Racismo e capitalismo sempre de mãos dadas

No mês da Consciência Negra, a Rede Globo fez diversas matérias mostrando os negros bem-sucedidos. A mensagem serve para dizer, em bom tom, que é possível um negro “vencer na vida” dentro do capitalismo. Realmente, os fatos demonstram que alguns negros até conseguem se destacar dentro desse sistema, porém, enquanto alguns pouquíssimos são pinçados para serem estampados nas vitrines, a grande massa da população negra continua vivendo nos bairros operários sem ter, sequer, uma educação digna, atendimento básico de saúde, emprego, saneamento básico, moradia adequada, e que, além do abandono, é massacrada diariamente pelas operações policiais, pelas milícias, e com o agravante do narcotráfico.

Equivocadamente, o identitarismo, tão adotado por partidos de esquerda no Brasil e no mundo, defende que haja “diversidade” no topo da sociedade, mas isso é uma farsa, serve apenas para exaltar a exceção, enquanto a maioria continua na mesma situação deplorável. Toda mídia burguesa, assim como a Rede Globo, é uma ferramenta inteligente do capitalismo que, na questão racial, criou uma espécie de Black Fashion para exibir, na passarela, apenas os seus modelos mais sofisticados, ludibriando a plateia que, vidrada, ovaciona, com entusiasmo, o que vê à sua frente e, distraída, quase não percebe que por detrás das cortinas há milhões de modelos impossibilitados de participar do mesmo desfile. Essa é apenas uma dentre tantas armas que o capitalismo inventou. Todavia, o que nós queremos não é isso, queremos a igualdade entre todos!

Não há como negar que essa tragédia, que é regra, tenha sido amenizada por meio da propaganda da “esperança de melhora” dentro do próprio sistema, por intermédio das instituições burguesas, seja do Executivo, através de políticas públicas, do Legislativo, com projetos de leis de incentivo social e punições contra atitudes racistas, do Ministério Público, fiscalizando e laborando denúncias, ou do Judiciário, para impor o cumprimento da legislação que, em raríssimos casos, leva à condenação  indivíduos que praticam o racismo. No entanto, a exceção é exaltada com fogos de artifícios pelas mídias burguesas, que tentam preencher o dia a dia da classe trabalhadora com mensagens de incentivo, ora de empoderamento, ora de resiliência. O famoso “morde e assopra”, método para evitar revoltas, insurreições e, ao mesmo tempo, desenvolver a “autoestima” e auto-organização das massas, o suficiente para tê-las como mãos de obra úteis, capazes de trabalhar e consumir. O objetivo é deixar o auditório esperançoso, hipnotizado, de costas para o teatro de horrores que encena o cotidiano trágico da vida da população negra. Mas até que ponto essa política atende aos interesses de todos e resolve na prática as mazelas da maioria da classe trabalhadora? Na verdade, apenas corrobora para que o Estado abra mão da sua tarefa mais elementar que é disponibilizar para todos condições iguais de saúde, educação, moradia e pleno emprego. Essa é apenas uma das táticas pelas quais a burguesia se perpetua para continuar a sua exploração, que resulta sempre em desigualdades e toda a sorte de tragédias.

Com o surgimento do capitalismo, a burguesia precisava ampliar seus mercados e aprofundar o acúmulo de riquezas (acumulação primitiva), de modo que os burgueses encontraram, na escravidão, uma “solução” inicial. Com o advento das revoluções burguesas inspiradas nas ideias iluministas que defendiam a igualdade entre os homens, foi necessário criar uma pseudociência que dividia os humanos, justificando, assim, a escravização e o saque das supostas novas “raças” consideradas inferiores. Assim, vários teóricos foram utilizados para dar uma aparência científica para essa teoria que, no fundo, foi criada apenas para atender o interesse de uma classe. Os Estados europeus tornaram o racismo oficial, fizeram o racismo virar lei e se institucionalizar amplamente mediante políticos escravocratas e suas legislações escravagistas, bem como por meio de mãos de obra não remuneradas (escravas), com os custos desses trabalhadores negros extremamente baixos para os seus donos, que auferiam altíssimos ganhos. Mesmo após séculos de lutas travadas em diversas insurreições, o surgimento do Movimento Abolicionista e a conquista da Abolição, até hoje os burgueses não abriram mão dos seus lucros, pois, para sobreviver, precisam explorar toda a classe trabalhadora, elegendo uma parcela dela para ocupar os cargos em que a exploração é mais cruel, no caso do Brasil, a parcela que foi eleita pra cumprir esse papel foram os trabalhadores negros. Logo, o racismo serve para o capitalismo seguir nos explorando, além de manter a classe dividida.

Há décadas, os liberais, mundo afora, apontam o desenvolvimento econômico como a única solução para combater as desigualdades sociais. Mais uma grande mentira! O PIB mundial cresceu exponencialmente nas últimas décadas e a própria OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico)1 teve que admitir o que dizem os números: as desigualdades entre os países aumentaram desde o período da Revolução Industrial em 1820, até 2010. Está mais do que provado que as diversas tentativas de associar desenvolvimento econômico com a diminuição da desigualdade social, fracassaram todas! Até porque o capitalismo tem sua gênese na concentração de riquezas através da propriedade privada, quando alguns donos dos meios de produção exploram a maioria que produz as mercadorias, ou seja, o oposto à igualdade social, sendo o motor de toda desigualdade.

