Lembrar, preservar, comemorar e aprender com a história, estes são os objetivos centrais das comemorações dos 20 anos da ocupação da Cipla. Abaixo republicamos o relato do II Encontro Latino-Americano de Fábricas Recuperadas pelos Trabalhadores, realizado em junho de 2009. O relato foi publicado na edição 23 do jornal Luta de Classes, em julho de 2009, que era órgão oficial de imprensa da Esquerda Marxista. O texto traz temas que continuam muito atuais e que precisamos retomar com força, a exemplo as manifestações no Irã e a necessidade de ocupar fábrica quando ocorre a tentativa de demissões, bem como a independência financeira como garantia de independência política. Boa leitura a todos!
A Redação.
Integralmente organizado e financiado pelos próprios trabalhadores, o II Encontro reafirma a luta pelas ocupações de fábrica em todo o mundo
Na Sala Juan Bautista Plaza da Biblioteca Nacional, em Caracas, Venezuela, se realizou o II Encontro Latino Americano de Empresas Recuperadas pelos Trabalhadores, com a presença de cerca de 200 representantes de fábricas ocupadas ou em luta, da América Latina, Canadá, Turquia e Iraque. Os principais meios de comunicação (TV, rádio, jornais, Internet) cobriram amplamente o evento garantindo uma repercussão enorme na Venezuela.
Na abertura, dia 25/06/09, o Encontro teve a presença do Ministro do Comércio, Eduardo Samán, que permaneceu a maior parte da tarde no mesmo, e expressou seu apoio e o do governo venezuelano à luta dos trabalhadores em defesa de seus empregos em todo o continente. Samán destacou que o presidente Chávez o havia mandatado para expropriar 20 empresas como um primeiro passo para garantir o desenvolvimento industrial do país, e destacou que após a expropriação da Cargill, La Gaviota, virão mais empresas, entre as quais Vivex, Gotcha e outras.
“Não podemos esperar que o capitalismo caia por si só, ainda que agora esteja em uma crise muito profunda” disse o Ministro Samán e, em seguida, chamou à organização do povo e os trabalhadores para defender e aprofundar a revolução.
Serge Goulart, coordenador do Movimento das Fábricas Ocupadas do Brasil e membro do Comitê Organizador do Encontro, abriu o Encontro dando a palavra aos membros da Mesa. O primeiro a falar foi Lalo Paret, do Movimento Nacional de Empresas Recuperadas (MNER) da Argentina, que se mostrou muito entusiasmado por se encontrar em um país em revolução, como a Venezuela, e chamou à continuação da luta pela ocupação e funcionamento das empresas quebradas em todo o continente.
Após ele, Luis Primo, membro do Comitê Organizador, dirigente sindical da UNT de Caracas-Miranda, explicou que a luta das empresas ocupadas é a máxima expressão do antagonismo entre o capital e o trabalho.
Pascuala, da empresa de enlatados de sardinhas La Gaviota, recentemente expropriada pelo governo, expôs como a luta havia mostrado que os trabalhadores podiam se unir e por a fábrica a produzir.
Félix Martínez, secretário-geral do SINGETRAM (Mitsubishi), destacou a luta contra a terceirização na Mitsubishi que culminou na tomada da empresa durante 60 dias e sofreu dura repressão. A repressão custou a vida dos camaradas Pedro Suárez e Javier Marcano, mas conquistou a incorporação dos terceirizados. Félix ainda denunciou o assassinato de líderes operários como o camarada Argenis Vásquez, dirigente do SINTRATOYOTA, em Cumaná.
Jorge Paredes, presidente da Inveval, defendeu a necessidade das empresas nacionalizadas não permanecerem isoladas e defendeu que os bancos e as principais indústrias devem ser nacionalizadas sob controle operário.
A crise do capitalismo reacende a luta das Fábricas Ocupadas
Serge Goulart fez uma introdução sobre a crise do capitalismo e a importância que ganha, nesta situação, o movimento de fábricas ocupadas. Destacou o estímulo que significa para os trabalhadores de todo o mundo a luta na Venezuela e explicou como o movimento de ocupação de fábricas está transcendendo as fronteiras e estendendo-se a novos países, inclusive países capitalistas avançados. Serge fez referência às ocupações da Republic Windows & Doors nos EUA há vários meses e mais recentemente da Visteon, na Inglaterra, assim como na França.
No dia 26/06/09, Pablo Cormenzana, autor do livro A Batalha da Inveval, expôs a experiência da luta destes trabalhadores. Pablo falou dos avanços e dos perigos que ameaçam a revolução. Se esta não se completa, se ela não avançar até o socialismo, nacionalizando os bancos, a terra e indústria básica, permitindo o desenvolvimento de uma economia planificada democraticamente. Se isso não se realiza, a revolução poderá sofrer uma reversão.
Importantes participações tiveram os camaradas Metim Yeguin, da Turquia, Gerardo Xicotencatl, presidente do Sindicato de Olímpia (México), Geoffrey McCormack delegado sindical do Canadá, e Akram Nadir, presidente (no exílio) do Conselho de Trabalhadores do Iraque.
O camarada Cesar Gonzales (Paraguai), falou sobre a situação dos trabalhadores paraguaios e colocou que a luta das fábricas recuperadas só podem ser mantidas se adotam uma perspectiva marxista clara e lutarem pelo socialismo.
Também intervieram camaradas da FLASKÔ que assinalaram o papel jogado pelo governo Lula na intervenção militar contra a Cipla e na tentativa de esmagar o movimento de fábricas recuperadas no Brasil.
