O genocídio palestino promovido pelo Estado sionista de Israel com o apoio do imperialismo, especialmente norte-americano, passou a ser acompanhado pela tentativa de guerra total do governo Netanyahu. A ação trouxe aos noticiários diários da barbárie capitalista a República Islâmica do Irã.
O papel central do Estado iraniano nas disputas entre as classes dominantes em toda a região, junto às interferências imperialistas, é amplamente conhecido. Mas, como comunistas, é preciso pôr uma lupa na história do processo que transformou a sociedade persa, a revolução iraniana de 1979.
Um legado laico contra o fundamentalismo
A Pérsia desenvolveu uma das maiores civilizações da Antiguidade chegando, em seu auge, a possuir 40% da população mundial à época, número nunca alcançado por outro império. A extensão territorial, a potência militar, o florescimento cultural e artístico, o domínio sui-generis de outros povos e, em um contexto histórico onde líderes supremos eram os próprios deuses, a extraordinária laicidade sob o domínio de Ciro II são marcas do Império Aquemênida, o majestoso poder persa no planalto iraniano.
Em 3 mil A.C, os elamitas chegaram neste planalto ao sudoeste da Mesopotâmia. Já por volta de 1.500 A.C., tribos arianas, principalmente os medos e os persas, conquistaram-o, chamando a região de Irã, a “terra dos arianos”. Mas foi no século 7 A.C. que os medos estabeleceram um poder organizado capaz de dominar o povo persa com a capital em Ecbátana, atual Hamadã, no sudoeste do Irã.
Porém, no século seguinte, em cerca de 550 A.C., segundo a historiografia mais atualizada, o poder confederado dos medos, afrouxando-se pela implacável luta entre as classes e as condições materiais da região, foi derrotado pela rebelião liderada pelo persa Ciro II. O novo poder unificou os povos e constituiu um Estado centralizado e com ações expansionistas que chegou a atingir 5 milhões de km², do rio Indo à Turquia, do Egito ao mediterrâneo oriental. Somente no século IV A.C. o império entra em contradições irresolvíveis e é conquistado pelos macedônios, dirigidos pelo aluno de Aristóteles, Alexandre III, em 330 A.C.
O poder persa dominava cada local por meio das satrapias, províncias administrativas, devedoras aos centros do império, como Pasárgada e Persépolis. O desenvolvimento tecnológico em transporte e comunicação foi enorme com a construção de estradas incomparáveis para o período.
Como dito, distinto dos demais impérios, o domínio persa sobre os demais povos permitia suas culturas diferentes e incentivava os intercâmbios para o avanço de seu próprio povo. Claro, isso se as populações dominadas fossem submissas ao controle econômico e à soberania dos imperadores persas. Mas, indubitavelmente, essa laicidade religiosa e cultural complexificou e enriqueceu toda a região, deixando sua marca nesse povo e influenciando as relações e disputas na luta de classes iraniana pela história.
Milhares de anos depois, em 1935, o monarca afeito ao nazismo e submisso ao imperialismo britânico, o Xá (rei) Reza Pahlevi, determinou à comunidade internacional a substituição do nome do país: de Pérsia a Irã. Ele buscava remontar aos primeiros povos arianos no planalto e não ao legado persa.
Isso porque, àquela altura, ser persa, aos olhos desse autocrata, não representava seus interesses materiais junto aos britânicos, alemães e norte-americanos. Ser persa expressava tanto o profundo caráter regional, com suas tradições imperiais e culturais, quanto também o xiismo islâmico, que passou a ser uma espécie de identidade nacional.
Vale lembrar que, atualmente, a tendência xiita é a minoritária no islamismo, abrangendo cerca 10% dos muçulmanos em todo mundo. Eles acreditam somente na sacralidade do primo do Profeta Maomé, Ali ibn Abi Talib, e sua descendência, em oposição aos Califas sunitas e suas escrituras extras ao Alcorão.
