Desde a morte de Mark Fisher no início deste ano houve um pequeno aumento na busca por seu livro “Realismo Capitalista: não há alternativa?”. Isto é lamentável, uma vez que o livro é uma mistura confusa de jargões acadêmicos que mal consegue descrever um fenômeno que foi explicado pela primeira vez por Marx há mais de 170 anos, e muito menos oferecer algum conselho prático aos socialistas que tentam mudar o mundo hoje.
Uma pobre imitação de Marx
A ideia central do livro é que “é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo”. Com isto Fisher quer dizer que, através da mídia, das instituições educacionais e de todos os meios à sua disposição, a classe dominante promove sua ideologia de individualismo, competição e busca de lucro em toda a sociedade.
Marx explicou exatamente a mesma coisa em 1845 em “A Ideologia Alemã”, afirmando que:
“As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes; isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, a sua força espiritual dominante”.
Parece que Fisher se colocou na tradição acadêmica que se baseia inteiramente em re-embalar ideias desenvolvidas há décadas por intelectos superiores e entregá-las dentro de uma forma menos compreensível.
É fácil imaginar o fim do capitalismo
O que é particularmente espantoso é que Fisher fez essa declaração – de que “é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo” – em 2009, logo após a crise global do capitalismo que definiu a época. No calor desse colapso econômico, quando os bancos vieram abaixo e a economia geral mostrou-se em quebra em todos os sentidos da palavra, as pessoas ficaram mais abertas às ideias que promovem uma alternativa ao capitalismo do que estiveram durante décadas.
Fisher diz que o fato de os bancos serem resgatados em 2008 sem provocar distúrbios e revoluções imediatas em todo o mundo é prova de que todos na sociedade foram irrevogavelmente ganhos pela ideologia capitalista. Este é um argumento de um homem que nunca estudou ou entendeu a consciência de classe, a luta de classes ou o processo revolucionário.
Ao contrário do que os acadêmicos liberais como Fisher acreditam, a consciência é uma coisa muito conservadora. A maioria das pessoas não busca conflitos radicais e mudanças dramáticas em suas vidas em todas as oportunidades possíveis. As pessoas buscam o caminho de menor resistência, e só entrarão por caminhos mais árduos quando não há outro disponível para elas.
Então, quando a crise golpeou em 2008, a maioria das pessoas estava disposta a acreditar que os responsáveis tinham tudo sob controle, porque era o que estava sendo dito. E a maioria das pessoas estava até mesmo disposta a apertar os cintos e aceitar alguma austeridade porque lhes disseram que, dessa forma, tudo voltaria ao normal em breve. E, na maioria dos países, essas mentiras e enganos foram ativamente promovidos por aqueles que deveriam ser os representantes da classe trabalhadora, como os líderes do Partido Trabalhista na Grã-Bretanha, bloqueando e atrasando ainda mais o desenvolvimento da consciência radical.
A história nos mostra que a consciência leva tempo para se emparelhar aos acontecimentos. A pobreza, a fome e a repressão existiram durante muitos anos na Rússia czarista antes de 1917. Inclusive a matança imperialista da I Guerra Mundial foi realizada durante dois anos e meio antes das massas russas se moverem para tomar o poder e dar um fim a ela. Jogar a toalha e escrever um livro sobre como o capitalismo ganhou a batalha ideológica porque a massa do povo não tomou imediatamente o poder nas ruas em 2008 é míope ao extremo.
Crise e radicalização
Parte do problema é que o próprio Fisher não entende a crise de 2008. Ele a descreve como “a crise de crédito de 2008”, quando na verdade ela foi e continua a ser uma crise de superprodução. Em outras palavras, esta crise não foi causada por empréstimos mal regulamentados, mas por uma contradição fundamental incorporada nos alicerces da economia capitalista.
Isso significa que, como os marxistas explicaram no momento, a crise de 2008 não seria facilmente resolvida e que a austeridade não seria um fenômeno de vida curta. Na verdade, o resgate dos bancos, lamentado por Fisher como evidência da vitória ideológica do capitalismo, foi uma admissão do fracasso fundamental do capitalismo. A economia de mercado exigia que esses bancos viessem abaixo, mas as consequências sociais de tantas poupanças perdidas teriam sido catastróficas para a classe dominante. Então os bancos e o restante da economia tiveram que ser resgatados à custa da saúde econômica de longo prazo, em termos de dívidas públicas, produtividade e investimento.