No Brasil, em 2019, primeiro ano de gestão do governo ultraliberal Bolsonaro/Guedes, as instituições financeiras privadas (burguesia) receberam do Estado o montante executado com o serviço da Dívida Pública Federal2 de R$ 1,038 trilhão – sem contar os juros, enquanto na Educação3, o investimento federal no mesmo ano foi de apenas R$ 107 bilhões, também na saúde foram somente R$ 122 bilhões investidos. Acontece que a União gastou R$ 285 bilhões exclusivamente com Juros/Encargos da Dívida4, valor 21% maior que os investimentos na Educação e Saúde juntas. Esta é a “responsabilidade fiscal” do nosso Estado que privilegia os mais ricos, cujo objetivo não é atender nem mesmo as necessidades mais imprescindíveis da população, e sim, transferir permanentemente a riqueza do Estado para burguesia. Se calcularmos apenas os juros pagos em todos os anos, veremos que essa dívida já foi mais do que paga. Entretanto, qualquer presidente da República que, em prol da população, ouse não pagá-la, será encurralado pela burguesia como um rato e espancado a pauladas até a morte. Para o Estado burguês é absolutamente aceitável que se cortem os investimentos na educação e saúde, para isso não há “responsabilidades” dos políticos, basta uma aliança do Executivo com o Congresso e o Judiciário para reajustar o orçamento com cortes importantes nos setores essenciais da sociedade, é a ideologia liberal de “apertar o cinto”, somente para o povo, é claro.  Agora a lei dá a legitimidade necessária para assaltarem os cofres públicos com o véu da legalidade da democracia burguesa. Este é o verdadeiro roubo que os parasitas burgueses promovem sobre o dinheiro gerado por todos os trabalhadores, majoritariamente negros.

A burguesia usa permanentemente o Estado para engordar cada vez mais, e hoje, nem as migalhas lança mais aos miseráveis. Vimos, já duranteos quatro primeiros meses de pandemia os bilionários do Brasil aumentarem seu patrimônio em R$ 34 bilhões, enquanto o desemprego arruína o proletariado, ressaltando que 75% dos mais pobres do país são negros5. Todavia, isso não é coincidência, faz parte da engrenagem do capital, que, com a massa de desempregados, mantém o seu exército de reserva, aumentando largamente a oferta da mão de obra. Sendo assim, os detentores do capital pagam o mínimo que podem aos trabalhadores que, desesperados por sua sobrevivência, são obrigados a aceitar todas as condições humilhantes impostas pelo mercado liberal.

O nosso compromisso, como marxistas, não é com a estética de uma burocracia legalista que apenas atende aos interesses de “meia-dúzia” de burgueses exploradores, ricos, milionários e bilionários, mas sim com os milhões de trabalhadores que sofrem cotidianamente. Apenas com o fim do pagamento da dívida pública poderemos implementar mais saúde e educação para a população, promovendo igualdade de condições para TODOS, enterrando definitivamente o abismo social que há entre negros e não negros. Por isso, defendemos que, para acabar de vez com o racismo, é necessário criarmos um sistema econômico, planificado e sem classes sociais através da união de todos os trabalhadores pela derrubada desse sistema opressor e desigual. Contudo, é preciso começar agora com os trabalhadores unidos pela derrubada do capitalismo, que promove constantemente o racismo e as demais desigualdades.

É por isso que reivindicamos o boicote ao pagamento da dívida pública, o fim do capitalismo, por um Estado socialista organizado pelos trabalhadores, pelo “Fora, Bolsonaro, por um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais”.

  • Ser negro não é crime!
  • Vidas Negras Importam!
  • Não ao pagamento da Dívida Pública!
  • Educação púplica, gratuita e para todos!
  • Abaixo o capitalismo!
  • Fora Bolsonaro!

Referências:

1 CARNEIRO, Lucianne. Desigualdade entre países avançou no mundo entre 1820 e 2010, diz OCDE. O Globo, 2020. Disponível em: <https://www.google.com/amp/s/oglobo.globo.com/economia/desigualdade-entre-paises-avancou-no-mundo-entre-1820-2010-diz-ocde-14108429%3fversao=amp>Acesso em: 21 de nov. de 2020.

2 LINDESAY, PAULO. “ O custo da dívida pública para o Estado Brasileiro, com ou sem pandemia de covid-19”. Auditoria Cidadã, 2020. Disponível em: <https://auditoriacidada.org.br/nucleo/o-custo-da-divida-publica-para-o-estado-brasileiro-com-ou-sem-pandemia-de-covid-19-por-paulo-lindesay/#:~:text=O%20montante%20executado%20com%20o,(R%24%202%2C711%20trilh%C3%B5es)>Acesso em: 21 de nov. de 2020.

3 RODRIGUEZ, Emilio. Corte de R$ 19,8 bilhões no Ministério da Educação no orçamento para 2020. Jornalistas Livres, 2020. Disponível em: <https://jornalistaslivres.org/corte-de-r-198-bilhoes-no-ministerio-da-educacao-no-orcamento-para-2020/>Acesso em: 21 de nov. de 2020.

4 FERRARI, HAMILTON. Dívida pública atinge 88,8% do PIB em agosto, diz BC. Poder 360, 2020. Disponível em: < https://www.poder360.com.br/economia/divida-publica-atinge-888-do-pib-em-agosto-diz-bc/> Acesso em: 21 de nov. de 2020.

5 MADEIRO, Carlos. Negros são 75% entre os mais pobres; brancos, 70% entre os mais ricos. UOL Notícias, 2019. Disponível em: <https://www.google.com/amp/s/noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/11/13/percentual-de-negros-entre-10-mais-pobre-e-triplo-do-que-entre-mais-ricos.amp.htm>Acesso em: 21 de nov. de 2020.