Essa particularidade, que aponta para a Pérsia, ou o Irã, como de maioria xiita se deu a partir de 1501, quando Ismail I conquistou o império e fundou a Dinastia Safávida. A crença no xiismo duodecimano (onde haveriam os doze imãs, os reais representantes religiosos e políticos, como os únicos sucessores “genealógicos” de Mohammad), impôs a conversão forçada dessa população que, à época, era sunita. Como adendo, é importante lembrar que tanto sunitas, quanto xiitas, têm no interior de suas correntes diferentes interpretações do Islã, logicamente determinados pelo contexto de cada período, nos mais de 1.400 anos de existência dessa religião monoteísta.
Contudo, na realidade, não foi a ação simbólica do Xá a responsável por levar a Pérsia e seu legado laico ao Irã fundamentalista islâmico. A crise da direção proletária persa diante dos acontecimentos explosivos no país no fim dos anos 1970, que contou com o duplo poder disputado por conselhos operários, as shuras, e o papel contrarrevolucionário exercido pela burocracia soviética e sua sucursal iraniana entregaram a classe trabalhadora aos xiitas.
Morte ao Xá: não há vácuo na luta de classes
“A religião é a autoconsciência e o autossentimento do homem que ainda não se encontrou ou que já se perdeu. […] O homem é o mundo do homem — o Estado e a sociedade. Este Estado e esta sociedade produzem a religião: uma consciência de mundo invertida, porque vivemos num mundo invertido, um mundo em que as relações humanas naturais são invertidas” (Marx em “Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, 1843).
A ruptura do Irã com o imperialismo e seus interesses no ouro líquido, o petróleo, em 1979, levou a burguesia imperialista construir sua narrativa contra a revolução iraniana, que, segundo eles, teria feito a girar para trás a roda da história, colocando esse povo novamente no século VI. Entretanto, o motor da história não são as fantasias religiosas, mas a luta de classes e suas expressões em cada tempo e espaço.
A classe trabalhadora persa vivia décadas de contradições sociais e econômicas em um espaço rico não só de história, mas de matérias-primas fundamentais para a produção mundial. Tais condições materiais e a ausência de uma direção comunista levaram um movimento revolucionário com protagonismo operário a ser cooptado pelo xiismo, que conseguiu estabelecer uma força bonapartista e teocrática no país, arbitrando as classes, as relações internacionais, os modos de vida e o Estado burguês iraniano.
No início do século XX, a Pérsia estava sendo disputada pelos imperialismos britânico e russo. Como resultado disso, em 1907 o território foi dividido em duas áreas de dominação, uma para cada império. Com a explosão da Guerra Mundial em 1914, essa condição transformou a terra dos arianos em um campo de batalha com sua classe trabalhadora tendo de sobreviver entre balas e interesses imperialistas.
O Xá do período, Ahmad Qajar, se demonstrou um governante sem qualquer defesa dos interesses nacionais, em completa submissão às disputas de russos e britânicos, que, além da disputa econômica, utilizavam o local para atacar o Império Turco-Otomano. Mas essa posição estratégica teve serventia ainda maior ao império britânico quando, em outubro de 1917, a classe trabalhadora assaltou os céus e tomou o poder do Estado na Rússia. O território iraniano passou a ser um caminho para os exércitos da reação capitalista tentar, frustradamente, dissolver o poder soviético.
Em 1919, o Xá Qajar firmou um acordo com o rei britânico Jorge V concedendo a exploração petrolífera do Irã de forma praticamente exclusiva para o Reino Unido. Com esse acordo, obras públicas para viabilizar a extração surgiram com o empréstimo de cerca de 2 milhões de libras e um conselho britânico enviado para controlar diretamente o governo persa.

Como não seria diferente, a indignação do proletariado iraniano aumentou com tamanhas invasões e usurpações de seu país por forças externas. O nacionalismo cresceu como uma resposta a isso, a luta de classes pulsou. Em 1920, o Partido Comunista do Irã foi fundado, como reflexo do movimento comunista mundial e o nascimento da Internacional Comunista, no ano anterior por Lênin, Trotsky e os demais comunistas de todo o mundo.