As múltiplas tentativas fracassadas subsequentes – que continuaram por quase uma década – para restaurar o equilíbrio econômico levaram a uma enorme ruptura do equilíbrio social e político. À medida em que cada vez mais pessoas estão se dando conta de que o caminho de menor resistência não é, em absoluto, um caminho real, elas começaram a buscar outras formas de avançar. É assim que a consciência radical se desenvolve. As pessoas aprendem através de sua própria experiência.
O movimento Occupy Wall Street começou em 2011 e se espalhou pelo mundo exigindo o fim do sistema capitalista. Movimentos de massas varreram o mundo árabe em 2011 dando um fim a regimes que haviam existido durante décadas, aos quais ninguém havia se atrevido a imaginar uma alternativa possível. A polarização política, o surgimento de novos partidos e a morte dos antigos destruíram o acolhedor consenso de centro entre os países de todo o mundo. Mesmo nos EUA, Bernie Sanders reuniu milhões de pessoas às suas palavras de ordem pelo socialismo democrático e por uma revolução política.
Tudo isso é uma consequência direta da crise do capitalismo e foi previsto, em suas linhas gerais, por marxistas genuínos. Fisher, por outro lado, que fracassou em entender realmente a crise e que não entende como a consciência se desenvolve, viu sua declaração de 2009 de que “é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo” ser decisivamente refutada por milhões de pessoas.
Um método incorreto
Em todo o livro “Capitalismo Realista”, Fisher faz recorrentes declarações que foram completamente contestadas pelos acontecimentos desde que o livro foi publicado.
Por exemplo, ele escreve: “Em contraste aos seus antepassados das décadas de 1960 e 1970, os estudantes britânicos parecem hoje politicamente desengajados”. Basta observar as grandes manifestações estudantis e a onda de ocupações universitárias que abalaram a coalizão governamental em 2010, e o enorme apoio a Corbyn entre os estudantes na eleição geral de 2017 (que foi suficiente para tirar assentos como os de Canterbury dos Tories pela primeira vez em 100 anos), para se enxergar o erro dessa declaração.
Fisher não pode ser criticado por fracassar em prever este ou aquele acontecimento particular – nenhum de nós tem uma bola de cristal. É o seu método que está completamente errado. Ele se baseia em uma avaliação impressionista do que está acontecendo na sociedade. Ele não pode ver sob a superfície da sociedade para entender os processos subjacentes que ocorrem.
A razão pela qual Fisher não pode avançar além de uma análise superficial da sociedade é que ele não aceita a mais básica ideia marxista: “a história de toda a sociedade até agora existente é a história da luta de classes”. Na verdade, em seu livro Fisher chega a negar inteiramente a luta de classes. Ele escreve:
“O antagonismo não está agora localizado externamente, no enfrentamento entre blocos de classe, mas internamente, na psicologia do trabalhador que, como trabalhador, está interessado no antigo conflito de classe, mas da mesma forma que alguém com um fundo de pensão também está interessado em maximizar o rendimento de seu investimento”
Em outras palavras, a sociedade está reduzida à batalha interna esquizofrênica de cada indivíduo, em vez de estar baseada em divisões de classe.
Além disso, o ponto sobre as pensões, que tenta apagar as linhas divisórias entre trabalhadores e capitalistas, é fundamentalmente falso – como se as pensões não fossem por si mesmas um reflexo das contradições de classe. Na verdade, está claro para os marxistas que as pensões são meramente salários diferidos, e a luta para defender as pensões se tornou um campo de batalha fundamental na luta de classes por essa mesma razão. Além disso, o “rendimento do investimento” também depende da saúde do sistema capitalista, da própria coisa que se encontra hoje em profunda crise. Consequentemente, os trabalhadores que estão interessados em “maximizar seu investimento” estão se radicalizando ainda mais devido à essência do sistema capitalista atormentada pela crise. A incapacidade do capitalismo de pagar essas pensões é, na verdade, uma fonte de profunda instabilidade para o sistema e tende a provocar a luta de classes.
Não é de admirar que Fisher não consiga entender a consciência da classe trabalhadora ou prever movimentos de massa se seu ponto de partida é o de obscurecer a questão das pensões na luta de classes.
