Professores de SP: lições da greve

Os professores da rede pública do estado de São Paulo permaneceram em greve por 92 dias! A maior greve da história da categoria. Segue um balanço do coletivo “Educadores pelo Socialismo”, impulsionado por militantes da Esquerda Marxista, desse importante combate.

No último dia 12 de junho, encerrou-se a maior greve da história da educação pública paulista, com 92 dias de resistência por parte da categoria de professores. O maior sindicato da América Latina, a APEOESP, deflagrou a greve a partir das demandas salariais (o reajuste anunciado em fevereiro seria de 0%), e por melhorias nas condições de trabalho.

Apesar do corte de ponto dos grevistas, mesmo em uma greve julgada como legal, dezenas de milhares de professores resistiram à truculência e intransigência do governo, que aceitou negociar somente depois de 60 dias de greve!

Os ganhos econômicos foram mínimos e a categoria foi obrigada a suspender a greve sem saber ainda qual será o índice de reajuste salarial. O resultado foi uma mera promessa de política salarial até 2018, supostamente a ser anunciada em julho de 2015, além de ínfimas melhorias nos contratos temporários.

No entanto, o ganho político, de mobilização da categoria, foi gigante. A greve chegou a índices de mais de 60% de adesão (ou seja, mais de 150 mil professores parados), manifestações gigantescas com 50, 60 mil professores, interrupção do tráfego em rodovias e avenidas centrais, ocupação da ALESP, etc. A categoria demonstrou ampla disposição para continuar a luta no próximo período.

É preciso analisar e compreender essa experiência com muito cuidado. Devemos analisar onde acertamos e onde erramos e, assim, com o acúmulo desta luta, estarmos ainda mais preparados para os próximos embates. Segue uma análise e balanço dos Professores da Esquerda Marxista e do coletivo “Educadores pelo Socialismo”, que busca contribuir nas avaliações e lições desse importante combate.  

O contexto da luta dos professores

No final da década de 70 e através da década de 80, amplas mobilizações de massa dos trabalhadores resultaram em importantes conquistas. A derrubada da ditadura militar brasileira, a fundação do PT e da CUT como instrumentos de luta, a reconstrução da UNE, a refundação da APEOESP e inúmeros sindicatos foram ganhos para a luta contra os pelegos. A burguesia foi obrigada a fazer concessões e direitos importantes foram incluídos na Constituição de 1988.

Ao mesmo tempo, seguiram os profundos golpes contra a classe trabalhadora, inflação alta, ampliação do endividamento do Brasil (que já havia dado um salto astronômico no período da ditadura militar) e que hoje consome quase 50% do nosso orçamento.

Em 1989, a categoria dos professores da rede estadual paulista realizou uma mobilização de massas contra os ataques iniciados pela classe dominante contra a educação pública, numa greve que durou 80 dias, conquistando aumento de 56 a 126%. Em 1993, outra greve gigante, com 79 dias de paralisação, contra novos ataques. Nessas greves não havia corte de ponto e a APEOESP contava com a forte mobilização da categoria. A partir de 2000 essa situação mudou profundamente.

No ano de 2000, com uma greve de 43 dias, a categoria não arrancou nenhuma conquista imediata e sofreu um dos maiores golpes contra o método da greve junto ao magistério paulista e à classe trabalhadora: o corte de ponto. O governo tucano de Mário Covas instituiu quase que uma “lei” própria que fere o direito constitucional de greve. A partir dessa ação, quando o professor decide aderir à greve, decide também ficar sem salário e recuperar parte do mesmo após repor as aulas, recupera “parte”, pois feriados e finais de semana podem não ser pagos. Mais do que isso, aulas substituídas por professores eventuais podem não ser pagas, com as faltas somente sendo retiradas com ações judiciais, ficando o professor refém da direção da escola. Com essa medida, o governo garante, desde então, que uma parcela grande de uma categoria bastante endividada, seja coagida a não aderir ao movimento grevista. Vemos assim novamente o caráter do estado burguês: eles fazem as leis que eles mesmos descumprem a partir dos seus interesses de classe.

A partir de 2008, com a explosão da crise do capitalismo, o mundo entrou em ebulição. Assim como em junho de 2013 no Brasil, mobilizações de massa emergiram na Inglaterra, Espanha, Egito, Turquia, Grécia, Bélgica, EUA e muitos outros. O estado de bem-estar social foi suprimido nas principais nações imperialistas e a única perspectiva é a manutenção de ataques aos direitos da classe trabalhadora.

Nesse contexto de profunda crise econômica e avanço dos capitalistas contra os direitos e salários dos trabalhadores, faz falta uma direção revolucionária capaz de dar respostas reais às demandas da classe trabalhadora. Esta é uma debilidade a ser superada.

A crise de direção

Os professores de São Paulo tem a APEOESP como seu sindicato. Hoje, a direção majoritária da APEOESP é da Articulação Sindical (ArtSind), ligada à direção majoritária da CUT e do PT.

O PT, aliás, vive uma profunda crise, que é parte do afundamento de diversos partidos tradicionais da classe que se passaram para a defesa do capital, como o PASOK na Grécia, o PSOE na Espanha, o PS da França, ou o Partido Trabalhista na Inglaterra, dentre outros. 

A APEOESP não pode ficar refém dessa política. A ArtSind, ao fomentar conscientemente a despolitização e desmobilização junto à categoria dos professores da rede pública estadual de São Paulo, consegue algo fundamental para a manutenção de uma burocracia sindical: a não participação ativa da categoria dentro do sindicato. O que se reflete também no conjunto da mobilização da categoria pelas reivindicações.