Nesta década, um novo rei foi coroado, em 1925. Com a chegada do Xá Reza Pahlavi ao poder, outro chefe militar apoiado por britânicos e alemães, a construção da ferrovia Trans-Iraniana foi realizada, além de outras ações no país financiadas com o intuito da exploração de suas riquezas. Mas, ao passo dessas obras, deu-se o fortalecimento do Partido Comunista que pôs fogo no país, organizando greves têxteis, ferroviárias e petroleiras. Em consequência, o governo fantoche do Xá reprimiu com veemência os revolucionários, prendendo-os e condenando os ideais comunistas no país.
O governo de Reza Pahlavi, como parte do projeto imperialista, também utilizou o capital alemão e britânico para fundar a Universidade de Teerã e industrializar setores do país. O Xá fantoche atiçou nos setores mais religiosos da sociedade persa o ódio ao, assim chamado, ocidentalismo, que ameaçava as tradições e o próprio xiismo iraniano.
Ressaltamos, novamente, que essa é a aparência da revolta que levaria à explosão de 1979. A força do Partido Comunista na década de 1920 foi dissolvida, tanto pela repressão estatal quanto pelas derrotas do movimento comunista organizadas pelas mãos da Internacional Comunista sob o controle das políticas burocráticas e nacionalistas do stalinismo. Como não há vácuo na luta de classes, foram os reacionários interesses xiitas os capazes de capitalizar para si essa situação política e começar a articular suas revoltas contra o Xá e o imperialismo.
Com a Segunda Guerra Mundial, o país seguiu sendo estratégico por terra e petróleo. Em 1941, por exemplo, apenas os comboios via a Trans-Iraniana promoviam a chegada de armamento e comida aos soldados soviéticos após a invasão nazista na Rússia.
Mas com a posição do Xá a favor de Hitler e Mussolini, os aliados intensificaram seu controle no Irã, resultando na sua retirada do poder. Seu substituto foi seu filho, Mohammad Reza Pahlavi, o último Xá do Irã.
De certo modo, o novo boneco britânico teve um papel importante de colaborar no combate ao nazismo e em libertar presos políticos, que meses depois, fundaram o Partido Tudeh. Este era um partido nacionalista, autoproclamado “marxista-leninista”, a sucursal, em programa e método, de Moscou. O Tudeh cumpriu o papel de lançar a campanha de nacionalização da Anglo-Persian Oil Company, fundada em 1909 pelos decretos que cederam o petróleo à burguesia britânica. Porém, com um programa rebaixado às questões nacionais e do “poder popular”, característico do stalinismo, foi determinante para a derrota dos comunistas e de toda a classe trabalhadora iraniana.
Com essa fórmula, o Tudeh foi a primeira organização de massas do Irã, um país que em 1945, no fim da guerra, estava imerso na miséria. Inflação, escassez de produtos de primeira necessidade, pobreza no campo e na cidade. A barbárie pós-guerra em um país dominado. Ainda assim, o imperialismo, desta vez com o porta-voz norte-americano, o presidente Harry Truman, denunciava a “ameaça comunista” no Irã. Para combater o Tudeh, Truman firmou acordo militar para treinar as forças armadas iranianas, mais um elemento “ocidentalizante” que instigou os xiitas.
Em fevereiro de 1949, o Xá foi atingido com um tiro, em uma cerimônia na Universidade de Teerã, e é o partido “marxista-leninista” acusado do atentado. Seus militantes são presos ou fogem para a URSS e a “esquerda” sucumbe no país. A oposição ao Xá e ao imperialismo estava nua, a classe trabalhadora sem referências e direção política. Mas, no ano seguinte, em 1950, um ex-órfão, que iniciou seus estudos no xiismo quando o Partido Comunista foi fundado, chamado Ruhollah Hendi Khomeini, foi nomeado Aiatolá, o cargo mais elevado no clero islâmico xiita…
As disputas pelo petróleo se acirraram também entre as classes dominantes nacionais, e, em 1951, o primeiro-ministro iraniano Mohammad Mosaddeq decidiu nacionalizar o ouro líquido contra os britânicos. Em resposta, o imperialismo proibiu a “colônia” a vender seu petróleo e ameaçou o envio de frotas de guerra ao país. A posição nacionalista de Mosaddeq, indo para o confronto com o imperialismo inclusive com declarações nas Nações Unidas, levaram-no à deposição.
