A eleição presidencial de 2020 começou. O fato de que os democratas tenham ganhado 40 assentos adicionais na Câmara dos Deputados nas eleições intermediárias deixou muitos deles com gosto de sangue republicano na boca. Vários candidatos, incluindo Elizabeth Warren, Amy Klobuchar, Kamala Harris e Corey Booker, já lançaram suas campanhas. Agora Bernie Sanders tornou-se o 10º candidato oficial – com mais alguns por vir – para anunciar sua corrida pela indicação do Partido Democrata.
O que isso significa exatamente? Significa que Sanders está concorrendo pelo Partido Democrata, um dos dois mais importantes partidos políticos das grandes empresas, para ser seu candidato à presidência. Quase sem exceção, todos os candidatos do Partido Democrata que não ganham a indicação apoiam o candidato oficial na competição presidencial final. É assim que o sistema funciona. Sanders fez isso em 2016. Agora, ele decidiu mais uma vez não tentar oferecer uma saída independente de classe para milhões de trabalhadores em 2020. Em vez disso, escolheu tentar canalizar suas aspirações no Partido Democrata. Discordamos fortemente dessa abordagem.
A campanha de 2016
No último ciclo das eleições presidenciais, Bernie abalou a política estadunidense ao enfrentar Hillary Clinton para a indicação pelo Partido Democrata. Ele fez campanha anunciando “uma revolução política contra a classe bilionária” e pediu assistência médica universal, projetos de obras públicas, educação superior gratuita, licença parental remunerada e um salário mínimo mais alto. Em todos os lugares em que falou, não só em locais como as cidades de Nova Iorque e Boston, como também em Houston e Phoenix, ele atraiu grandes multidões. Bernie levantou mais de 240 milhões de dólares em fundos de campanha, a maior parte na forma de pequenas doações de milhares de pessoas e obteve mais de 13 milhões de votos nas primárias e nos caucus.
Sem surpresa, o establishment do Partido Democrata utilizou suas regras manipuladas para derrotar Sanders, incluindo os chamados “superdelegados”, o que tornou a indicação de Hillary praticamente inevitável. Bernie foi à Convenção Nacional Democrata com força e poderia ter-se utilizado dessa força para romper com o partido – um partido do qual não é tecnicamente membro – e estabelecer uma campanha socialista independente. Isso poderia ter lançado as bases para a fundação de um partido socialista independente de massa da classe trabalhadora. Sanders poderia ter vencido Trump e Clinton em novembro de 2016. Em vez disso, apoiou Clinton e a política do “mal menor”. Trump foi eleito e nenhuma alternativa foi construída.
Por que os trabalhadores necessitam de seu próprio partido?
A classe trabalhadora é a maioria esmagadora da população e seus interesses de classe se opõem aos dos super-ricos quando se trata de política interna e externa. É uma necessidade histórica que a classe trabalhadora forme seu próprio partido. Isso se atrasou devido às políticas dos líderes sindicais, que apoiam principalmente aos democratas. Também foi atrasado por aqueles da esquerda que apoiaram aos democratas e que continuam a defender essa estratégia.
A campanha de 2016 de Bernie foi uma expressão torta da necessidade de tal partido enquanto, ao mesmo tempo, bloqueou sua formação real. Os trabalhadores o apoiavam por suas políticas mais radicais do que a do status quo, apesar de concorrer como Democrata, e não por causa disso. Mas toda a sua estratégia levou a um beco sem saída em vez da ruptura clara que se necessitava. E enquanto se dirigia à “esquerda” dos políticos tradicionais das grandes empresas, não se baseou em um programa socialista e não desafiou o direito dos capitalistas de governar. Tivesse ele feito isso, não lhe seria permitido postular-se como democrata. Nancy Pelosi disse que os democratas são “capitalistas”, e ela está 100% certa sobre isso. Antigamente, Bernie se opunha aos democratas. Mas, ao trabalhar no ambiente confortável de Washington, com seus “colegas democratas”, parece que mudou sua visão. Ou isso ou ele simplesmente perdeu sua confiança na capacidade da classe trabalhadora em se manter politicamente independente.
Lições de Corbyn na Grã-Bretanha
Há muitas diferenças entre a política estadunidense e a britânica, mas os acontecimentos em ambos os países se influenciam mutuamente. Uma grande diferença é que, no final do século 19, os sindicatos britânicos deixaram de apoiar o Partido Liberal – aproximadamente, o equivalente ao Partido Democrata – e criaram o Partido Trabalhista. O Partido Trabalhista cresceu e se tornou a principal oposição aos Conservadores, enquanto os Liberais se tornavam um partido menor.
O Partido Trabalhista tem uma poderosa ala direita, liderada no passado por Tony Blair. Blair queria transformar o Partido Trabalhista em um partido como os Democratas, mas não teve êxito. Então, em um acidente que expressava a necessidade histórica, a arrogância dos blairistas abriu caminho para Jeremy Corbyn concorrer à liderança do partido, e ele canalizou o entusiasmo de milhões para sua candidatura. Desconsiderado pelos carreiristas blairistas, havia um enorme eleitorado que queria um Partido Trabalhista com políticas radicais. Com Corbyn como líder, o Partido Trabalhista cresceu e ganhou assentos na última eleição geral. Agora há uma batalha pelo controle do Partido Trabalhista e alguns da ala direita já abandonaram o barco. É provável que outros mais se separem em direção ao chamado Centro se Corbyn chegar ao poder. A batalha na Grã-Bretanha foi a de retomar o Partido Trabalhista das mãos da ala direita pró-capitalista que estava tentando destruí-lo. Entusiasmada com a perspectiva de um partido com políticas radicais chegar ao poder, a adesão disparou e o Partido Trabalhista é agora o maior partido da Europa.
