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Proposta de trabalho remoto no serviço público: a expropriação oculta

Imagine se algum dia surgir entre os descontos de seu contracheque os itens: despesa com energia elétrica, despesa com água, despesa com operadora de banda larga, despesa com mobiliário adequado ao trabalho. E mais, eventuais horas-extras simplesmente não computadas, nem mesmo como banco de horas. Isso soaria, no mínimo, como absurdo, não?

Pois é exatamente isso a proposta de teletrabalho apresentada pelo Ministério da Economia, chefiado pelo Chicago Boy Paulo Guedes1 para os servidores públicos federais. E não houve rodeios em colocar isso:

“Precisamos modernizar a gestão de pessoal e focar mais em resultados e em entregas. Com o teletrabalho poderemos ter mais produtividade e reduzir custos. A experiência do trabalho remoto forçado, por causa da pandemia do novo coronavírus, nos mostrou que isso é possível”, explica o secretário de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uebel. […] As despesas com internet, energia elétrica, telefone e outras semelhantes são de responsabilidade do participante que optar pela modalidade de teletrabalho. Não haverá cômputo de horas extras ou de banco de horas. Também não haverá pagamento de auxílio transporte nem adicional noturno, exceto, no último caso, quando a atividade for necessária e desde que autorizada pela chefia imediata (grifo nosso).2

Se ainda houver alguma dúvida com relação à proposta, publicada pelo governo como instrução normativa no final de julho, a ideia é repassar para as costas dos servidores públicos federais parte dos custos da infraestrutura necessária para o exercício da atividade profissional na máquina estatal. Os servidores deverão também adequar suas moradias para isso, sofrendo com a retirada de direitos garantidos em lei pelo simples fato de suas atividades profissionais serem realizados fora das dependências do órgão.

Tal proposta não seria ainda mais maquiavélica se o mesmo governo que a propõe também não estivesse empenhado em garantir a suspensão de reajustes e progressões salariais pelo menos até 2021 a todo conjunto de servidores públicos brasileiros, sugestão do próprio Paulo Guedes3. Ontem isso foi garantindo quando a Câmara dos Deputados manteve o veto presidencial a dispositivos da Lei complementar nº 173, de 27 de maio de 2020, que previa exceção a servidores públicos das áreas de saúde e segurança pública, no bojo das negociações do alegado socorro financeiro a Estados e Municípios no período da pandemia de coronavírus, principal objeto da referida lei.

Ou seja, além de não dar aumento nem permitir a progressão já garantida nos planos de carreiras, o governo Bolsonaro e seu maior algoz, Paulo Guedes, querem transferir definitivamente para os servidores públicos custos que atualmente têm sido arcados pelos mesmos por conta das medidas emergenciais de enfrentamento da pandemia.

Sobre a política de teletrabalho, ainda é necessário salientar que “além de servidores efetivos, poderão participar do programa ocupantes de cargos em comissão, empregados públicos e contratados temporários. Cada órgão definirá, a partir de suas necessidades, que atividades poderão ser desempenhadas à distância4. Esse “benefício” do teletrabalho, ofertado a todos que atuam nos órgãos do governo, conciliado ao Decreto nº 9.507, de 21 de setembro de 2018, que generaliza a terceirização no serviço público federal5, tende a ampliar a precarização do trabalho dos servidores públicos. E nem há a pretensão de se abordar aqui as implicações sobre a saúde mental e às relações familiar e entre os trabalhadores, o que detalharia ainda mais a abordagem, mas tornaria este artigo interminável e exaustivo.

Todo esse ataque no âmbito do serviço público não está em nada distante da esteira em que o conjunto da classe trabalhadora tem sido jogado. Trata-se do aprofundamento da expropriação do trabalho advindo do desenvolvimento tecnológico das comunicações. Desse modo, em pouco se difere à precarização do trabalho e aos ataques a direitos realizados por aplicativos de entrega de mercadorias e demais serviços, conhecidos como “uberização das relações de trabalho”, talvez se distinguindo em termos de intensidade e intencionalidade, pois entre os servidores públicos ainda há a patente intenção de desprestigiar o exercício profissional por meio da aludida “retirada de privilégios”.

O trabalho que, durante tantos séculos, esteve totalmente imbricado no ambiente de moradia da classe trabalhadora e foi se dissociando com o desenvolvimento do capitalismo e da gradual separação entre trabalhadores e o controle sobre os meios de produção, volta aos lares, principalmente no atual período pandêmico. Contudo, além de voltar às casas completamente divorciado do controle dos meios de produção, vem com todos os custos necessários para sua viabilização.

Somente a tomada total do controle sobre os meios de produção pela classe trabalhadora poderá reverter esse quadro brevemente delineado aqui e possibilitar que o extraordinário desenvolvimento tecnológico que há na atualidade seja empregado para a verdadeira promoção de qualidade de vida de todos. Por isso fica o convite a se organizar pelo Socialismo na Esquerda Marxista!

1 Acerca das origens de Paulo Guedes, leia o artigo Do Chile ao Brasil: trajetória de um Chicago Boy.

2 GOVERNO FEDERAL. Governo federal define novas regras para o teletrabalho. 30 jul. 2020.

3 AGUIAR, Plínio. Câmara mantém veto de aumento para servidores até o fim de 2021. R7, 20 ago. 2020.

4 AUGUSTO, Otávio. Teletrabalho para servidor federal continuará após a pandemia. Veja regras. Metrópoles, 30 jul. 2020.

5 Para mais informações acerca do referido decreto, leia o artigo Decreto 9.507/2018: mais um hediondo ataque ao serviço público e aos trabalhadores.