Socialismo científico
Os marxistas definem classe de forma científica, em termos de relações com os meios de produção. Os que são capazes de viver do trabalho dos outros, em virtude de possuírem uma fábrica, um negócio ou terra, são burgueses – a classe capitalista. Os que, por outro lado, cuja única forma de sobrevivência é vender sua força de trabalho para outros, são proletários – a classe trabalhadora. Essa compreensão científica é a base para a compreensão da luta de classes, como uma batalha entre proletários e burgueses por uma parcela maior da riqueza produzida na economia.
Quando há uma crise, cada lado tentará fazer o outro pagar por ela. O burguês tentará demitir trabalhadores e reduzir salários para cortar custos. Enquanto isso, o proletariado tende à ação coletiva, abandonando o trabalho e manifestando-se em grandes números para provar aos burgueses que sem eles a economia não funcionará, forçando, assim, concessões tais como maiores salários e melhores condições de trabalho.
As dezenas de greves gerais na Grécia em resistência à austeridade da União Europeia, o movimento de massas contra a reforma das leis trabalhistas na França; o movimento contra o governo espanhol em torno do referendo catalão, a greve geral no Brasil, o constante aumento das ações de greve na China: tudo isso e muito mais são exemplos concretos das lutas de classes que ocorreram desde que Fisher escreveu o seu livro. E tudo isso existe no mundo real, não somente na psicologia de trabalhadores individuais. São as ideias de Marx, e não as de Fisher, que realmente oferecem qualquer explicação sobre o que está acontecendo hoje no mundo.
Que caminho seguir?
São esses erros fundamentais de método e teoria que deixam Fisher sem qualquer solução real para o problema que ele identificou (172 anos depois de Marx). Todo o livro está condimentado com disparates acadêmicos pós-modernos sem sentido. Mas é quando propõe um caminho a seguir na luta contra o capitalismo que Fisher naufraga de forma mais completa e incompreensível:
“Reivindicar uma verdadeira agência política significa em primeiro lugar aceitar nossa inserção ao nível do desejo no implacável moinho de carne do Capital. O que está sendo repudiado na abjeção do mal e da ignorância é nossa cumplicidade em redes planetárias de opressão. O que se deve levar em conta é que o capitalismo é uma estrutura impessoal hiperabstrata e que não seria nada sem nossa cooperação”
E continua mais adiante:
“O que se deve descobrir é uma saída do binário motivação/desmotivação, de forma que a desidentificação do programa de controle se registre como algo diferente da apatia abatida”
A única coisa que tais declarações parecem estar dizendo (na medida em que dizem alguma coisa) é que simplesmente temos que pensar de forma diferente, e então tudo ficará bem.
Infelizmente, essa não é uma proposta prática para alguém cuja benefício de moradia foi congelado por mais um ano, ou para alguém lutando para ganhar o suficiente para sobreviver. É a proposta de um acadêmico bem pago, desconectado da realidade da vida da classe trabalhadora.
Fisher diz que “um dos vícios da esquerda é a repetição sem fim de debates históricos, sua tendência de seguir Kronstadt ou a Nova Política Econômica em vez de planificar e organizar um futuro em que realmente acredita”.
Em certo sentido, Fisher está correto aqui. Como disse Lênin, “a teoria sem ação é estéril” e não podemos nos permitir ser despistados por discussões históricas interessantes simplesmente porque são interessantes. Não somos acadêmicos, somos revolucionários.
Mas esta mesma citação de Lênin continua: “ação sem teoria é cega”. E é este lado da equação que derruba Fisher.
Se, ao considerar a melhor maneira de se combater o capitalismo, ele tivesse assumido um enfoque sério da teoria marxista, incluindo as questões do Estado (como o demonstra o assunto de Kronstadt) e o equilíbrio de forças de classe em escala global (como o ilustra a Nova Política Econômica), então ele poderia ser capaz de sugerir algo prático para os anticapitalistas seguirem em frente. Tal como estão as coisas, esse livro não oferece aos revolucionários modernos nada além de confusão e frustração.
Se quer ideias genuinamente socialistas revolucionárias, fique com Marx, Engels, Lênin e Trotsky.
Artigo originalmente publicado em 10 de janeiro de 2018 no site In Defense of Marxism, da Corrente Marxista Internacional (CMI), sob o título “‘Capitalist Realism’ and the errors of academic Marxism”.
Tradução de Fabiano Leite.