora descendentes agradecidos demoliram monumentos a Lenin na Ucrânia. Isso é o que eles chamam de descomunização. Você quer a descomunização? Bem, isso nos convém. Mas você não deve parar no meio do caminho. Estamos prontos para mostrar a você o que a descomunização genuína significa para a Ucrânia”.
Putin, estava deixando claro que seu modelo, seu sonho ou delírio de ditador sanguinário, é o passado da Rússia Imperial, deixando evidente que não tem qualquer afinidade com o que defendiam os bolcheviques. Putin, ao fazê-lo, está questionando a própria existência da Ucrânia, que ele considera “criação de Lenin”. Essas mentiras sobre Lenin foram respondidas pelo próprio Lenin, quando afirmava, em carta aos operários e camponeses ucranianos, em 1919:
“Nós queremos uma união voluntária das nações, uma união que não admita nenhuma violência de uma nação sobre outra, uma união baseada numa confiança absoluta, numa clara consciência da unidade fraternal, num acordo completamente livre. Não é possível realizar uma tal união de repente; até chegar a ela é necessário trabalhar com a maior tolerância e prudência para não estragar tudo, para não provocar a desconfiança, para fazer desaparecer a desconfiança deixada por séculos de opressão dos latifundiários e dos capitalistas, da propriedade privada e das hostilidades causadas pelas suas sucessivas partilhas”.
O governo dos Estados Unidos, mestre mundial da hipocrisia, e seus aliados-semi-títeres da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) declararam sanções econômicas contra a Rússia. Nenhuma delas, entretanto, decisiva e eles sabem muito bem disso, assim como Putin. Por isso, não adotaram a principal sanção que seria retirar a Rússia do sistema financeiro mundial cortando seu acesso ao código SWIFT. Essa medida teria tal impacto, na Rússia, mas também em todos os países do mundo, que provavelmente não será jamais adotada. E nem mesmo sanções sérias contra o petróleo e o gás russo foram adotadas sob alegação de que isto teria grande impacto sobre a economia mundial que busca se recuperar (!!!) das consequências da pandemia.
Para os imperialistas as decisões de Putin são uma “violação da soberania da Ucrânia” e um “flagrante desrespeito às leis e normas internacionais”. Como os marxistas sabem, e os burgueses também, as leis e tratados são do forte, do dominador, e a submissão do fraco e dominados, são a garantia mais econômica para a opressão de uma classe sobre outra ou sobre outros povos submetidos. As leis e tratados valem enquanto servem aos interesses dos fortes, das classes dominantes. Os ideais e bandeiras dos poderosos sempre foram a fumaça que esconde seu rosto de monstro e seu corpo ávido de sangue.
A prova maior disso é que todas as guerras de tomada de território, de tomada de mercados, de pilhagem e destruição de nações e de povos inteiros, iniciadas pelos EUA, até hoje, todas, foram travadas em nome da (defesa da liberdade e da democracia”. Realmente é o que se viu recentemente no Iraque, na Líbia, no Afeganistão, na Síria etc., sem falar da lista de guerras dos EUA desde a “Doutrina Monroe”, anunciada pelo presidente James Monroe, em 1823. E, que se começou nas Américas significando “As Américas para os norte-americanos”, hoje se estende para o mundo todo incluindo suas 742 bases militares instaladas fora dos EUA além da OTAN, essa força reacionária criada após a 2ª Guerra Mundial sob pretexto de defesa de futuras ameaças do tipo nazista, mas que na verdade, buscava agrupar as potências capitalistas contra a URSS e que foi utilizada recentemente para desmantelar a Iugoslávia, destruir o Iraque e a Líbia, por exemplo.
Esse mesmo tipo de tática é que leva Putin a mascarar suas necessidades econômicas e políticas com a bandeira de “defesa da Rússia e dos russos ameaçados pela expansão da OTAN”. Esta “bandeira” de Putin tem objetivos internos para tentar paralisar a oposição, que se expressa em diferentes níveis, e estabelecer a “União Nacional” atrás de seu governo, ou seja, de sua ditadura.
A ideia de que a Ucrânia, membro da OTAN, seria uma ameaça direta à existência da Rússia é completamente demagógica e propagandística. Faz parte do arsenal de propaganda de Putin para buscar uma coesão política interna e jogar fumaça sobre suas operações e reais intenções. Um ataque da OTAN e, portanto, de qualquer de seus membros-aliados, contra a 2ª maior potência nuclear do planeta, portanto confrontando os EUA (OTAN) e a Rússia no coração da Europa, seria a destruição da civilização.
E como se as duas maiores potências nucleares e militares do mundo, EUA e Rússia, precisassem ter fronteiras comuns (Ucrânia como membro da OTAN, que foi criada e é controlada pelos EUA) para se autodestruírem mutuamente dezenas de vezes. Fronteiras comuns que, aliás, já tem.
