Racismo e capitalismo, o caso Genivaldo

No último dia 25 de maio, em Sergipe, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) assassinou Genivaldo de Jesus Santos. O caso chocou amplos setores da sociedade, tanto no Brasil quanto internacionalmente. Toda a ação foi gravada e compartilhada nas redes sociais. Alusões sobre a atitude fascista dos envolvidos podem ser encontradas por toda a internet, assim como pedidos por justiça e pelo tratamento mais humano da polícia em suas ações. O caso ocorreu no mesmo dia que marca o assassinato de George Floyd, morto asfixiado pela polícia nos EUA. Nesse último caso, sua morte se tornou um barril de pólvora que explodiu num movimento de revolta das massas, desencadeado pela chocante clareza com que se mostrou o racismo desse sistema e da polícia.

O assassinato de Genivaldo ocorreu por volta das 11 horas. A justificativa da polícia para a violência foi o não uso de capacete, algo em si quase irrelevante para uma abordagem, dado que em certas regiões mais longe das metrópoles algumas parcelas da população não usam capacete. Outro elemento é o fato de o próprio Bolsonaro ter fotos e filmagens andando com policiais da PRF sem capacete e isso não causou nenhum infortúnio para ele. Essa ação criminosa da polícia aconteceu porque Genivaldo era negro e pobre. Como é sabido as revistas policiais são violentas. Com isso a vítima ficou nervosa e questionou o motivo pelo qual estava acontecendo a abordagem truculenta. Genivaldo tomava remédios para esquizofrenia há 20 anos.

Segundo o boletim de ocorrência feito pelos policiais, a vítima deu motivos para que fosse necessário contê-lo (embora o vídeo gravado pela população mostre exatamente o contrário), e por isso precisaram utilizar Spray de pimenta e gás lacrimogêneo. Os policiais derrubaram Genivaldo e o imobilizaram com as pernas no pescoço. Algemaram e amarraram suas pernas colocando-o dentro da viatura com os vidros fechados e jogaram gás. Nos vídeos podemos ver Genivaldo se debatendo e gritando. Ouve-se no vídeo a indignação das pessoas que acompanhavam a tortura e o assassinato. Durante dois minutos ele foi asfixiado até o momento em que não resistiu e sucumbiu ao gás. Ele foi morto asfixiado em uma câmara de gás móvel.

Por que esse caso, entre outros, não mobilizou a população em massa para lutar contra a existência da polícia e contra a criminalização dos trabalhadores negros? A resposta para essa questão passa pelo papel das direções do movimento operário no Brasil. Assim como observamos no movimento de massas ao redor do mundo, a classe trabalhadora brasileira já demonstrou incontáveis vezes disposição de luta, porém, existe uma difícil barreira que se estabeleceu na luta de classes mundial, a rigor, a crise da direção do proletariado.

Aqui no Brasil isso se manifesta continuamente na política das direções que não ousam ir além de propor reformar o capitalismo e suas instituições, levando à castração do movimento operário e o conduzindo a um beco sem saída. Dando nome aos bois, podemos citar os maiores aparatos, como o do Partido dos Trabalhadores (PT), por exemplo, que possui uma base e respaldo social grande o bastante para fazer dessa tragédia a abertura para um calendário de lutas antirracistas no país. Mas para isso seria primeiro necessário romper com a ordem burguesa e o capital, que é precisamente o que os reformistas são incapazes de fazer. Eles não têm confiança nos trabalhadores e no futuro socialista da humanidade.

Embora os principais representantes da classe trabalhadora se manifestem em frases como “contra o racismo” ou “justiça para Genivaldo”, o que se observa é que a estratégia de luta não ultrapassa os limites de uma crítica às instituições racistas no país. As posições dos parlamentares petistas têm sido no sentido de que devem ser feitas investigações para entender o ocorrido e coisas como o dever de humanizar a polícia ou indenizar a família de Genivaldo. O Setorial de Segurança Pública do PT publicou a uma nota sobre o assassinato de Genivaldo. Dentro das soluções por eles elencadas, há as seguintes proposições:

“Não iremos esmorecer ante o desafio de mudar a segurança pública do Brasil, uma segurança pública realmente humana e cidadã, antirracista, antimachista, anti-homofóbica e antifascista, essa é a nossa promessa enquanto coordenadores e coordenadoras de Segurança Pública do Partido dos Trabalhadores que contribuem para o futuro programa de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.”

Esse tipo de proposta não avança um palmo sequer na luta pela superação do racismo e todo entulho ideológico da burguesia. Isso porque o caso não pode ser tratado isoladamente, como sendo resultado de alguns indivíduos fascistas dentro da instituição policial, ou fazer o tipo de reforma para o qual sempre se propõe o PT em todas as questões. A escalada da violência racista da polícia no Brasil não cessou em momento algum, nem mesmo durante o período do governo do PT. Para a população pobre do país essas mudanças não chegaram. Os assassinatos continuam, o racismo velado também. Isso consegue explicar o motivo pelo qual uma parte da classe trabalhadora simplesmente não acredita mais nesse tipo de discurso. Nada como a realidade para trazer à tona as verdades bem escondidas.