Sem primeiro-ministro, sem oposição à esquerda, sem forte organização sindical e revolucionária, o poder se concentrava nas mãos do Xá e dos interesses imperialistas. Para intensificar isso, em 1957, o Xá e a CIA criaram a Savak, inteligência nacional de repressão do Estado, com seus 65 mil policiais e métodos de tortura, funcionando nos moldes do Mossad israelense e com os instrumentos da inteligência dos EUA, para esmagar os opositores.
Nesse contexto, após a morte do principal Aiatolá do país, o Borujerdi, Khomeini ocupou seu lugar para tomar o protagonismo da oposição fundamentalista, ainda mais acentuada com a “revolução branca” do Xá iniciada em 1963. Um sistema educacional “ocidentalizado”, o voto feminino e outras reformas sociais foram acompanhadas do combate às tradições islâmicas, com as vestimentas islâmicas das mulheres. Mas, apesar das reformas, a condição de vida não teve um salto relevante para a população, ainda dominada pelo imperialismo.
Eram as águas do xiismo encontrando-se com a revolta popular na curva do rio Zayandeh…
Através de diversas ações de agitação e propaganda xiita, o Aiatolá Khomeini tornou-se, pouco a pouco, a voz contra a situação. Entre as denúncias às condições de vida e ao imperialismo, Khomeini denunciava o anti-islamismo do Xá e dos Estados Unidos, integrando essa luta também contra o Estado sionista de Israel.
Cumprindo esse papel, Khomeini foi preso em 5 de junho de 1963. Era a fagulha que faltava para a explosão de intensas manifestações no país, que tomaram Teerã, Qom, Mashhad e Shiraz em apoio ao líder religioso. A resposta do Xá foi mais repressão, assassinando 15 mil pessoas.
Liberto após 8 meses, Khomeini voltou a ser capturado em 1964 e enviado ao exílio, como tentativa do Xá em amenizar sua influência no país. Mas, ao invés disso, o xiita passou a instigar a revolta à distância, enquanto os EUA seguiram usando o Irão como base, desta vez, na guerra fria contra a URSS.
Na década seguinte, em 1977, um novo elemento aguçou o espírito nacional: o filho de Khomeini foi morto no Iraque, e os religiosos no Irã culpabilizam a Savak do assassinato. Nos meses seguintes, manifestações da juventude varreram o país e a reação do exército do Xá continuou feroz. Em agosto de 1978, desta vez abertamente, a Savak incendiou o Cinema Rex, que projetava um filme de apologia à revolta camponesa contra o governo, deixando 400 mortos em Abadã, na província de Cuzistão, o centro da extração de petróleo do Irã. Foi o definitivo estopim da revolução!
Nos dias seguintes, ecoaram pelas ruas do Irã o slogan: “Morte ao Xá!”. Habilidoso, Khomeini ordenava protestos pacíficos em sua retórica, enquanto todas as manifestações acabavam em sangue, aumentando a tensão das massas. Diante disso, o Xá declarou lei marcial e as proibidas manifestações se espalharam com mais mortes, tendo a maior expressão a conhecida “Sexta-feira Negra”, em Teerã, em 8 de setembro de 1978. Vale lembrar o papel exercido por Saddam Hussein nesse momento, quando, à mando do Xá, direto do Iraque, enviou Khomeini para o exílio em Paris, em mais uma tentativa de isolá-lo da luta de classes no Irã.

Impossível de parar, milhões de pessoas seguiram nas ruas em dezembro de 1978 e a repressão fracassou ao ponto do imperialismo norte-americano assumir que sustentar o governo do Xá já era causa perdida. Com o abandono dos EUA, incluindo a nomeação do governo Carter de um primeiro-ministro da “oposição”, Shapour Bakhtiar, o poder do Xá se esvaiu. Como resultado, em 26 de janeiro de 1979, o ano da revolução, o Xá Reza Pahlavi abandonou o Irã, Bakhtiar liberou os presos políticos e a expressão à imprensa opositora ao regime, dissolveu a Savak e permitiu o retorno de Khomeini. Nestes dias, surgiu um “duplo poder” entre os comitês operários, chamados de shuras, os soviets iranianos, e o poder clerical que se consolidava entre as massas.