A OTAN já está nas fronteiras da Rússia através da Letônia, Estônia e da Lituânia e Polônia através do Oblast (Enclave) de Kaliningrado, onde há uma indústria transformadora sofisticada. Além de fronteira com a Finlândia, que não é membro da OTAN, mas participa de suas reuniões, como a de 25/02/2022, em que se discutiu a guerra na Ucrânia.
Crer nas alegações de Putin seria entrar no mundo conspirativo e delirante da Guerra Fria, política que servia igualmente ao imperialismo e à burocracia contrarrevolucionária do Kremlin. Mas, nem mesmo nessa época, em que havia um Estado Operário Degenerado que o capitalismo lutava para estrangular e abater, uma tal situação se desenvolveu.
O argumento de Putin serve aos seus interesses econômicos e políticos internos assim como também a OTAN (EUA) faz o que faz por seus próprios interesses políticos e econômicos. Com todos os problemas econômicos internos se transformando em problemas políticos que o ameaçam Putin tem enorme interesse em manter aberto o mercado de armamentos para seu complexo industrial-militar, fonte importante de suas exportações. E cada país que adere à OTAN, naturalmente passa a comprar armas dos EUA, França, Grã-Bretanha, Alemanha etc., e se fecha para as exportações russas nesta área.
Outro elemento importante nesse processo certamente foi a crise política e econômica que vive os EUA e que vem rapidamente enfraquecendo o governo de Joe Biden. Sem falar na situação vergonhosa de perder a guerra do Afeganistão para o Talibã que não tinha nem aviação, nem mísseis, nem tanques de guerra e ainda ter que sair fugido.
Um elemento importante para Putin tomar a decisão de invadir e tomar a Ucrânia foi sem dúvida o que ocorreu no Afeganistão, mas, acima de tudo, pesaram as declarações reiteradas de Biden de que não enviaria tropas americanas para a Ucrânia, apenas armas e munições. Putin recebeu a mensagem em alto e bom som. E entendeu que poderia fazer o que quisesse em relação à Ucrânia, sabendo que haveria consequências, mas limitadas com algumas sanções econômicas, mas sem retaliação militar. O caminho estava aberto.
Assim, Biden e Putin tratam de utilizar, neste momento, o desenvolvimento da indústria de armamentos e os Orçamentos de Defesa como um motor de reserva posto em funcionamento para oxigenar e bombear a economia capitalista. Em primeiro lugar em seus próprios países, mas também na Europa, através da expansão da OTAN e da multiplicação por quatro dos gastos militares dos países membros da OTAN nos últimos 20 anos. Fabricação de armas, máquinas de guerra, bombas, tem necessidade de guerras para serem estocadas e consumidas podendo assim dar continuidade à produção destas mercadorias que, nas mãos das classes dominantes capitalistas só servem ao deus da destruição. E mantém o sistema capitalista apodrecido e moribundo sustentado por tubos bombeando o sangue e o suor da classe trabalhadora mundial. Este mecanismo interessa a Putin e a Biden e as classes capitalistas em seu conjunto. É assim que as Forças Produtivas desenvolvidas na História são transformadas em Forças Destrutivas da Humanidade.
Utilizando as ameaças de Putin o governo dos Estados Unidos adotou prontamente uma postura beligerante, denunciando constantemente a invasão russa “iminente” da Ucrânia e reafirmando a OTAN e seus objetivos controlados pelos interesses do imperialismo norte-americano, fundamentalmente. Juntavam-se aí a fome com a vontade de comer no interesse do reacionário governo imperialista dos EUA, do governo ditatorial de Putin e dos países europeus membros da OTAN. Mas, isso cria fissuras entre os países da União Europeia que tem diferentes interesses nas relações com a Rússia seu gás e petróleo. As sanções da UE são direcionadas a qualquer pessoa que negocie com as duas repúblicas separatistas. O problema, claro, é que todos os 27 estados membros da UE têm que concordar, e há opiniões claramente diferentes entre eles, com países como Itália, Áustria e Alemanha muito preocupados com o fornecimento de gás. A Rússia fornece 40% do consumo de gás da UE e em toda a Europa já há ressentimento e raiva crescentes com o enorme aumento nas contas de energia que milhões de pessoas estão enfrentando este ano. Os últimos desenvolvimentos estão elevando ainda mais o preço do gás, juntamente com o do petróleo bruto, do qual a Rússia é um grande produtor.