O camarada Nilo Mendes, do sindicato de petroleiros do Rio de Janeiro, fez uma exposição da campanha de defesa do Petróleo e da Petrobras que se desenvolve no Brasil.
Lalo Paret e Christian, de Anta/ CTA, com outros companheiros da Argentina explicaram os choques que tem com o Estado argentino e como tem resistido aos despejos e outros aspectos de suas lutas.
Propriedade privada, propriedade social e controle operário
Depois se seguiu um debate sobre propriedade privada ou controle operário e propriedade social, introduzido por Serge Goulart, que centrou na questão da luta pelo controle operário, pela estatização das empresas, assinalando como no Brasil o governo Lula havia tentado desviar o movimento de ocupação de fábricas para o cooperativismo com o fim de empurrar os trabalhadores para a disputa de mercado e o fim de sua luta revolucionária.
Serge explicou que uma fábrica Isolada submetida ao mercado capitalista não pode subsistir e sim a que a perspectiva de uma fábrica ocupada deve ser a estatização sob controle operário. O primeiro ponto de nossa agenda é que diante dos fechamentos provocados pelos patrões o estado deve garantir os postos de trabalho nacionalizando as empresas. Serge disse ainda que a questão fundamental para os trabalhadores das fábricas recuperadas deve ser a luta pela propriedade social, contra a propriedade privada, contra o capitalismo e pelo socialismo.
Logo após ocorreu um enriquecedor debate onde se expuseram as diferentes experiências sobre o controle operário. A partir do debate sobre Argentina se concluiu que as cooperativas foram impostas aos trabalhadores das fábricas tomadas que as usaram para poder sobreviver enquanto prosseguem sua luta já que os governos reacionários não nacionalizam estas empresas.
A grande conclusão deste debate foi expressa na Declaração Final que diz que os trabalhadores lutam pela ocupação de fábricas na perspectiva de sua estatização sob controle operário, pela propriedade social, na luta pelo socialismo.
O Encontro negou assim qualquer perspectiva de estabelecimento de fábricas como propriedade privada dos trabalhadores que as ocupam. Esta foi uma conclusão muito importante do encontro.
Tribunal internacional operário e democrático para julgar a criminalização dos movimentos sociais
No sábado, dia 27, deu-se início ao debate sobre os casos de repressão aos trabalhadores das empresas recuperadas, aprovando várias resoluções. Em particular as referentes aos trabalhadores do setor automobilístico assassinados na Venezuela, Argenis Vázquez, Jose Marcano e Pedro Suarez, e no Brasil contra a intervenção na Cipla e Interfibra e os ataques contra os trabalhadores da Flaskô. Pedro Santinho coordenador do Conselho de Fábrica da Flaskô mostrou um vídeo fazendo um relato da intervenção das tropas federais na Cipla explicou a sabotagem patronal-governamental para derrotar a Flaskô. Pedro denunciou as recentes ameaças de penhora de faturamento da fábrica e mesmo de seus bens pessoais.
A camarada Vanessa Castro Borda, da Argentina, apresentou a repressão que sofrem os dirigentes das fábricas ocupadas na Argentina, como Eduardo Murúa e Castillo, processados e impedidos de sair da Argentina. Como eles existem muitos outros casos de repressão contra os trabalhadores.
A proposta de realização de um “Tribunal Internacional Operário e Democrático que Julgue a Criminalização dos Movimentos Sociais” foi aprovada por unanimidade.
Este Tribunal será organizado com sessões preparatórias de caráter público e com ampla divulgação e cada país, concluindo com um grande evento internacional do Tribunal. Uma comissão de advogados do movimento das fábricas na América Latina se encarregará de prepará-lo em comum acordo com o Comitê Organizador.
Ocupar, resistir e produzir rumo ao III encontro
A Declaração Final foi lida por Lalo Paret, sendo aprovada por unanimidade. Outras resoluções foram aprovadas: uma declaração a favor dos trabalhadores e do povo iraniano que tem se mobilizado nas últimas semanas contra a fraude eleitoral e o regime despótico dos mulás; uma resolução em apoio à luta dos trabalhadores de Olympia, no México; resolução de saudação aos trabalhadores do Canadá que ocupam fábricas, uma resolução de estabelecimento de uma aliança entre os trabalhadores do Iraque e Turquia com o movimento das fábricas ocupadas na América Latina; assim como a exigência dirigida a Lula para que retire a intervenção policial e devolva as fábricas Cipla e Interfibra ao controle de seus trabalhadores.
Depois de finalizar o evento os participantes se dirigiram até a marcha organizada pelos jornalistas revolucionários que apóiam a revolução venezuelana, contra o terrorismo midiático, indo até a Assembléia Nacional, na qual se manifestaram milhares de pessoas em Caracas.
Todos afirmam que o balanço do II Encontro é muito positivo e que foi um salto de qualidade em relação ao I Encontro, em 2005. Em primeiro lugar porque foram os próprios trabalhadores que organizaram e pagaram, auto sustentando-o, das passagens à estadia e demais gastos. E porque diante da arremetida da crise capitalista em todos os países do continente a luta em defesa do emprego por meio da tomada e ocupação de fábricas vai recrudescer e para isso é fundamental que toda experiência se mantenha para que novos setores da classe trabalhadora se incorporem na luta.
Como Acordo Final foi aprovado por unanimidade que o III Encontro seja realizado em Buenos Aires, Argentina, e tenha um caráter não somente latino americano, mas também internacional, incluindo Europa, Oriente Médio e Ásia.