Aqui, é importante destacar o papel de um “revolucionário islâmico” chamado Ali Chariati, um personagem-chave para mobilizar, principalmente, a juventude contra o Xá e o imperialismo. Uma espécie de guia espiritual, teórico e carismático, Chariati defendia que o islamismo deveria incorporar pensamentos marxistas – mais deturpado que isso seja. Guerrilheiro, ele foi responsável pela ala mais radical da revolução, possibilitando, na prática, a tomada do poder pelo Aiatolá Khomeini, que, apesar de sua força, não tinha ideias tão adequadas à juventude.
Esses líderes xiitas entendiam a importância da juventude como a ponta de lança da revolução, manejando a religião como força mobilizadora, na esteira da experiência anticolonial inspirada em Franz Fanon, em África. Assim, Chariati ofereceu uma interpretação “terceiro-mundista”, moda do período especialmente no Oriente Médio.
As greves de petroleiros e de outros setores, as denúncias de servidores públicos sobre a corrupção do regime do Xá, entre outras ações da classe trabalhadora, deram o conteúdo de classe da revolução iraniana. Com a fuga do Xá e seus asseclas da classe dominante, as massas em polvorosas queimaram mais de 400 bancos e realizaram greves gerais aos montes pelo país.
Mas a volta do Aiatolá foi avassaladora, nos braços de 5 milhões de pessoas, em 1° de fevereiro de 1979. E, com seu retorno do exílio, Khomeini condenou o primeiro-ministro Bakhtiar por ele ter sido colocado no cargo pelo presidente Carter dos EUA, logo, seguindo o domínio norte-americano no país. O poder de Khomeini se mostrava incontrolável, fazendo-o ser capaz de depor Bakhtiar em um país sem parlamento àquela altura. Seu substituto foi Mehdi Bazargan, um carismático “democrata” aos olhos do Aiatolá.
O mês de fevereiro foi decisivo. Entre os dias 9 e 11, os revolucionários iranianos tomaram instalações militares, edifícios governamentais, televisões, rádios e palácios. A revolução estava sendo televisionada desde as explosões de 1978, e todo esse processo registrou a proclamação da República Islâmica do Irã em 11 de fevereiro de 1979.
“A Constituição do Irã, enquanto expressão da cultura, da sociedade, da política e da economia do Irã, está baseada em princípios e preceitos islâmicos que refletem as aspirações da comunidade islâmica”.
Este é o preâmbulo da nova carta-magna de um dos Estados mais antigos da humanidade. Em meio a crise da direção proletária, o xiismo, com o papel na história de um indivíduo coroado a Aiatolá, tomou o poder com seu Bonaparte teocrático como expressão de um torpe combate ao imperialismo.
Assim o Islã unificou nacionalismo, liberdades democráticas e interesses econômicos regidas pela xaria, a lei moral e reacionária desta religião. Naturalmente, no poder, o Aiatolá passou a determinar que qualquer ação opositora, como as shuras que ainda estavam em greve nos primeiros momentos após a revolução, eram campanhas de espionagem estrangeira, seja dos EUA, seja da União Soviética, que violavam a lei islâmica.
No norte do país, mesmo com as condenações do Aiatolá contra as greves proletárias pelas condições de vida e trabalho, a classe trabalhadora continuou em ação de forma autônoma ao governo ainda provisório. Essas organizações operárias que surgiram após a revolução persistiram, por algum tempo, em luta. Mas, na ausência de um verdadeiro partido revolucionário da classe trabalhadora, travaram uma batalha perdida.

Com o novo Estado se consolidando, uma campanha nacional de intimidação, assédio e terrorismo contra as shuras dos trabalhadores foi realizada e os elementos do poder operário nas fábricas foram brutalmente reprimidos. Após essas derrotas, houve um refluxo geral no movimento operário. E, tudo isso, com a anuência do mofado “marxista-leninista” Partido Tudeh, que apoiou firmemente o governo do Aiatolá Khomeini.
