Nota da redação (Atualizada em 27/07): Este artigo data de antes dos graves acontecimentos precedentes e seguintes à “Consulta” promovida pela Oposição com vistas a derrubar o governo de Nicolás Maduro. Para uma análise atualizada com relação à conjuntura venezuelana, indicamos o artigo de Jorge Martin “O início de uma semana crucial na Venezuela“.
Na madrugada do dia 8 de julho de 2017, foi concedido o denominado benefício processual de “prisão domiciliar” a Leopoldo López, que, portanto, já não cumprirá sua condenação na prisão de Ramo Verde, mas em sua atual residência. A notícia foi divulgada por seu advogado nas primeiras horas da manhã por meio de sua conta no Twitter.
Ainda que se esperasse tal medida após o anúncio feito há semanas por parte de Delcy Rodríguez acerca da abertura de um canal de diálogo e negociação com Leopoldo López, do qual participaria o socialdemocrata oportunista Rodríguez Zapatero, caiu como um balde de água fria entre a militância revolucionária de base, sobretudo entre seus setores mais combativos, imediatamente gerando mal-estar e ira generalizados. Durante toda a manhã do dia 8 de julho, milhares de militantes de base discutiram acaloradamente nas redes sociais sobre a medida, criticando-a duramente ainda que, certamente, não faltem os que a defendam. Na Rádio Nacional da Venezuela, por exemplo, foram constantes as chamadas de camaradas para se pronunciarem contra a medida.
Contudo, de maneira muito rápida, os ideólogos da burocracia e os intelectuais reformistas trataram de justificar a medida como ajustada e direita, por não ser uma simples liberação, mas o cumprimento da pena mediante um mecanismo previsto em lei (prisão domiciliar).
Eles argumentam ainda que a decisão do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) provém da exortação da Comissão pela Verdade[1], da que participaram, entre outros, Rodríguez Zapatero e em que se pretendeu o estabelecimento do benefício a López como mecanismo de negociação para superar a “escalada de conflito a níveis superiores de violência”.
Outros apologistas da conciliação de classes, como é o caso de Fidel Ernesto Vásquez, operador político do PSUV em Caracas, de maneira grosseira e vazia, assinalaram que a base do chavismo deve apoiar a medida e confiar no presidente Maduro simplesmente porque ele é o líder da revolução e porque “Nicolás onde está e faça o que fizer, é Chávez”. Como colocou na postagem nas redes sociais na manhã do dia 8/7.
Entretanto, a verdade é outra.
Em primeiro lugar, a medida constitui uma falta grave aos princípios revolucionários elementais. Leopoldo López é a cabeça da ala mais fascista da burguesia venezuelana, principal agente no golpe de Estado de 2002 e principal dirigente, junto com María Corina Machado, das guarimbas[2] de 2014 e, portanto, responsável fundamental pelos mortos e feridos registrados naqueles trágicos dias.
Para muitos militantes revolucionários é uma absoluta falta de sentido conceder o mencionado benefício processual ao principal responsável pelos mortos de 2014. Muitos camaradas se perguntam nesse momento: quem pagará pelos crimes cometidos contra os trabalhadores nas guarimbas de 2014? Seguindo por este caminho: quem pagará pelos crimes atrozes que foram cometidos durante as guarimbas dos últimos três meses? O que acontecerá com os organizadores, financiadores e dirigentes políticos das guarimbas de 2017?
Consequentemente, dar o benefício da prisão domiciliar a Leopoldo López também em um momento em que a burguesia volta a se lançar de maneira violentamente selvagem contra a revolução é um ato que provocará não somente profundo mal-estar entre a base bolivariana, mas que ainda contribui em aumentar a apatia e a desmoralização que já vem sofrendo o movimento bolivariano durante os últimos três anos, como consequência da rápida deterioração de suas condições materiais de existência, ainda mais quando foi o próprio partido político fundado por López, o Voluntad Popular, um dos principais organizadores da ofensiva fascista. Tal descontentamento e desmoralização aumentam o perigo de que haja uma enorme desmobilização do chavismo frente às eleições do próximo dia 30 de julho.
Em segundo lugar, estão as questões de ordem tática e estratégica.
Nos anos 1930, o velho Leon Trotsky disse, parafraseando Marx e Engels, que a luta de classes era a lei das leis. Toda a história do século XX na Venezuela e no mundo foi a história da luta entre o proletariado e a burguesia. Uma revolução ou, melhor dizendo, uma situação revolucionária, como foi definida por Lenin, não é mais que o período em que a luta de classes se aprofunda e entra numa etapa culminante e decisiva. Venezuela, de fato, vive uma situação revolucionária desde o final dos anos 1990 e hoje está definindo seu destino. Em tais períodos históricos não é possível nenhum tipo de conciliação pacífica entre os interesses contraditórios das classes em disputa. Uma vez que ambas as classes entraram na arena do combate final, somente uma deve e pode vencer, não há outra possibilidade.
O que move a burguesia a lutar de maneira furiosa e desesperada contra a revolução é a defesa de seus privilégios, de sua propriedade sobre os meios de produção e sobre as alavancas econômicas do país, em resumo, seu poder econômico.
Enquanto não se arrancar das mãos da burguesia seus privilégios, que se baseiam na propriedade privada dos meios de produção, o que, portanto, implica sua expropriação, a burguesia não descansará um segundo até liquidar e enterrar a revolução. Essa é, pois, a primeira lição fundamental da luta de classes que todo o genuíno revolucionário deve aprender.
