Em 25 de outubro comemoramos mais um aniversário da Revolução Russa de Outubro de 1917. Qual seu principal legado para nossa época?
Assembleia de operários na fábrica Putilov de Petrogrado, em 1917
Em 25 de outubro comemoramos mais um aniversário da Revolução Russa de Outubro de 1917. No ano que vem a revolução que abalou o mundo e mudou o curso da história do século XX completará 100 anos. A Esquerda Marxista realizará um conjunto de atividades comemorando este centenário.
Depois de quase 100 anos, qual a principal lição que os militantes socialistas podem extrair dessa experiência histórica do proletariado mundial aqui no Brasil, especialmente nos dias tumultuados em que vivemos, de imprevisibilidade política e de polarização na luta de classes? Qual o seu principal legado?
A Revolução Russa começou em fevereiro de 1917 (pelo calendário ocidental, foi em março). São constituídos espontaneamente conselhos de operários, soldados e camponeses. A Revolução de Fevereiro derrubou a monarquia russa e a autocracia do czar Nicolau II, desencadeando um processo revolucionário que teve o seu desfecho na Revolução de Outubro. O proletariado russo apoiado pelos camponeses “assaltou o céu”, sob a liderança do Partido Bolchevique. A classe operária russa vai repetir em 1917 a efêmera experiência da Comuna de Paris de 1871. No convulsivo período que sucede a abdicação do czar, os operários e camponeses vão acabar derrubando os dois governos provisórios, compostos pela aliança oportunista dos socialistas moderados com a burguesia liberal, e instaurando uma república operária de conselhos sob a liderança do partido bolchevique.
Muitos historiadores e muitas lideranças ditas de “esquerda” ligadas ao PT, ao PSOL e a vários movimentos sociais, comemoram a Revolução de Fevereiro com uma verdadeira revolução, democrática e plural, enquanto que o regime saído do levante de Outubro foi um “golpe de estado” promovido por um partido de índole totalitária, o Partido Bolchevique, que gerou a ditadura stalinista dos anos 1930 na União Soviética.
Por outro lado, a historiografia stalinista, durante décadas, fez disseminar a ideia de que a Revolução de Fevereiro foi uma etapa “democrático-burguesa” da revolução e que Outubro foi então a etapa “socialista”. Com esses argumentos, os dirigentes da ex-União Soviética e os Partidos Comunistas do mundo inteiro tentavam legitimar a política reformista de colaboração de classes, as coalizões governamentais com os partidos burgueses, como nas Frentes Populares nos anos 1930 do século passado, e também como no caso brasileiro, do apoio, por parte do PCB, a Getúlio Vargas e depois ao governo João Goulart, deposto pelo golpe militar em 1964. Essa prática vem sendo seguida desde meados dos anos 1980 pelo PT e terminou com o desabamento completo dessa política e a ruptura da base operária com o partido.
Não caberia neste artigo nos determos em uma longa explicação das causas da degeneração do Estado soviético em uma ditadura de uma burocracia sob o comando de Stalin. Mas uma coisa podemos afirmar: para vencer, a burocracia soviética, que décadas mais tarde iria restaurar o capitalismo na União Soviética, precisou destruir o Partido Bolchevique e toda a velha guarda que fez a revolução.
Um outro argumento, de que o bolchevismo é uma organização “fechada” oposta a um partido verdadeiramente democrático e de “massas”, não resiste à prova dos fatos. O que aconteceu com o partido de “massas”, “democrático”, que era o PT? Não demorou muito, depois de fundado, para o PT abandonar o seu programa de classe para propor alianças com a burguesia. Até mesmo um governo da “esquerda” do PT, que elegeu a Luiza Erundina prefeita em São Paulo, capitulou vergonhosamente ante às pressões da burguesia.
O legado de Outubro de 1917
Respondendo à pergunta feita no início deste texto, o principal legado da Revolução Russa foi o Partido Bolchevique e sua forma de organização. Com a palavra, um dos principais líderes da revolução:
“O Partido Bolchevique mostrou na ação a combinação da maior audácia revolucionária com o realismo político. Mostrou, pela primeira vez, qual é a única relação entre vanguarda e classe capaz de garantir a vitória. Demonstrou na experiência que a aliança entre o proletariado e as massas oprimidas da pequena burguesia rural e urbana requer a prévia derrota política dos partidos pequeno-burgueses tradicionais. O Partido Bolchevique mostrou ao mundo inteiro como se deve realizar a insurreição armada e a conquista do poder. Quem contrapõe a abstração dos soviets à ditadura do partido deve compreender que somente graças à direção bolchevique os soviets puderam elevar-se do lodo reformista e ascender à forma estatal proletária. Na guerra civil o Partido Bolchevique conseguiu a justa combinação da arte militar e política marxista. Se a burocracia stalinista conseguir destruir os alicerces econômicos da nova sociedade, a experiência da economia planificada sob a direção bolchevique passará igualmente à história como uma das maiores lições da humanidade. Somente os sectários desgostosos e ofendidos, que deram as costas ao processo histórico, podem ignorar isso.” (Leon Trotsky, Stalinismo e Bolchevismo, 1937).
O marxismo considera que toda revolução, todo período revolucionário, decorre da corrosão das bases materiais da sociedade, resultante da contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas da sociedade que estão travadas nos marcos estreitos da apropriação privada das relações sociais de produção e dos limites dos Estados Nacionais: desemprego, miséria, guerras, terrorismo, criminalidade que aumenta desenfreadamente, a marcha à barbárie. Para evitar a volta à barbárie, é necessário por abaixo o edifício construído pelo capitalismo e abolir a ordem existente, o Estado capitalista e toda superestrutura jurídico-política da sociedade burguesa.
Mas, em condições socialmente determinadas, o período revolucionário se revela com a intervenção direta das massas nos acontecimentos. Os de cima não conseguem mais governar e os de baixo não aceitam viver como antes. Se o proletariado e as grandes massas populares querem viver, o capitalismo tem que morrer. Esta situação cria as condições favoráveis para a intervenção do partido revolucionário, que pela sua própria existência passa a ser um componente objetivo da situação política. O Partido Bolchevique, a fração de esquerda do antigo Partido Operário Socialdemocrata Russo (POSDR), ocupou esse espaço exigido pela necessidade da História.
Revoluções acontecem. As massas entram em cena derrubando governos. Governos de “esquerda” entram em ascensão. Fazem promessas e mais promessas. Mas sem um partido revolucionário com um programa e uma determinação igual aos dos bolcheviques, a “revolução” fica pela metade e incapaz de vencer. Essa é a grande lição da Revolução Russa.