No início da greve de 2015, a direção necessitou de um apoio da base maior do que era capaz de conquistar. Até mesmo parte de sua base não aderiu ao movimento, com várias denúncias de Conselheiros da ArtSind furando greve. Foi papel de lideranças da base e da oposição reconquistar essa confiança em boa parte da categoria. Quem realizou os comandos de greve nas escolas, percebeu que a dificuldade inicial foi reconquistar a confiança da categoria em seu sindicato, na APEOESP, explicando a diferença entre a entidade e sua direção. Isso foi fundamental para trazer parte da base para a luta.

Ainda que não tenhamos saído com vitórias econômicas significativas, o saldo positivo foi o engajamento da categoria, a participação nas assembleias e comandos de greve, e a percepção da necessidade de retomarmos o sindicato para a luta, com uma direção de fato combativa.

Nessa greve também foi clara a intenção da ArtSind de blindar o governo Dilma quando a CNTE, com direção majoritária dessa mesma corrente, não fez força nenhuma para unificar as dezenas de greves da educação que ocorreram simultaneamente no país. Pior foi o dia 29 de maio, na suposta preparação para a “greve geral” que, em São Paulo, não teve um ato unificado de todas as categorias, movimentos sociais, etc.

Devido à truculência do governo Alckmin, o único caminho para a vitória seria construir a greve geral da educação em nível nacional, unificando as diferentes greves pelo país, pressionando politicamente tanto os governos municipais e estaduais, mas também o governo Dilma, que cortou bilhões do orçamento para a educação.

Ao contrário de posições ultra-esquerdistas, os professores do coletivo “Educadores Pelo Socialismo” entendem que devemos atuar dentro da APEOESP e da CUT como meio de reconquistar para a base os sindicatos e a central, fortes aparatos construídos com muita luta, mas que tem o potencial revolucionário suprimido por uma direção conciliadora, reformista, que abandonou a luta pelo socialismo.

Uma frente única da burguesia contra a classe trabalhadora

Se há algo que devemos ter como exemplo para toda a vida é a forma como a mídia de massas, Judiciário, Legislativo e Executivo se comportaram em relação à luta dos trabalhadores, nesse caso, dos professores.

Os principais jornais e redes de TV só começaram a publicar algo sobre greve depois de 40 dias de paralisação, fechando os olhos para ações massivas dos professores.

O Judiciário, por sua vez, aprovou medidas absurdas como a liminar da “mordaça” em que os grevistas foram proibidos de entrar na escola para falar com seus colegas sobre a greve, nem mesmo nos horários de intervalo! Além disso, a APEOESP recebeu multa de 100 mil reais por interrupção de rodovia. Foram centenas de milhares em multas só nesta greve.  

Existiu uma esperança no Judiciário por parte da categoria, quando os desembargadores do TJ-SP aprovaram, por 17 votos a 6, a ilegalidade do corte de ponto. Contudo, essa ilusão foi demolida quando Alckmin, no dia seguinte, foi pessoalmente à Brasília garantir junto ao presidente do STJ o corte de ponto dos professores, o que foi ratificado pela corte especial do mesmo. Um dia depois, A Ministra Carmen Lúcia, do STF, indeferiu a reclamação da APEOESP sobre a mesma questão.

O Legislativo, por sua vez, nada fez além de, a partir de nossa pressão com o acampamento na ALESP, ter promulgado a lei 15.830/15 (lei esta que versa sobre limitação do número de alunos por sala com alunos com necessidades especiais) que havia sido vetada por Alckmin em 2014. Com maioria tucana, os professores enfrentaram a truculência dos parlamentares mais obtusos nessa ocupação, com constantes ofensas e provocações aos professores por verdadeiros filhos da ditadura militar, como o Dep. Coronel Telhada.

O Executivo, na figura de Alckmin optou por negar a greve do começo ao fim. Nem Dilma, defendida pela direção da APEOESP, manifestou qualquer apoio à categoria dos professores da rede estadual de São Paulo.

Assim, os professores da rede estadual, ao contrário de derrotados, devem sentir-se orgulhosos por terem participado de tamanho ato de resistência. A APEOESP enfrentou o sistema com sua burguesia unificada. Foram 92 dias de repressão e omissão por parte do Executivo, Legislativo, Judiciário e da Grande mídia, e ainda os professores conseguiram sair de cabeça erguida, e com algumas conquistas econômicas.

A luta continua!

Esse é o momento de aprender com a rica experiência dessa greve e de construir os próximos passos. A luta deve ser contínua, com ou sem greve. Não há solução sob o capitalismo, devemos ter claro que o PROBLEMA É O SISTEMA. E precisamos de um trabalho de longo prazo para fomentar as bases de sua transformação. Assim, a politização de nossos espaços de trabalho, influindo na participação sindical, deve ser o centro de nossas atividades para enfrentarmos o conturbado período que virá.  

É por essa razão que os professores da Esquerda Marxista impulsionaram junto a contatos, em meio à greve, a fundação do coletivo “Educadores pelo Socialismo” no dia 6 de junho de 2015. Como próprio nome do coletivo aponta, não nos limitamos à luta econômica, apontamos o verdadeiro mal dessa sociedade, o sistema capitalista. Só com uma profunda mudança na sociedade é que poderemos transformar a educação.

Assim, como instrumento de organização, formação e mobilização, esperamos contribuir com todos educadores que desejam se engajar na luta pela transformação revolucionária da sociedade e da educação pública.

Entre em contato e nos ajude a construir um novo mundo!

Pedro Bernardes neto: pedrobernardesneto@gmail.com

Anderson Albano: andersonjosealbano@gmail.com