Os quase 20 anos de história da Revolução Bolivariana demonstram isso de maneira irrefutável. Golpe de Estado, greve petroleira e patronal, guarimbas, complôs paramilitares, conspirações militares e novas intentonas golpistas, campanhas midiáticas nacionais e internacionais e sabotagem econômica são as principais armas que a burguesia usou e usa atualmente para tratar de derrotar a revolução.
A única maneira de terminar de uma vez por todas com a ameaça da contrarrevolução, acabando para sempre com as guarimbas, as ações terroristas, a sabotagem econômica, as intenções golpistas e demais ações contrarrevolucionárias, com o objetivo de poder alcançar a tão ansiada “paz” de que ultimamente falam com frequência os dirigentes bolivarianos, é levando a revolução socialista até suas últimas consequências.
Somente a expropriação da burguesia sob o controle democrático da classe trabalhadora, o desmantelamento do Estado burguês e sua superação por um Estado proletário e comunal pautado nos Conselhos de Trabalhadores, nas Comunas e nas milícias revolucionárias, constitui uma alternativa real diante a ameaça da contrarrevolução de se fazer novamente no poder político do país. Ao contrário, enquanto deixarmos as alavancas econômicas nas mãos da classe dominante continuará a sabotagem implacável da economia e o financiamento às guarimbas e às ações terroristas.
Ao se conceder o benefício da “prisão domiciliar” a Leopoldo López, cedendo, assim, a uma exigência de vários anos por parte da burguesia, que se iniciou logo após sua detenção em 2014, a burocracia reformista pensa, em sua concepção equivocada dos processos históricos e em seu grave desconhecimento sobre a luta de classes, que com isso pode apaziguar a burguesia em seu afã de derrubar o governo pela via violenta e retomar o poder político, e espera, erroneamente, que a ofensiva violenta da contrarrevolução que se testemunha durante os últimos quase três meses possa cessar antes de 30 de julho.
Nessa lógica, segundo outros apologistas da medida, agora a direita se verá obrigada a reconhecer o TSJ e a procuradora-geral Luisa Ortega será ridicularizada.
Contudo, tal ideia é perigosamente errada. Em primeiro lugar, como já explicamos, toda a experiência histórica da luta de classes demonstra que ao se ceder diante das demandas e exigências da classe dominante esta não se apazigua, pelo contrário, aprofunda sua ofensiva. Em segundo lugar, no fundo para a burguesia é irrelevante se o TSJ é legítimo ou não. Tanto os mandatos do presidente Chávez como o do presidente Maduro foram absolutamente legítimos e, mesmo assim, foram classificados à exaustão como ditaduras ilegítimas. Portanto, pouco importa à burguesia a questão do TSJ. Seu objetivo principal é derrubar o governo e, como já dissemos, até que não liquidemos seu poder econômico e político, a burguesia não cessará em sua ânsia por esmagar a revolução.
Como consequência, o benefício processual dado a López não servirá em nada para acalmar as guarimbas nos próximos dias, mas sim para fomentá-las. Longe de constituir uma “jogada de mestre” ou uma medida “necessária” no chamado xadrez político, não resta dúvida que, no atual marco de radicalização da ofensiva contrarrevolucionária, a medida será assumida pela burguesia como um reflexo da atual debilidade do governo, o que, indiscutivelmente, irá encorajá-la a aprofundar sua ofensiva até as últimas consequências possíveis.
A única saída possível favorável ao proletariado diante da atual ofensiva fascista da contrarrevolução é completar a revolução socialista, expropriando a burguesia e destruindo o Estado burguês. Como assinalamos, qualquer outro caminho conduzirá a revolução à derrota. Devemos construir autodefesas de trabalhadores e camponeses para enfrentar a ofensiva fascista, seguindo o exemplo das Brigadas de Defesa Popular de Hugo Chávez que estão conformando os camaradas da Corrente Revolucionária Bolívar e Zamora. O exemplo dos camaradas camponeses que ocuparam fazendas de latifundiários que apoiam e financiam as guarimbas em Socopó (Barinas) e na zona do Sul do Lago (Mérida) deve se estender a fábricas, empresas e demais fazendas em todo o país. A classe trabalhadora deve dar um passo à frente na luta de classes. Perante a insurreição revolucionária generalizada e violenta da contrarrevolução, necessitamos uma insurreição revolucionária generalizada da classe trabalhadora, dos camponeses e de todo o povo contra o poder burguês. Perante o papel nefasto do reformismo, que empurra a revolução para a conciliação de classes com a burguesia, a classe trabalhadora e o povo revolucionário só podem confiar em suas próprias forças. É necessário construir uma força política dos trabalhadores, da juventude e da militância revolucionária, pautada nas ideias e programa do marxismo revolucionário, para poder derrotar ao oportunismo e ao reformismo dentro de nossas fileiras e conduzir a revolução socialista na Venezuela para a vitória.
Chega de conciliação, há que se completar a revolução!
Nenhum acordo com a oligarquia e a MUD!
Expropriação da burguesia sob o controle dos trabalhadores!
Todo o poder à classe trabalhadora!
Una-se à Corrente Marxista do PSUV – Lucha de Clases!
[1] Comisión por la Verdad y la Justicia (Comissão pela Verdade e Justiça), instalada em 12 de abril de 2016 com o apoio da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) para acompanhamento e solução dos conflitos na Venezuela (Nota do Tradutor – N.T.).
[2] Tumultos promovidos pela oposição nas cidades da Venezuela (N.T.).
Declaração de Corriente Marxista del PSUV – Lucha de Clases, seção venezuelana da Corrente Marxista Internacional, sob o título “Casa por cárcel para Leopoldo López: Declaración de Lucha de Clases”, publicado em 8 de julho de 2017.
Tradução de Nathan Belcavello