Do ponto de vista da classe trabalhadora da Ucrânia e da Rússia, nada foi resolvido e nada foi ganho, aliás, tudo se encaminha para uma situação de grande tragédia, tanto em um país quanto em outro. Putin está há semanas prendendo todos os que se opõe à sua guerra suja e decretou a proibição de manifestações antiguerra na Rússia. Na Ucrânia vem a destruição, prevê-se massas de refugiados, incontáveis mortos, repressão feroz sob o tacão de ferro do governo de extrema direita de Putin, homem vindo da KGB, o que só pode resultar numa tragédia enorme. Segundo o hipócrita Putin, ele está, também, em luta contra o nazismo ucraniano, o que é manifestamente falso. Putin, neste momento, se dirigiu publicamente à cúpula militar da Ucrânia, tentando um acordo, e ele sabe que nas cúpulas militares estão integradas oficialmente várias milícias nazistas como, por exemplo, o Batalhão Azov. E no interior da própria Rússia convive com variados grupos de extrema-direita, gangues mafiosas sanguinárias e todo seu governo é estruturado com gangsters totalmente reacionários e obscurantistas.
Quando Putin disse que a Ucrânia foi criação de Lenin, ele estava errado. Foi a cuidadosa política de Lenin de autodeterminação nacional – uma questão sobre a qual enfrentou Stalin – o que permitiu a união da Ucrânia soviética com a Rússia soviética em base voluntária igual, como foi reconhecido na criação da URSS em 1922. Somente nesse sentido, pode-se dizer que a Ucrânia, com suas atuais fronteiras, foi criada por Lenin, e agora foi destruída por nacionalistas ucranianos reacionários que chegaram ao poder após o Euromaidan.
Os trabalhadores da Ucrânia e da Rússia estão ligados por fortes laços históricos, embora estes tenham sido enfraquecidos pelo veneno do nacionalismo reacionário ucraniano estimulado pela opressão chauvinista da “Grande Rússia”, desenvolvida pela mão de Stálin desde que passou a controlar a URSS. E atualmente reacendido e estimulado principalmente desde 2014. O país está atolado em uma guerra civil e milhões já foram forçados a emigrar por causa da crise econômica.
O único caminho para a classe trabalhadora ucraniana é a derrubada da oligarquia capitalista parasitária, que governou o país como seu feudo privado nos últimos 30 anos, e a expropriação de sua riqueza. Somente sobre a base de que os trabalhadores cheguem ao poder, a Ucrânia pode realmente ser livre, com a classe trabalhadora unida de forma voluntária, acima das barreiras linguísticas e de identidade nacional. Lembremos as palavras finais de Lenin aos operários e camponeses da Ucrânia:
“Tanto a burguesia de todos os países como todos os partidos pequeno-burgueses, os partidos ‘conciliadores’, que admitem a aliança com a burguesia contra os operários, se esforçaram sobretudo por dividir os operários das diferentes nacionalidades, atiçar a desconfiança, destruir a estreita união internacional e a fraternidade internacional dos operários. Quando a burguesia o consegue, a causa dos operários está perdida. Que os comunistas da Rússia e da Ucrânia consigam, com um trabalho conjunto, paciente, obstinado e tenaz, vencer as intrigas nacionalistas de todas as burguesias, os preconceitos nacionalistas de toda a espécie, e mostrar aos trabalhadores de todo o mundo o exemplo duma união verdadeiramente sólida dos operários e camponeses de diferentes nações na luta pelo Poder Soviético, pela liquidação do jugo dos latifundiários e dos capitalistas, por uma República Federativa Soviética mundial”.
Na Rússia, a principal tarefa dos trabalhadores é se opor e combater sua própria classe dominante reacionária. O principal dever dos trabalhadores da Ucrânia é se opor e combater sua própria classe dominante, que mergulhou o país em um conflito civil. E o dever dos trabalhadores em todo o mundo é de denunciar, organizar e mobilizar contra o imperialismo em cada país, o que significa se opor e combater as classes dominantes de seu próprio país e seus governos reacionários.
Nunca foi tão atual o combate que a Corrente Marxista Internacional (CMI), e sua seção brasileira, a Esquerda Marxista, travam pela construção de uma verdadeira internacional dos trabalhadores que, agindo internacionalmente, e em cada país, pela unidade e independência de classe dos trabalhadores, com base nas verdadeiras tradições revolucionárias do movimento operário mundial e no programa marxista, possa ajudar a conduzir as classes trabalhadoras ao limiar de sua verdadeira história de paz, de progresso e realização de todas as capacidades humanas, saindo do reino da miséria e do sofrimento para o reino da felicidade e da abundância.
- Abaixo a guerra! Abaixo os governos reacionários de Putin e Ucrânia!
- Abaixo o imperialismo! Desmantelamento da OTAN!
- Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!
- Viva a luta pela Internacional dos Trabalhadores!
- Viva a revolução socialista internacional para enterrar o regime da propriedade privada dos meios de produção!
Esquerda Marxista, 26/02/2022