Por outro lado, esse tipo de concepção ainda é defendido por uma grande parcela da população e de lideranças políticas que deveriam ter um papel formador da consciência política de classe daqueles que estão em suas fileiras. O que se observa é exatamente o contrário: confundem a classe trabalhadora com meias verdades ou mentiras descaradas.

Reformar a polícia?

A questão da desmilitarização da polícia é uma questão que sempre aparece na ponta da língua dos reformistas. Porém, o problema não é apenas a existência da polícia em sua forma militar. O problema é a polícia em si. Sua função social sempre foi defender a propriedade privada e a burguesia. A posição marxista sobre o Estado é a de que em última instância trata-se de um corpo de homens armados, ao redor de um sistema de prisões, com o fim especial de defender a propriedade privada dos meios de produção. A partir dessa posição de princípio, pode-se estabelecer uma política correta e alinhada aos interesses históricos do proletariado.

Em momentos de instabilidade política, o que acontece a quase todo momento no capitalismo, a atitude da polícia é o da repressão, assassinato e encarceramento da classe trabalhadora, sobretudo de negros, e proteção estratégica dos membros da burguesia. Isso fica claro observando a atuação das tropas de choque durante manifestações, ocupações de moradia etc. Diante disso, as forças estão desbalanceadas, já que a polícia tem o monopólio das armas. Para a classe trabalhadora, a força está nos métodos combativos historicamente construídos pela luta do movimento proletário independente.

A atual polícia tem noção dos interesses que defendem, que definitivamente não são os do proletariado. A desmilitarização da polícia é uma proposição que diz que as outras polícias não são racistas ou violentas. O caso de Genivaldo e muitos outros são exemplos de que essa proposição está errada da primeira à última palavra. Depois do impacto do caso de Genivaldo, circulou na internet um vídeo do treinamento de militares em que um policial rodoviário ensina como fazer uma câmara de gás móvel igual à que foi usada para matar Genivaldo. Segue na íntegra a transcrição da fala do policial durante o treinamento:

“Nesse ínterim, em que a gente ficou lavrando o procedimento e ele estava na parte de trás da viatura, ele ainda tentou quebrar o vidro com chutes. O que o polícia faz? Abre um pouquinho, pega o spray de pimenta e taca, “A pessoa fica mansinha. Aí, daqui a pouco eu só escutei assim: ‘Eu vou morrer, eu vou morrer’. Aí eu fiquei com pena. Abri assim: ‘Tortura!’. E fechei de novo. Sacanagem, fiz isso, não”.

Em momentos que a existência da burguesia estiver ameaçada, seja em qualquer situação, a instituição policial não irá vacilar em defender a propriedade burguesa e em assassinar aqueles que ameaçam, sempre se colocando contra a classe trabalhadora.

Depois do assassinato de Genivaldo, foram realizados protestos contra a violência do caso e contra o racismo. Houve participação de alguns militantes de movimentos sociais e da CUT. O papel desses grandes aparatos sindicais não deveria ser de acompanhar, mas de tomar a frente na construção de uma agenda de lutas contra o racismo, contra a violência policial, pelo fim da polícia de uma vez por todas. Entretanto, atuam no outro sentido, que é de tentar controlar os movimentos que surgem.

Sem o fim do capitalismo e da burguesia no país, não teremos o fim do racismo. Com isso Genivaldo será apenas mais um número dentro da estatística. Todos os dias pessoas negras sofrem algum tipo de violência de cunho racista. Todos os dias são assassinados pelos mais diversos mecanismos. Mas a polícia presta um papel centralmente importante dentro dessa repressão ao direito de viver da classe trabalhadora. A nossa luta dentro da república burguesa deve ter outro caráter. Deve ir além e derrubar o capitalismo para resolver o problema.

Os marxistas buscam chamar as coisas pelo seu nome, só assim é possível avançar na luta pela superação real de todas as mazelas desse sistema. Por isso dizemos de maneira clara: Se hoje não existe uma mobilização de massas na luta contra o racismo a responsabilidade primeira cabe às direções do movimento operário. O que é preciso é uma luta antirrarista neste país, que imponha pela mobilização a ideia de que ser negro não é crime. A classe trabalhadora apenas consegue alcançar suas demandas pela via da mobilização. E entre suas reivindicações mais urgentes precisa figurar a consigna de fim da Polícia Militar.

Para sair do atoleiro em que os reformistas põem o conjunto da classe trabalhadora é necessário que a luta antirracista seja uma luta de classes, com base nos métodos operários em sua luta pelo poder. Não é possível lutar pelo socialismo sem lutar contra o racismo. Não é possível superar o racismo sem a luta pelo socialismo e pela destruição da sociedade de classes.

  • Pelo fim das polícias
  • Contra o racismo e o capitalismo