Relato sobre “Ato público em Defesa do Direito à Moradia”, realizado na Vila Soma

Nota da Esquerda Marxista: O militante da Esquerda Marxista Alexandre Mandl participou e interviu no “Ato Público em Defesa do Direito à Moradia”, realizado sexta-feira (18), na cidade de Sumaré (SP), com a presença de Lula e Guilherme Boulos. Seu relato segue abaixo. Nos fizemos presentes como parte do movimento de ocupação da Vila Soma. Mas fazemos as críticas necessárias a Lula, e não nos iludimos com sua fala no evento. Em nossa avaliação, trata-se de uma manobra de autodefesa contra as acusações de corrupção, e também de caráter eleitoral visando as eleições presidenciais de 2018. É bom lembrar, foi Lula que se recusou a estatizar a Fábrica Ocupada Flaskô, também localizada na cidade de Sumaré, durante os 12 anos de governo do PT, e, como explicado no relato, não apresentou soluções reais para o problema da moradia. Estas são algumas das consequências da política de colaboração de classes que Lula defendeu e aplicou, e que levou o PT à atual situação.


Sobre a visita de Lula à Vila Soma, convocada como um ato em defesa do direito à moradia, entendo que a mesma cumpriu com seu objetivo principal: seguir chamando a atenção do drama das famílias que lutam contra a reintegração de posse, justamente porque ocuparam uma área central e com alto interesse da especulação imobiliária, e tendo Lula, como ex-presidente e um articulador com muitos setores, evidentemente, isso ajuda às famílias, mostrando grande capacidade de mobilização, expondo seu “peso” no cenário nacional.

Em nome das famílias, apresentamos a todos os presentes, inclusive ao Lula, que o Minha Casa Minha Vida não resolveria a dinâmica do direito à cidade e mesmo o direito à moradia. Na própria cartilha do MTST, com nosso companheiro Boulos, ali ao nosso lado, explica-se claramente tais problemas.

Mostramos que é necessário a regularização na área atualmente ocupada, e não o deslocamento para outra área. Mostramos que poderia fazer desapropriação ou adjudicação por interesse social. Mostramos que sim, lamentavelmente, isso não foi a opção feita pelo governo de Dilma para tratar da Vila Maria e Vila Soma, como havíamos apresentado, junto com o Dito da CMP, Evaniza da UMM e Boulos, do MTST.

Mesmo antes, durante a absurda ação criminosa do Pinheirinho, em São José dos Campos/SP, em 22 de janeiro de 2012, vimos que não se poderia aceitar qualquer coisa diferente do que a regularização na área. Alckmin continua sendo o responsável direto por isso. Mas o governo federal vacilou quando em dezembro de 2011, com mais de 5 mil pessoas estivemos na Av. Paulista, junto com MTST e Pinheirinho, e, atendidos por Gilberto Carvalho, afirmou que “não precisávamos nos preocupar com o Pinheirinho, pois estava tudo resolvido”. Subestimaram a força dos reaças, a força do capital. Esse erro não deixaremos ocorrer.

Não tenho ilusão no Lula. As famílias idem. Não são bobas. Se é verdade que ainda possuem referência no Lula, como ex-torneiro mecânico, nordestino, “um dos nossos” como sempre dizem, e isso não é pouca coisa, também sabem que foi sob o seu governo que a lógica da especulação imobiliária continuou, mesmo com o MCMV. Justamente esta é a contradição. Quanto mais MCMV, maior o déficit. As principais vozes do urbanismo brasileiro, como Erminia Maricato, Raquel Rolnik, Cibele Rizek, entre tantas outras, mostram com dados profundos esta realidade. Enfim, mostramos, com a prática da experiência da luta das famílias da Vila Soma, que só a luta faz sobreviver.

