No dia 18 de janeiro, o presidente Lula e o Ministro do Trabalho, Luiz Marinho, reuniram-se com representantes de 10 centrais sindicais do país. Os sindicalistas entregaram para o governo “a pauta da classe trabalhadora”, elaborada na Conferência da Classe Trabalhadora (Conclat), realizado em abril do ano passado.
Na edição 18 do Jornal Tempo de Revolução, já explicávamos que a direção do movimento sindical havia feito um encontro sem nenhuma preparação na base das categorias e que as resoluções aprovadas estavam distantes de buscar resolver os problemas fundamentais da classe trabalhadora. Dessa forma, o atual Conclat não continha nem a sombra dos primeiros Conclats, que foram precursores da fundação da CUT.
Mas, afinal, qual foi a tônica da primeira reunião entre o governo e as lideranças sindicais? O que foi decidido? E por que concluímos que a reunião ignorou os problemas fundamentais que afligem a classe trabalhadora do país?
Representantes sindicais
Cada liderança de central sindical teve apenas três minutos para expor suas ideias e reivindicações. A maioria dos representantes usou pelo menos metade desse curto tempo para saudar a eleição de Lula e rasgar elogios ao governo recém-empossado e para condenar a invasão dos prédios da Praça dos Três Poderes. Exigiam corretamente investigação e punição aos envolvidos e responsáveis, mas como forma de defender a democracia e proteger as instituições burguesas e não para fazer avançar a mobilização da classe trabalhadora e da juventude, única maneira de se varrer o bolsonarismo e a extrema-direita.
Em seguida, no pouco tempo restante, os representantes sindicais falaram alguma coisa relacionada à “pauta da classe trabalhadora”. Sergio Nobre, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), elogiou a recriação do Ministério do Trabalho e defendeu seu fortalecimento. Ora, ora, mas o papel primordial do Ministério do Trabalho é tutelar e integrar os sindicatos ao aparelho do Estado e às políticas tripartites de gestão do mercado de trabalho, ou seja, que organiza a exploração do trabalhador! Onde foi parar a reivindicação original da CUT de liberdade e independência sindical, por sindicatos livres e pelo fim da estrutura sindical da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), que segue vigente?
Miguel Torres, da Força Sindical, ressaltou genericamente a necessidade de reforçar as negociações coletivas entre patrões e empregados e mostrou-se bastante preocupado com o financiamento das entidades sindicais. Disse que não queria a volta do imposto sindical, mas ficou claro que defendia o estabelecimento de algum mecanismo que permita ao sindicato recolher compulsoriamente o dinheiro dos trabalhadores, prática comum hoje e clausulada em quase todos os acordos e convenções coletivas, mas que não está consagrada em lei. Quer dizer então que o dirigente quer mais dinheiro para fortalecer o sindicato? Será que ele conhece uma prática conhecida como sindicalização dos trabalhadores? De nossa parte, defendemos que as entidades sindicais sejam financiadas exclusivamente por contribuições voluntárias dos trabalhadores, como única forma de garantir total independência dos patrões e do Estado.
Já Adilson Araújo, da CTB, defendeu a chamada política de valorização do salário mínimo dos governos petistas anteriores e reivindicou que o salário mínimo passe para R$ 1.343,00 ao invés dos R$ 1.302,00 previsto no Orçamento para 2023. É evidente que quanto maior for o salário mínimo, melhor, mas a verdadeira discussão é: qual deve ser o valor do salário mínimo para que atenda as necessidades vitais dos trabalhadores? O DIEESE calcula que deveria ser de R$ 6.388,55! Portanto, essa discussão está longe, muito longe do necessário!
Já a fala de Antonio Neto, da CSB, merece uma atenção especial porque escancara como os principais líderes sindicais encaram os problemas da classe trabalhadora. “Seria muito bom se houvesse uma Medida Provisória para revogar a Lei da Terceirização irrestrita, a Reforma Trabalhista e a Lei da Liberdade Econômica, mas vamos ver o que vai ser possível.” Quer dizer, já desiste antes mesmo de iniciar o combate por tudo aquilo que é fundamental à classe trabalhadora… “vamos ver o que vai ser possível”… Não! Mil vezes, não! Direitos não se negociam! Temos é que continuar o combate pela revogação da reforma trabalhista, previdenciária, da lei da terceirização e todas as medidas que retiraram direitos dos trabalhadores!
E por um breve momento, Ricardo Patah, da UGT, parecia tocar em pontos chaves da situação de exploração da classe trabalhadora, ao comentar sobre a realidade dos trabalhadores de aplicativos e plataformas digitais e quando chamou a atenção para o rombo das Lojas Americanas, mas concluiu dessa forma: “sou comerciário e nós temos a questão das Lojas Americanas: 40 mil pessoas que podem ter problema de uma hora para outra”. (…) “Queremos construir um Brasil solidário, um Brasil cidadão, com inclusão social”. O problema que 40 mil pessoas podem ter uma hora para outra é o desemprego, fruto de uma fraude contábil fabricada durante pelo menos 10 anos! E palavras como solidariedade, cidadania e inclusão social são vazias de sentido, se nada for feito para preservar os empregos agora!
Mas e as centrais consideradas mais à esquerda do espectro político sindical?
A companheira Nilza Pereira, da Intersindical – Central Sindical, destacou que é preciso avançar na luta por igualdade de oportunidades e de direitos entre homens, mulheres e trabalhadores negros e trabalhadoras negras.
O companheiro Emanuel Melato, da Intersindical – Instrumento de Lutas, foi o mais breve de todos e afirmou que tem que haver mobilização para enfrentar o Congresso porque o Congresso é hostil e tem que haver mobilização porque governo nenhum dá nada de graça para os trabalhadores.
