Que é uma situação revolucionária?

Trotsky escreveu este breve, didático e poderoso texto, publicado em The Militant em dezembro de 1931, em um período histórico de crise orgânica do sistema capitalista – a Grande Depressão dos anos 1930 – que guarda notáveis semelhanças com o atual período histórico.

Trotsky escreveu este breve, didático e poderoso texto, publicado em The Militant em dezembro de 1931, em um período histórico de crise orgânica do sistema capitalista – a Grande Depressão dos anos 1930 – que guarda notáveis semelhanças com o atual período histórico. De lá para cá, as condições sociais e econômicas, as condições “sociológicas”, de uma situação revolucionária não somente amadureceram, como também se agravaram ainda mais e já chegaram, inclusive, à fase de apodrecimento. Por outro lado, atualmente, as condições políticas – o fator subjetivo – que não se resumem apenas ao “problema do partido revolucionário” (a condição subjetiva mais importante), mas também “à questão de consciência de todas as classes”, também avançam celeremente. Aqui, talvez devido à debilidade “da condição subjetiva mais importante”, a do partido revolucionário, a linha mais provável é que se dê, de início, “uma verdadeira situação revolucionária sem um partido revolucionário adequado”, como ocorreu na Alemanha de 1923 (a Primavera Árabe talvez seja o exemplo mais flagrante disto). Esta variante é somente “uma perspectiva, e não um fato”. E, como diz Trotsky, devemos basear nossas perspectivas nos fatos de hoje, e não nos de amanhã. A isto, pensamos que caberia acrescentar e precisar: e também não nos de ontem!

Fabiano Adalberto 

Que é uma situação revolucionária? 

Para analisar uma situação de um ponto de vista revolucionário, é necessário distinguir entre as condições econômicas e sociais de uma situação revolucionária e a própria situação revolucionária.

As condições econômicas e sociais de uma situação revolucionária ocorrem, falando em geral, quando as forças produtivas de um país estão em decadência; quando diminui sistematicamente o peso do país capitalista no mercado mundial e as rendas das classes também se reduzem sistematicamente; quando o desemprego já não é simplesmente a consequência de uma flutuação conjuntural, e sim um mal social permanente com tendência a se incrementar. Estas são as características da situação da Inglaterra; podemos dizer que ali se dão e se aprofundam diariamente as condições econômicas e sociais de uma situação revolucionária. Mas não devemos esquecer que definimos a situação revolucionária politicamente e não apenas sociologicamente. E aqui entra o fator subjetivo, que não consiste apenas do problema do partido do proletariado, como também é uma questão de consciência de todas as classes, naturalmente e de forma fundamental da consciência do proletariado e de seu partido.

situação revolucionária somente ocorre quando as condições econômicas e sociais que permitem a revolução provocam mudanças bruscas na consciência da sociedade e de suas diferentes classes. Que mudanças?

Para nossa análise temos que levar em consideração as três classes sociais: a capitalista, a classe média e o proletariado. São muito diferentes as mudanças de mentalidade necessárias em cada uma destas classes.

O proletariado britânico sabe muito bem, muito melhor que todos os teóricos, que a situação econômica é muito grave. Mas a situação revolucionária se desenvolve somente quando o proletariado começa a buscar uma saída, não sobre os trilhos da velha sociedade e sim pelo caminho da insurreição revolucionária contra a ordem existente. Esta é a condição subjetiva mais importante de uma situação revolucionária. A intensidade dos sentimentos revolucionários das massas é um dos indicadores mais importantes da maturidade da situação revolucionária.

Mas a etapa posterior à situação revolucionária é a que permite ao proletariado se converter em força dominante da sociedade, e isto depende até certo ponto (embora menos na Inglaterra que em outros países) das ideias e sentimentos políticos da classe média, de sua desconfiança de todos os partidos tradicionais (incluindo o Partido Trabalhista, que é reformista, ou seja, conservador) e de que deposite suas esperanças em uma mudança radical, revolucionária da sociedade (e não em uma mudança contrarrevolucionária, ou seja, fascista).

As mudanças no estado de ânimo da classe média e do proletariado correspondem e são paralelas às mudanças no estado de ânimo da classe dominante. Quando esta vê que é incapaz de salvar o seu sistema, perde confiança em si mesma, começa a se desintegrar, divide-se em frações e camarilhas.

Não se pode saber adiantadamente, nem se identificar com exatidão matemática, em que momento destes processos está madura a situação revolucionária. O partido revolucionário somente pode descobrir isto através da luta pelo crescimento de suas forças e influência sobre as massas, sobre os camponeses e a pequena burguesia das cidades etc.; e pelo enfraquecimento da resistência das classes dominantes.

Se aplicarmos estes critérios à situação da Grã-Bretanha, vemos que:

As condições econômicas e sociais existem e se tornam mais urgentes e agudas.