A guerra Irã-Iraque, estourada no ano seguinte durante até 1988, foi orquestrada pelo imperialismo, que utilizou Saddam Hussein, líder do Iraque “secular”, como seu procurador contra o novo regime “anti-ocidental”. Entretanto, isso auxiliou ainda mais no recrudescimento do poder do Aiatolá. A guerra com a nação vizinha teve o efeito de unificar os persas, reprimir a esquerda e transformar os “Guardiões da Revolução”, a Pasdaram, na força política e militar do regime xiita.
A necessidade do fator subjetivo para a revolução
Khomeini e seus aliados xiitas nunca chegariam ao poder sem a revolução feita pelos trabalhadores e seus conselhos operários, mesmo com todas as debilidades de direção. Ao mesmo tempo que a transformação desta revolução nacional em revolução proletária não poderia acontecer sem uma direção revolucionária com um programa verdadeiramente comunista internacionalista, contra o imperialismo e nacionalismo, neste caso, vestido de xiismo.
Como explicou Ted Grant,
“nenhuma roda gira, nenhuma lâmpada brilha sem a permissão do proletariado. Mas sem organização, esse poder permanece apenas como potencial. […] Para que a força da classe trabalhadora deixe de ser um mero potencial e se torne uma realidade, ela deve ser organizada e concentrada em um único ponto, um partido político com uma liderança corajosa e perspicaz com um programa correto.”
Essa elucidação explica a posição dos comunistas sobre a revolução iraniana. Certamente devemos compreender o poder ideológico da religião, mas não devemos reduzir esse processo a um movimento islâmico.
Da mesma forma, no presente, devemos ser capazes de condenar as aspirações imperialistas e sionistas no Irã sem converter isso na defesa irracional e contrarrevolucionária da República Islâmica do Irã, liderada, neste momento pelo Aiatolá Ali Khamenei, o sucessor do primeiro supremo do país, que o governa desde 1989. Essa tosca saída, adotada por figuras da “esquerda” brasileira, não tem nenhum rastro da luta comunista, mas sim da reprodução da posição do Partido Tudeh no contexto da revolução de 1979. Combater o sionismo e o imperialismo não converge, em nenhum momento, em defender o regime dos Aiatolá.
A linha proletária segue sendo do programa comunista internacional, tendo como algumas das expressões imediatas e transicionais no Irã a luta pelos direitos das mulheres trabalhadoras, pelos direitos das minorias nacionais e pelas liberdades democráticas em geral, pelo combate à pobreza e ao domínio imperialista da riquezas nacionais, contra a repressão religiosa e do capital das classes dominantes iranianas.
Ressaltamos que a atual guerra, em resposta à Israel, também caiu como uma luva para o regime de Ali Khamenei, que vem enfrentando um levante de oposição nas ruas do Irã. Como sempre, a guerra pode servir como um elemento de unificação nacional e estabilização ao Estado burguês. Mas, como ensina Lênin, vivemos na fase capitalista de guerras e revoluções, e o Irã e todo o mundo estão imersos nessa dicotomia explosiva.
Para os comunistas, diante disso, não há nada mais concreto que a luta de classes. Toda a fumaça entorpecente das relações “geopolíticas”, a “realpolitik” ou os “conflitos de norte e sul global e ocidente versus oriente”, não passam de ideologia que buscam excluir o real conteúdo da nova situação mundial: o acirramento irreversível da luta entre as classes.
Para tudo isso nos serve a história, compreendê-la como legado para as ações no presente, seus reflexos e significados para o combate ao capitalismo em todo o mundo. Como guia, sob as lentes do materialismo histórico-dialético, para a luta pelo comunismo internacional contra o burguês, o latifundiário, o padre, o pastor, o xá e o aiatolá.
Indicação de leitura:
COGGIOLA, Osvaldo. A revolução iraniana. São Paulo: Editora Unesp, 2008. il. – (Revoluções do século 20/Emília Viotti da Costa).
Organização Comunista Internacionalista (Esquerda Marxista) Corrente Marxista Internacional