Pessoalmente, sou um crítico ferrenho das opções feitas por Lula. Milito numa organização, a Esquerda Marxista, que tem atuado diretamente na Vila Soma, apoiando e ajudando na resistência e na construção das perspectivas. A conciliação com a burguesia, expressa na aliança do PT com o PMDB e com vários setores da construção civil, entre tantos outros representantes, como Meirelles, Maluf, etc, mostra o que Lula realmente falou várias vezes no ato ontem. Ele não mente. Ele defende que “sim é possível governar para todos”, “conciliar interesses”, promover desenvolvimento para os pobres mesmo manter o tripé econômico.

Vejam, apontar tais críticas em nada tem a ver com ser favorável a qualquer coisa que o Temer está fazendo agora. Longe disso. Ao contrário, o que reforcei em minha fala ontem, tanto na reunião da coordenação e apoiadores com ele, explicando a luta e o histórico da Soma, como no caminhão de som, me dirigindo diretamente às famílias da Vila Soma, é que estamos diante de uma profunda polarização de classes, e que as coisas precisam ficar claras. Há lados. As famílias da Vila Soma estão de um lado. Lutamos pela expropriação das terras, para serem destinadas às famílias que lutam por um teto.

Lula, nesse sentido, sabendo a perspectiva de luta das famílias da Vila Soma, se colocou ao lado disso. Se é isso, como dito por ele em várias oportunidades, sensibilizado ao ir conversando com milhares de famílias, apaixonando-se pela Vila Soma, como realmente é apaixonante, prometendo voltar novamente para a Vila Soma, ele passou a assumir um compromisso de um lado da história do movimento de moradia. De forma clara ele, inclusive, reconhece que o MCMV atendia os empresários da construção civil, gerava empregos, mas que a moradia era apenas um dos aspectos, e hoje, para todos que minimamente acompanham a situação dos “predinhos”, sabem de todos os problemas que recaem sobre isso.

Enfim, o que quero aqui expressar é que na minha opinião a grande importância de Lula ter ido na Vila Soma foi mostrar que outra política de habitação precisa ser feita, sobre outros ditames, refletindo mudanças inclusive sobre o que ele mesmo fez durante o governo.

Agora, claro que, na atual conjuntura, ele também usaria o espaço para fazer sua defesa, pessoal e de seu governo, apresentar a agressividade de Temer e seus capachos, e respiraria junto às famílias mais humildes de que há outra forma de lutar e enfrentar os poderosos.

Afirmamos de cara limpa e cabeça erguida, que somente a luta é capaz de mudar nossas vidas. Não haverá “presente” de ninguém. É nas ruas e nas lutas… e que as famílias da Soma avisam… “Pisa Ligeiro, Pisa Ligeiro, quem não pode com a formiga, não assanha o formigueiro”. Parabéns, Vila Soma! Um dia muito importante, sem dúvidas! Um ex-presidente, eleito pela classe trabalhadora, que expressava grandes perspectivas, pisa na Vila Soma, se soma à Vila Soma, se coloca à disposição da Vila Soma. Isso não é pouca coisa. Comemoramos bastante. Devemos mesmo comemorar.

Desta forma, foi lindo ver a alegria das famílias, que estava estampada no rosto de cada um… segue-se a luta com esperanças, mas sem ilusões… pois, ao mesmo tempo, temos a certeza de que somente com muita luta é que se conquistou a permanência até hoje na Vila Soma. Nisso tenho pleno acordo com Lula. Essa é a dignidade que o Lula falou que a burguesia quer tirar das famílias da Soma. É isso que sempre dissemos… vamos enfrentar aqueles que dizem que “é um perigo a Vila Soma triunfar, pois imagine se a moda pega?”. Seguiremos lutando para que sim, a moda pegue. Frase essa que já tínhamos ouvido enquanto Movimento das Fábricas Ocupadas, durante o próprio governo Lula. A vida segue. A luta segue. A história vai se construindo, dizendo os acertos e erros. Que o exemplo da luta da Vila Soma ganhe as ruas, a história e ajude o conjunto do movimento de moradia a avançar. Viva a luta da Vila Soma! Um orgulho fazer parte desta resistência…