Por fim, o companheiro Luís Carlos Prates, o Mancha, da Conlutas, foi o único que falou em reverter a privatização da Eletrobrás e da Petrobrás.
Mesmo levantando questões importantes, essas três centrais não têm força suficiente para colocar a classe trabalhadora em movimento, mesmo que unidas. Acabam sempre ficando à reboque das grandes centrais, em particular da CUT. E, nas suas próprias bases, acabam reproduzindo as piores práticas do movimento sindical, como o financiamento compulsório sobre os trabalhadores, a imposição de restrições à democracia operária e outras medidas burocráticas para defender a máquina sindical, exatamente porque não romperam com a estrutura sindical oficial, que garante a tutela do Estado e a unicidade sindical, ao invés da liberdade sindical.
Lula e Luiz Marinho
Após a fala dos dirigentes sindicais, o presidente Lula assinou um decreto que estabelece um Grupo de Trabalho interministerial e com participação da sociedade civil para discutir a política de valorização do salário mínimo.
Já Luiz Marinho, Ministro do Trabalho, anunciou a criação de dois Grupos de Trabalho: para a Valorização dos Sindicatos e das Negociações Coletivas e para Regulamentação do Trabalho em Aplicativos e Plataformas Digitais. Portanto, nada de concreto, apenas comissões para integrar os sindicatos na gestão pública. Mas são decisões coniventes com o caráter do governo: de união nacional entre burguesia e proletariado. O ministro Luís Marinho confirma: “no nosso governo não tem canetaço, tem construção de entendimento. No campo das relações de trabalho, nós vamos construir entendimentos, consensos”. Mas, por exemplo, como atender os direitos dos trabalhadores de aplicativos se as grandes empresas do setor lucram com a superexploração? Pedindo humildemente que parem?
E por falar nisso, o ministro comentou sobre a situação dos trabalhadores no Brasil, em particular o de aplicativos: “estão tornando o trabalhador, praticamente, em semiescravo, de forma regulada pela atual legislação, que nós vamos visitar, uma por uma, para poder discuti-las. Contudo, nós precisamos ter consciência do tamanho das demandas e da complexidade do que estamos falando”. Assim, Luiz Marinho promete olhar e discutir tudo e não fazer nada!
Mas, bastou anunciar que o governo discutiria a regulamentação do trabalho em aplicativos para convencer as lideranças sindicais e de movimentos de trabalhadores desse setor a desmarcar a greve nacional que estava convocada para dia 25 de janeiro. Nenhuma medida concreta foi tomada para garantir qualquer direito à categoria, mesmo assim, a greve foi desmontada…
Já o presidente Lula, entre outros pontos, voltou a defender que o salário mínimo seja reajustado pela inflação, mais um percentual de acordo com a variação do PIB. Trata-se de uma medida muito tímida, pois na prática significa que o valor vai continuar muito baixo por dezenas de anos e dificilmente alcançará o valor definido pelo DIEESE. Um verdadeiro programa de valorização do salário mínimo teria que alcançar essa meta e, de fato, é possível estabelecer o salário mínimo de acordo com o DIEESE, desde que a dívida pública não seja paga! Mais de 40% do Orçamento público é destinado todo ano para o pagamento de juros de uma dívida que não para de crescer e que só beneficia os grandes credores, os bancos e fundos nacionais e internacionais de especulação financeira.
Lula também voltou a uma promessa de campanha de isentar do imposto de renda os trabalhadores que ganham até cinco mil reais e que para isso teria que fazer uma reforma tributária, segundo ele, “para incluir o pobre no Orçamento e o rico no imposto de renda”. Não é necessário fazer uma reforma tributária para reajustar a tabela do imposto de renda, isentar os trabalhadores e aumentar as alíquotas de arrecadação sobre quem ganha mais. É preciso passar das palavras à ação!
Já com relação à reforma tributária, os trabalhadores precisam ficar atentos porque os empresários fazem lobby no Congresso para que se retire impostos sobre a folha de pagamento, a produção e os lucros pois isso diminui a carga sobre eles, mas piora a situação sobre nós. Não podemos cair na armadilha de negociar um direito, como isenção do imposto de renda, em troca de perder salário indireto em forma de impostos sobre a patronal, como INSS, FGTS e PIS, por exemplo.
Classe trabalhadora
Após esse relato, é possível perceber que tanto por parte dos dirigentes sindicais, quanto por parte do governo, não haverá nenhuma mudança significativa nas condições de vida e de trabalho da classe trabalhadora.
Temas urgentes, como a situação dos trabalhadores por aplicativo, fora relegadas a um grupo de trabalho no Ministério do Trabalho. A privatização da Eletrobrás – recomendada pela mesma empresa que negligenciou a fraude nas Lojas Americanas e levada à cabo pelo governo Bolsonaro – quase nem foi mencionada na reunião. Uma vergonha! Reverter a privatização da Eletrobrás é urgente, ainda mais à luz dos fatos de como foi feita!
Aliás, o escândalo das Lojas Americanas, uma fraude de R$ 20 bilhões, que coloca em risco 40 mil empregos diretos e milhões de outros indiretos também nem sequer entrou em pauta. Tampouco foram debatidas as duas mil demissões de uma fábrica têxtil em Fortaleza, ligada ao grupo Riachuelo. Uma reunião com 10 centrais sindicais e um presidente da República ex-sindicalista não colocar no centro do debate a defesa dos empregos é inaceitável!
Assim, está claro que não resta alternativa para a classe trabalhadora que não seja reforçar sua auto-organização e apostar todas suas fichas na mobilização independente se quisermos avançar na luta para recuperar e conquistar direitos!