Aqui nos EUA, temos de começar por outro lado, por assim dizer. Não estamos tentando retomar “nosso partido”, e sim construir um nosso desde o zero. Há um grande eleitorado que quer um partido de massa da classe trabalhadora, livre do controle das grandes empresas. Se Bernie estiver falando sério sobre tomar o poder das mãos dos bilionários, pode usar o entusiasmo em torno de sua campanha para criar algo novo – um partido dos trabalhadores, pelos trabalhadores e para os trabalhadores. Uma pesquisa de outubro de 2018 descobriu que 72% dos independentes e 54% dos democratas querem um novo partido. Poderia haver um melhor momento para criar um?
Um socialista concorrendo de forma independente para presidente lutaria contra republicanos e democratas e avançaria um programa para tomar a riqueza das mãos dos 2% mais ricos e estabelecer uma economia democraticamente planificada. Tal candidato poderia apelar às fileiras dos sindicatos para formar comitês visando obrigar seus líderes a romper com os democratas e republicanos e a apoiar o novo partido. Ao lutar por empregos garantidos de boa qualidade, altos salários e proteção sindical para todos, para não mencionar a atenção médica universal, a educação e a moradia, milhões se juntariam e contribuiriam para esse esforço.
O fato de que Bernie esteja mais uma vez concorrendo como democrata com um programa levemente reformista – mais o papel lamentável dos líderes sindicais – atrasará a perspectiva para um partido da classe trabalhadora, mas não a pode impedir para sempre.
A campanha de 2020
Como Sanders não está concorrendo com um programa socialista, outros candidatos “populistas” do Partido Democrata, como Elizabeth Warren, podem fazer campanha à sua esquerda em algumas questões e ganhar alguns de seus apoiadores. Embora Warren tenha deixado claro que defende o capitalismo, ela se pronunciou a favor do governo fabricar alguns remédios para torná-los mais baratos para a classe trabalhadora, por creches financiadas por impostos sobre os ricos e por um imposto sobre a riqueza daqueles que “valem” 50 milhões de dólares ou mais. Embora essas propostas pareçam radicais quando comparadas ao boleto habitual do Partido Democrata, taxar os ricos não transformará radicalmente o sistema.
Os ricos ou encontrarão uma forma de proteger seu dinheiro, ou os impostos serão considerados “inconstitucionais”. O caminho socialista é nacionalizar as 500 maiores empresas e usar essa riqueza para o bem da sociedade como um todo.
Não obstante, os marxistas reconhecem que, no vácuo da atual arena política, muitas pessoas apoiarão a campanha de Sanders. Quando Sanders anunciou em 19 de fevereiro que concorreria, levantou 5,9 milhões de dólares e compromissos de apoio de 400.000 pessoas dentro das primeiras 24 horas.
Os marxistas se engajarão em um debate amistoso com os apoiadores de Bernie e comparecerão as suas reuniões e comícios. Há muito mais que queremos discutir com eles. Por exemplo: o que são políticas socialistas e como elas podem resolver os problemas que os trabalhadores enfrentam atualmente? Como podemos dar os primeiros passos para seguir nessa direção? Isso é possível dentro dos limites de um partido capitalista? Também vamos explicar pacientemente que, mesmo que Bernie ganhe a indicação do Partido Democrata, isso não significa que ele capturou o Partido Democrata; pelo contrário, eles é que o capturaram. Também vamos alertar contra a estratégia de “isca e troca” que será usada para atrair os apoiadores de Bernie para que apoiem a qualquer outro Democrata que ganhe, se não for Bernie, sob a pressão do “mal menor” para eleger “qualquer um desde que não seja Trump”.
Se Sanders ganhar a presidência, seu modesto programa seria diluído, estancado e sabotado. O capitalismo estadunidense e mundial estão em declínio e não podem proporcionar uma vida melhor para a maioria. Isso também é verdadeiro para os países escandinavos que Bernie tanto admira. Eles estão cortando as reformas do passado e o nível de vida está baixando enquanto a insegurança aumenta. Essa é a razão porque a direita anti-imigrante está levantando sua feia cabeça nesses países atualmente e ganhando algum apoio. Algumas pessoas terão que aprender através dessa experiência, mas outras já romperam com os democratas com base na eleição de 2016.
América será socialista!
Em seu recente discurso sobre o Estado da União, Trump afirmou que os EUA nunca serão um país socialista. Isso deve ser contabilizado entre as incontáveis outras mentiras que Trump vomita diariamente. Ironicamente, no passado, os socialistas e a esquerda eram vistos como uma força negligenciável nos EUA. Agora o presidente sente-se compelido a atacar abertamente o socialismo. Esta é apenas uma medida do crescente apelo das ideias socialistas.
Trump foi forçado a reabrir o governo durante a paralização porque os controladores do tráfego aéreo fecharam quatro importantes aeroportos. Isso revela o poder concentrado da classe trabalhadora! Trump e os patrões podem ser batidos nos locais de trabalho e nas eleições, mas, para isto, a classe trabalhadora necessita de seu próprio partido. São necessárias forças de massa para se construir tal partido, mas, em algum momento, ele vai emergir. Podemos ser incapazes de construir um partido de massas imediatamente, mas podemos, com paciência, lançar os alicerces para a futura liderança desse partido estudando a teoria marxista e a história da classe trabalhadora. Os marxistas aumentarão nossas forças à medida em que avancemos na experiência com aqueles que estão dentro e em torno da campanha de Sanders – tanto com os que já romperam com os democratas quanto com os que ainda não o fizeram – assim como com outros eventos políticos do próximo período. Provaremos que Trump está errado! A crise do capitalismo não deixa alternativa.
Tradução de Fabiano Leite.