No entanto, estas condições econômicas ainda não provocaram uma resposta psicológica. Não falta uma mudança nas condições econômicas, já intoleráveis, mas uma mudança na atitude das diferentes classes quanto a esta intolerável e catastrófica situação que vive a Inglaterra.

O desenvolvimento econômico da sociedade é um processo muito gradual, que se mede em séculos e décadas. Mas, quando se alteram radicalmente as condições econômicas, a resposta psicológica, já demorada, pode aparecer muito rápido. E dessa forma, ocorram rápido ou lentamente, essas mudanças inevitavelmente devem alterar o estado de ânimo das classes. Somente então temos uma situação revolucionária.

Em termos políticos, isto significa:

Que o proletariado deve perder sua confiança não somente nos conservadores e nos liberais como também no Partido Trabalhista. Tem que concentrar sua vontade e sua coragem nos objetivos e métodos revolucionários.

Que a classe média deve perder sua confiança na grande burguesia, nos Lordes, e voltar os olhos para o proletariado revolucionário.

Que as classes possuidoras, as camarilhas governantes, rechaçadas pelas massas, percam sua confiança em si mesmas.

Estas atitudes se desenvolverão inevitavelmente, mas ainda não existem. Podem se desenvolver em um breve lapso de tempo devido à gravidade da crise. Este processo pode levar dois ou três anos, inclusive um ano. Mas hoje é uma perspectiva, não um fato. Temos que basear nossa política nos fatos de hoje, e não nos fatos de amanhã.

As condições políticas de uma situação revolucionária se desenvolvem simultânea e mais ou menos paralelamente, mas isto não significa que amadurecerão todas ao mesmo tempo; este é o risco que nos ameaça. Das condições políticas em amadurecimento, a mais verde é o partido revolucionário do proletariado. Não se exclui a possibilidade de que a transformação revolucionária do proletariado e da classe média, e a desintegração da classe dominante, se desenvolvam mais rapidamente que o amadurecimento do Partido Comunista. Isto significa que se poderia dar uma verdadeira situação revolucionária sem um partido revolucionário adequado. Em certa medida se repetiria o que aconteceu na Alemanha em 1923. Mas é um erro absoluto considerar que esta é a situação hoje da Inglaterra.

Dissemos que não está excluída a possibilidade de que o partido possa ficar defasado com respeito aos demais elementos da situação revolucionária, mas não é inevitável. Não podemos fazer um prognóstico exato, mas aqui não se trata de um problema de prognósticos, e sim de nossa atividade.

Nesta conjuntura, quanto tempo necessitará o proletariado britânico para romper seus vínculos com os três partidos burgueses? É muito possível que, com uma política correta, o Partido Comunista cresça proporcionalmente à bancarrota e desintegração dos demais partidos. Nosso objetivo e nosso dever é concretizar esta possibilidade.

Conclusões

Isto é suficiente para explicar por que é totalmente errôneo colocar que na Inglaterra o conflito político se dá entre a democracia e o fascismo. A era fascista começa a sério depois de uma vitória importante e temporariamente decisiva da burguesia sobre a classe trabalhadora. Mas na Inglaterra as grandes lutas ainda não foram desencadeadas. Como já assinalamos referindo-nos a outro tema, o próximo capítulo político da Inglaterra, depois da queda do governo nacional e do conservador que provavelmente o suceda, será possivelmente liberal-trabalhista, que, em futuro próximo, pode resultar mais perigoso que o espectro do fascismo. De forma condicional, chamamos esta etapa de kerenskismo britânico.

Mas há que se acrescentar que não necessariamente em todas as etapas e em todos os países o kerenskismo será tão débil como o foi o russo, que era débil porque o Partido Bolchevique era forte. Por exemplo, na Espanha o kerenskismo – a coalizão de liberais e “socialistas” – não é de forma alguma tão débil como o foi na Rússia, e isso se deve à debilidade do Partido Comunista. O kerenskismo combina a fraseologia reformista, “revolucionária”, “democrática”, “socialista” e as reformas sociais democráticas de importância secundária com a repressão à ala esquerda da classe trabalhadora.

É um método oposto ao do fascismo, mas serve aos mesmos fins. A derrota do futuro lloydgeorgismo somente será possível se soubermos prever sua chegada, se não nos deixarmos hipnotizar pelo espectro do fascismo, que hoje é um perigo muito mais longínquo que Lloyd George e sua ferramenta do futuro, o Partido Trabalhista. Amanhã o perigo pode ser o partido reformista, o bloco de liberais e socialistas; o perigo fascista ainda está muito longe. Nossa luta para eliminar a etapa fascista e para eliminar ou reduzir a etapa reformista é a luta para ganhar a classe trabalhadora para o Partido Comunista.

17 de dezembro de 1931

Tradução: Fabiano Adalberto